Faltou humildade à presidente

A presidente Dilma, no seu discurso em rede nacional, poderia ter levado os fatos supramencionados em consideração e falado aos milhões que não decoraram suas ruas nem penduraram a bandeira do Brasil em suas janelas, bem como aos que irão torcer e, pelo simples fato de serem cidadãos desse país, merecem respostas honestas para perguntas honestas

Fonte: guiame.com.brAtualizado: quinta-feira, 12 de junho de 2014 às 13:28
Dilma
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DilmaPercebe-se no país inteiro a ambivalência de sentimento com relação à Copa. Parte da população consegue abstrair sua paixão pela seleção brasileira dos problemas políticos que envolveram a realização da competição esportiva. Na minha casa, por exemplo, tem quem vai torcer fervorosamente. Impera a liberdade e o respeito. Milhões de brasileiros, contudo, sentem-se indignados com a forma como a organização da Copa foi conduzida, especialmente, pelo uso de verba pública. Entre estes, há aqueles que até mesmo recusam-se a assistir aos jogos.
Em junho do ano passado, vimos o país sair às ruas, clamando por solução política para número infindável de problemas sociais concretos que milhões enfrentam no Brasil.

Somando esses dois fatos, os milhares que protestaram ano passado mais os que sentem-se feridos pelo uso de dinheiro público na Copa, nos deparamos com parcela significativa da população esperando respostas efetivas do poder público brasileiro para demandas justas do povo.

Tudo isso impõe aos que representam o povo a necessidade imperiosa da falar à alma, coração e mente da população. Como? Mediante a apresentação de metas claras, políticas públicas objetivas, trabalho duro e humildade para reconhecer equívocos. Pensemos na possibilidade de que tudo o que vivemos ano passado tenha sido apenas uma onda que será seguida por um tsunami de revolta social. Como declara André Bieler: "Quem deixa agravar-se uma indisposição social é responsável pela agitação revolucionária que venha daí resultar".

A presidente Dilma, no seu discurso de ontem em rede nacional, poderia ter levado os fatos supramencionados em consideração e falado aos milhões que não decoraram suas ruas nem penduraram a bandeira do Brasil em suas janelas, bem como aos que irão torcer e, pelo simples fato de serem cidadãos desse país, merecem respostas honestas para perguntas honestas.

Ela devia um pedido de perdão ao povo. Foi dito que a Copa seria realizada com recursos da iniciativa privada, o que não houve. As obras da Copa saíram muito mais caras do que o que havia sido anteriormente declarado, sem mencionar os escândalos de superfaturamento. Há um custo, contudo, bem mais grave do que o dinheiro investido em estádios. A consciência social do povo brasileiro foi ferida. O país se dividiu. Milhões de trabalhadores não conseguem compreender como houve vontade política para a realização da Copa e não se percebe esse mesmo investimento de vida em áreas essenciais de serviço público.

Não houve menção, na fala da presidente, aos oito trabalhadores que morreram na construção dos estádios, para cujas famílias a Copa já acabou há muito tempo. Haverá um minuto de silêncio em memória desses brasileiros que deram sua vida por uma competição esportiva que não poderá ser assistida pelos que vivem com o salário que esses operários ganhavam?

Os números do investimento em educação e saúde apresentados pela presidente não impressionam. Além de ser dever de um Estado para o qual damos o sangue, trabalhando duro para sustentá-lo com nossos impostos, esses bilhões de reais mencionados ontem estão sendo muito mal empregados, porque pacientes continuam morrendo em fila de espera de hospital público, milhões de crianças estudam em escolas públicas desprovidas de quadras esportivas e bibliotecas. Já as arenas esportivas da Copa do Mundo, estão aí. Esplendorosas, perante um povo perplexo, passando imagem falsa de um dos países mais desiguais do planeta.

Quando afirmamos que o dinheiro da Copa foi tirado da educação, saúde e segurança -o que de fato queremos dizer é que com os 30 bilhões investidos na Copa, trataríamos, ainda que parcialmente, de alguns do problemas mais urgentes do Brasil, que parecem não caber no orçamento espetacular apresentando no discurso da presidente, caso contrário, teríamos escolas e hospitais à altura do poder econômico da sétima economia do planeta.

Não era momento de atacar inimigos, escarnecer de quem se mostrou pessimista quanto à capacidade do país da "ponte que liga o nada a lugar nenhum" cumprir as promessas que fez, pessimismo que se confirmou nas mais diferentes áreas de planejamento.

Quanto aos que saíram da miséria, não nos esqueçamos que o brasileiro trabalha em média oito a dez horas por dia, seis vezes por semana, gastando nas grandes cidades quatro horas de sua vida no trânsito, para receber no final do mês R$ 740, 00 e voltar do trabalho para seus barracos em bairros nos quais não há saneamento básico. Essa gente tem tempo para a literatura, a prática de um hobby, o investimento no seu desenvolvimento pessoal, a poesia, o amor? Muitos dos quais endividados e, por problema de consciência, procurando honrar seus compromissos financeiros, porque julgam indigno dever e não pagar, ainda que o credor seja um agiota cuja atividade é legitimada pelo Estado.

Presidente Dilma, a quem devemos todo respeito. Representante legítima do povo brasileiro. O brasileiro ama a humildade. Não há caminho mais eficaz para ganhar a alma da população do que o gesto humilde acompanhado da sincera correção de rumo. No governo do seu partido, políticas públicas livraram milhões da fome e da falta de teto para viver. Contudo, há muito ainda a ser feito. Pobres agonizam nas favelas, nas comunidades ribeirinhas da amazônia e no sertão nordestino.
Na abertura desta Copa, o povo brasileiro esperava ouvir um pedido de perdão, seguido da apresentação de um sonho. Isso pacificaria os corações daqueles que não desistem nunca, como a senhora muito bem mencionou, e que por isso mesmo não deixarão de voltar às ruas para lutar por si mesmos, pelas suas famílias e pelo seu país.


- Antônio Carlos Costa
Rio de Paz

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