No Haiti, o ciclo de violência das gangues e deslocamento está destruindo a vida de crianças e famílias, intensificando a crise no país.
A organização cristã “Trans World Radio”, que atua no país, relatou o estado crítico em que se encontram as vítimas.
Obed* um voluntário no “Every Man a Warrior”, um ministério da organização contou: “Eles dizem que vão tomar a cidade, e então fazem isso. As autoridades não conseguem impedir”.
Segundo o Mission Network News, no último sábado (26), Solino — um bairro de Porto Príncipe — passou a estar sob o controle de uma coalizão de gangues conhecida como Viv Ansamn.
Obed listou Arcahaie, L'Estère e Leogane como outras comunidades que as gangues atacaram neste mês ou afirmaram que irão invadir em breve.
Muitos líderes do ministério vivem em Arcahaie, que foi atacada no início deste mês. Quando uma coalizão de duas gangues ("5 Second" de Martissant e "Jeff" de Canaan) atacou novamente, eles escaparam para a encosta da montanha em busca de salvar suas vidas.
No início deste mês, um pastor ligado ao ministério foi sequestrado. No entanto, Obed informou que o pastor foi libertado esta semana.
Como parte de um esforço internacional para restaurar a segurança nacional do Haiti, mais 600 tropas do Quênia em breve se juntarão às cerca de 400 já estacionadas no país desde maio. Porém, Obed afirma que essas forças têm sido ainda menos eficazes do que a própria polícia em conter a violência das gangues.
‘Que Deus mostre o seu poder’
De acordo com o UNICEF “Fundo das Nações Unidas para a Infância” — que trabalha para garantir os direitos de cada criança e adolescente, concentrando seus esforços nos que são vítimas de formas extremas de violência — estima-se que 30 a 50% das crianças do Haiti estejam envolvidas com gangues.
“Eles lhes dão comida e os envolvem, porque os pais da maioria deles morreram baleados devido à violência”, disse Obed.
As crianças que são recrutadas por gangues são frequentemente molestadas, abusadas, treinadas para usar armas e forçadas a fazer serviços domésticos.
“Eu acredito que quando gangues querem atacar uma cidade, eles mandam essas crianças. Eles as mandam sem armas para tomar o controle e dar informações”, relatou Obed.
Obed contou que foi chamado por Deus para reconstruir o Haiti. Ele tem experiência em proteção infantil e está cuidando de crianças e servindo no norte do país.
“Nós mudamos algumas das famílias para as fronteiras da República Dominicana. Na semana passada, nós alugamos casas para algumas delas. É o que podemos fazer por enquanto. Mudamos algumas delas para uma casa segura, para um ambiente seguro”, explicou ele.
E continuou: “Que Deus use esta situação para mostrar Seu poder”.
“Francamente, não vemos como podemos sair disto. Mas se Deus salvar o Haiti, acreditamos que a glória Dele será conhecida e cobrirá toda a terra”, concluiu.
Cristãos estudando a Bíblia no Haiti. (Foto: Reprodução/Trans World Radio)
Dados do UNICEF
Durante o Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a situação humanitária no Haiti, Catherine Russell — diretora executiva da UNICEF — apresentou dados relevantes sobre o aprofundamento da crise humanitária no país.
Na presidência do Conselho de Segurança da Suíça, a Diretora Executiva da UNICEF e Advogada Principal designada para a Situação Humanitária no Haiti para o Comitê Permanente Interagências, disse:
“Excelências … desde que os informei há seis meses sobre a crise no Haiti, a situação catastrófica continuou a se deteriorar. A cada dia, os haitianos sofrem alguns dos piores abusos, violações de direitos e ameaças às suas vidas que estamos vendo em qualquer lugar do mundo”.
Segundo um relatório recente do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, mais de 3.600 pessoas teriam sido mortas em 2024.
Além disso, grupos armados estão cometendo graves violações de direitos contra crianças, incluindo assassinatos e mutilações.
“Até agora, este ano, vimos um aumento impressionante em incidentes relatados de violência sexual contra mulheres e crianças, incluindo violência de gênero. Grupos armados também estão recrutando e usando crianças ativamente em suas operações”, relatou Catherine.
E continuou: “Elas estão sendo usadas como informantes, cozinheiras e escravas sexuais, e estão sendo forçadas a perpetrar violência armada elas mesmas”.
“Em todo o país, cinco milhões e meio de pessoas, incluindo três milhões de crianças, precisaram de assistência humanitária até agora neste ano, com quase metade da população enfrentando grave insegurança alimentar e aumento da desnutrição. Mais de 700.000 pessoas, incluindo mais de 360.000 crianças, estão agora deslocadas internamente. Muitas buscaram abrigo com parentes e famílias anfitriãs longe de suas próprias casas, enquanto milhares estão vivendo em acampamentos ou abrigos superlotados, onde ainda correm risco de violência e exploração”, acrescentou.
Catherine destacou que a crise também está privando as crianças do direito à educação:
“Até agora, neste ano, mais de 300.000 crianças perderam o aprendizado, com escolas sendo fechadas, atacadas ou reaproveitadas como abrigos temporários para pessoas deslocadas. À medida que o novo ano letivo começa, as crianças que estão fora da escola estarão sob risco maior de violência e recrutamento por grupos armados”.
Além disso, a violência e a insegurança estão prejudicando o trabalho dos agentes humanitários de alcançar os haitianos necessitados.
Com isso, muitas das 1,6 milhões de mulheres e crianças que vivem em comunidades sitiadas estão em grande parte isoladas sem acesso a nenhum tipo de auxílio.
Conforme Catherine, apesar da violência desenfreada e das graves condições humanitárias, crianças e famílias continuam sendo devolvidas ao Haiti:
“Muitas das que estão sendo devolvidas são altamente vulneráveis muitas vezes carecem de recursos, documentação oficial e acesso a serviços essenciais. Em alguns casos, as crianças que foram devolvidas têm pouco ou nenhum apoio familiar no Haiti, e são deixadas para se defenderem sozinhas”.
“Mesmo diante da violência e do acesso limitado, os trabalhadores humanitários estão permanecendo e continuando a prestar assistência às pessoas necessitadas”, disse Catherine.
E continuou: “Com as condições piorando a cada dia, precisamos urgentemente expandir a resposta humanitária, incluindo nas áreas controladas por grupos armados”.
*Nome alterado por motivo de segurança.
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