A pandemia da Covid-19 mudou a vida de todos de forma brusca, nos obrigando a se adaptar ao “novo normal” e a lidar com questões difíceis, como a morte de entes queridos. Podemos não ter percebido, mas as crianças também tiveram suas rotinas alteradas e também estão sendo afetadas pela pandemia.
A psicopedagoga cristã Carolina Salles conversou com o Guiame, em live nesta quarta-feira (28), sobre os desafios que as crianças têm enfrentado em tempos de coronavírus e como os pais podem ajudar seus filhos a lidar com o isolamento social, o medo e o luto.
Carolina Salles é terapeuta infantil, atendendo crianças, adolescentes e famílias há 13 anos. Ela também é líder do Ministério Infantil na Assembleia de Deus de Guaíba (RS) e trabalha com aconselhamento pastoral de jovens e casais.
Como a pandemia afeta as crianças
Durante a pandemia, muitas famílias tiveram que conciliar o home office e as demandas escolares dos filhos em casa, lidando com os desafios da nova rotina. A psicopedagoga Carolina chama a atenção para a importância da família criar uma rotina em casa para a criança, a fim de ela manter sua estabilidade emocional.
“A criança necessita saber o que vai acontecer, isso dá previsibilidade e segurança para ela. Uma casa onde está tudo bagunçado, que não tem hora para nada e que não se sabe o que vai acontecer naquele dia, o adulto até dá conta, mas para a criança isso é extremamente prejudicial”, explicou.
De acordo com Carolina Salles, as crianças também podem desenvolver problemas emocionais, como ansiedade, devido à pandemia. Ela conta que o número de famílias que procuram ajuda profissional em seu consultório aumentou durante este período pandêmico.
A psicopedagoga explicou que a criança demonstra que não está bem através do comportamento, porque ainda não sabe expressar o que sente através da fala. “Algumas crianças desenvolveram transtornos de ansiedade, transtornos alimentares com ganho ou perda de peso. Também pode haver transtornos de sono; a criança passa a dormir muito por se sentir ociosa em casa ou dormir pouco por sentir ansiedade por não poder sair de casa para brincar”.
Carolina também destacou outros sintomas como a regressão comportamental. “Crianças que já estavam mais autônomas, voltam a dormir com os pais, por exemplo, porque há um aumento de dependência. Ficam mais manhosas, voltam a querer tomar mamadeira ou usar bico”, disse. Estes são os principais sinais que a criança mostra que está sofrendo e que os pais precisam estar alerta, segundo a psicopedagoga.
A criança é reflexo da família
A terapeuta infantil também esclareceu que a criança é o reflexo do ambiente familiar em que vive e que, por isso, sua saúde emocional e desenvolvimento dependem do funcionamento saudável da família. “Se a mãe ou o pai não está bem, se o ambiente familiar está tóxico, se está um clima difícil, esta criança acaba sentindo a situação. Se houve uma dificuldade financeira que deixou todos abalados, por mais que não contem, ela sente essas emoções e sofre muito com a família”.
A importância da vida espiritual e conjugal dos pais estarem saudáveis para os filhos, também foi destacado pela psicopedagoga.
“A família tem que estar na rocha, que é Cristo. Os pais para a criança é como se fosse um guarda-chuva, quando o abrimos tem uma proteção. A criança, numa situação em que o relacionamento dos pais não está sendo cuidado, está sem proteção. Uma criança, em que os pais não estão bem na fé ou entre si, está à mercê de perigos que podem vir”, afirmou.
Para Carolina, neste tempo de pandemia, em que a criança está isolada do convívio social com outras pessoas e crianças, é essencial os pais estreitarem os laços com os filhos, dedicando tempo de qualidade para brincar, rir e conversar.
Fazer devocional em família é uma dica prática da terapeuta para os pais cristãos e uma ótima oportunidade para a criança expressar seus sentimentos. “A família pode fazer o pote da gratidão com os filhos para conversarem sobre as coisas que são gratos. Também a oração, que é terapêutica para a criança, porque ela pode expressar o que está sentindo”, sugeriu.
A terapeuta deixou uma orientação final aos pais: “Tem que aproveitar esse período, que não temos certeza de quando vai terminar, para resolver pendências familiares. E se não resolvemos agora, se ficamos arrastando, depois que a vida normal voltar, essas pendências irão ficar. E em algum momento a conta dos dilemas não resolvidos em casa vai chegar”, alertou Carolina.
Luto infantil: como falar sobre a morte de alguém para a criança?
A Covid-19 vitimou muitos entes queridos de centenas de famílias no Brasil, que agora precisam lidar com o luto. Carolina Salles também trouxe orientações de como os pais podem falar sobre a morte de familiares e amigos com as crianças.
Conforme a psicopedagoga, a sociedade hoje vive três tipos de luto: o luto coletivo ao acompanhar o número de morte por coronavírus todos os dias no noticiário; o luto por pessoas conhecidas, a morte de uma tia distante ou de um irmão da igreja, que nos dói mais do que o primeiro; e o luto por pessoas próximas, de familiares e amigos, que é o mais difícil de todos.
E as crianças também percebem e vivenciam estes lutos: “Você ligou a televisão no jornal na sala e a criança está presenciando, ‘mas ele está ali sentadinho brincando com os carrinhos’, não pense que ela não está prestando atenção, as crianças pegam tudo”, afirmou Carolina.
Para relatar a morte de um ente querido à criança, os pais não precisam ter medo, segundo ela. A terapeuta afirma que não existe um jeito certo de contar, mas que a família não pode omitir o falecimento dos filhos.
“A primeira orientação é sentar e conversar com a criança. Hoje temos materiais infantis para ajudar nessa conversa, como a cartilha ‘Perdi a vovó pelo Covid’. E relatar esse falecimento, explicando, por exemplo, que a vó ficou doente, foi para o hospital e não conseguiu resistir”.
A segunda orientação da psicopedagoga é fazer um ritual de despedida com a criança. “O povo judeu fazia muitos ritos de passagem em velórios, por exemplo. Nós, adultos e crianças, precisamos vivenciar este luto e sentir a dor para fechar este ciclo. Podemos fazer uma carta de gratidão, desenhando ou escrevendo junto com a criança, lembrando os melhores momentos que vivemos com essa pessoa. Olhar fotos e fazer uma homenagem. E perguntar a criança se ela deseja ir ao velório se despedir. Não deixe de permitir se a criança quiser e se ela não quiser, respeite. Mas ofereça essa opção”.
Carolina também explica que os pais não precisam reprimir os sentimentos de perda diante das crianças ou evitar falar sobre a pessoa que faleceu. E que o momento de luto na família, pode ser uma oportunidade para os pais cristãos conversarem sobre a salvação e a eternidade com os filhos.
“Quem não é cristão fala para a criança que a pessoa que faleceu virou estrelinha. É muito comum isso, mas é errado. E nós cristãos, que entendemos que a eternidade é o encontro com Cristo, devemos apresentar para a criança o que a Bíblia nos orienta sobre este momento e o que nos espera no Céu. Acredito que isso traz acalento e segurança para ela, porque damos um destino verdadeiro para esta dor”, incentivou a terapeuta.
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