Uma profunda contrição

Volto o retrovisor e choro momentos desperdiçados. Como o louco que rasga dinheiro, piquei o tempo. Pisoteei a chance de celebrar instantes preciosos perto de quem mais amei

Fonte: guiame.com.brAtualizado: quarta-feira, 19 de novembro de 2014 às 10:49
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oraçãoDeus meu,

Vez por outra percebo o desastre de flagrar-me menor em minha humanidade. Como um presidiário que cai em si, dou-me conta de que os vestígios do mal em mim são maiores do que imaginava. Os meus ossos doem enquanto desprezo o descaminho da morte. Alquebrado, reconheço uma perversão lenta corroendo as minhas entranhas. Mesmo assim, hesito em ralar a testa no chão áspero da penitência. Demoro para reconhecer o gosto amargo da minha felonia.

Faço introspecção procurando descobrir como o pecado tomou conta de mim. Primeiro, dispersei o foco. Depois, foram-se as prioridades. Diminuiu o receio de me perder e, finalmente, asfixiei a alma. Sucumbi, envaidecido por méritos que nunca tive. Os meus olhos estavam cegados por um complexo messiânico – responsável por me deixar inebriado de onipotência.

Quantas vezes, certo de que a minha maior missão era defender uma doutrina verdadeira, afoguei-me no pântano da soberba. Fugi do diálogo difícil com quem não fazia parte de meu universo conceitual. Condenei-me a respirar o ar mortiço do legalismo. Fiquei sem o espaço da graça.

Volto o retrovisor e choro momentos desperdiçados. Como o louco que rasga dinheiro, piquei o tempo. Pisoteei a chance de celebrar instantes preciosos perto de quem mais amei.

Se existiu algum grupo conspirando para arruinar-me, eu fui o seu principal articulador. Aceito, portanto, qualquer dardo desferido contra mim. Coloco-me à mercê do júri mais implacável. Não busco álibis. Réu confesso, submeto-me ao rigor da lei eterna.

Consciente de minha máxima culpa, exagero em celebrar a enormidade do teu amor. Fico extasiado com o teu bem querer, unilateral e incondicional. Falharia se tentasse explicar para mim mesmo o porquê de tu amares os indignos. Testemunho o teu olhar brando e minha alma se enche de calma. Por algum motivo, absorvo teu sussurrar suave e tenho vontade de cantar. Sinto-me querido. Não me rejeitastes quando, inquieto, chorei incoerências, atropelos e tolices.

Não suplico por revés milagroso. Nesta prece, não imagino que tudo se resolverá. Anseio por pequenas mudanças, metamorfoses sutis, avanços milimétricos. Pretendo continuar na árdua tarefa de humanizar-me até o dia da minha morte. Nos retrocessos, quero lembrar da frase: Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo, tenha misericórdia de mim.

Soli Deo Gloria


- Ricardo Gondim

 

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