Relatora da Infância na Comissão de Direitos Humanos fala sobre a violência a crianças e adolescentes

" O que é muito claro é que a violência que está mais próxima das crianças se encontra dentro de suas próprias casas", diz Rosa Maria Ortiz

Fonte: guiame.com.brAtualizado: terça-feira, 23 de dezembro de 2014 às 16:15
Rosa Maria Ortiz
Rosa Maria Ortiz

Rosa Maria OrtizRosa Maria Ortiz, Relatora da Infância da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, participou do XXI Congresso Pan-americano da Criança e do Adolescente da OEA, em Brasília.

Em entrevista, ela fala sobre a violência contra crianças e adolescentes e os desafios na luta em prol da redução dos índices atuais. Confira

Quais as violências que você considera mais preocupantes contra crianças e adolescentes nas Américas hoje?

Há inúmeras. É difícil fazer uma ordem de valor. O que é muito claro é que a violência que está mais próxima das crianças se encontra dentro de suas próprias casas. É por isso que na Comissão Interamericana temos dado muita ênfase ao direito das crianças e adolescentes viver em família, o direito de uma convivência de paz, a viver em um ambiente familiar e comunitário livre de violência. Isto como uma obrigação do Estado de criar capacidades e serviços para assegurar que isso ocorra e que, além disso, garanta que estes temas não se discutam apenas entre quatro paredes, mas em todos os níveis. Que os pais discutam sobre a educação das crianças, sobre o impacto da violência, como educar sem violência, que avaliem suas práticas no entorno próximo de suas vidas cotidianas. Isso é algo que não existe e é absolutamente fácil de fazer. Não é nada complicado, não tem que inventar nada, mas criar condições na comunidade para que os pais analisem sua pratica educativa. Então, eu diria que aí está uma violência que, se não se atende, dá pé para outros tipos de violência cada vez mais graves, porque uma menina ou menino que viveu em um ambiente violento facilmente passa por violências nas ruas, ou violência com seu cônjuge, e podem terminar em violências mais graves.

Quais são os principais desafios para concretizar a redução da violência contra essas meninas e meninos?

Sendo essa a origem de vários tipos de violência, o entorno familiar e comunitário são fundamentais para proteger crianças e adolescentes. Conhecemos mais sobre a violência dentro da família e sabemos o que pode ser feito para enfrenta-la. Contudo, há outros tipos de violência, como a que os adolescentes sofrem nos espaços públicos e na internet. Os espaços públicos, onde ninguém se responsabiliza por eles e onde o crime organizado age, são locais nos quais os adolescentes são vítimas de atividades criminosas para diversos fins. É algo que ainda não se conhece tanto como a violência que dentro da família ou da escola e que precisamos nos dedicar. Estamos tentando fazê-lo com o relatório sobre os direitos da criança e do adolescente com o apoio da Plan, considerando espaços de violência que incluem o crime organizado. Agora vamos iniciar uma pesquisa e relatório com o apoio da Visão Mundial sobre como fortalecer os sistemas justamente de prevenção e promoção dos direitos, que engloba tudo o que estamos falando.

Em sua fala durante o XXI Congresso, você também destacou a violência da polícia, que é uma violência institucionalizada.

Absolutamente. Nesses espaços públicos não estão os pais, mães, os professores... Quem está? Está a polícia, que não é uma referência de proteção da infância. E deveria ser! Para isso ela deveria existir. Contudo, esta é outra luta que devemos dar seguimento para assegurar um ambiente sem violência. Se é bom para as crianças, é bom para toda a sociedade.

No Brasil, estamos discutindo um Projeto de Lei, a PL4471, sobre os Autos de Resistência. Hoje, quando algum policial mata alguém e alega auto de resistência, o caso se dá por encerrado sem investigação alguma. Isso tem possibilitado que muitos jovens, principalmente negros, morram. Qual seu posicionamento sobre isso?

Está claro que é um resquício da ditadura, o que dentro de um Estado de Direito é absolutamente inadmissível. Creio que não deveria haver problema de aprovar esta lei urgente e necessária. E não só uma lei, mas um mecanismo para assegurar que efetivamente isso não ocorra mais.

Hoje, os atores que têm dificultado a aprovação da mesma são justamente deputados apoiados pelas associações vinculadas a policia. Então, que trabalho podemos fazer para sensibilizar pessoas, considerando que adolescentes são vistos pela sociedade como uma ameaça?

Aí nós comunicadores temos muito que fazer! Cumprir nossa função de informar. Informar para poder atuar. Porque a informação que a população recebe hoje não é para atuar, mas para ter medo e se calar. Temos que atuar para que o direito de estar informado possibilite exigir as mudanças que precisam ser feitas para uma vida sem violência.

Você poderia comentar o problema do racismo, que está vinculado a esse tipo de violência e que não é um desafio apenas para o Brasil, mas para as Américas também?

Estas perguntas têm muitas respostas, te dou aqui apenas um aspecto. O tema é muito mais complexo, como a realidade é. Mas a discriminação é uma consequência de uma cultura colonial muito arraigada e uma democracia muito curta. A sociedade deve ser atora de seu próprio destino. A educação e a política deveriam ser de emancipação das pessoas, que possibilitassem entender realmente sua realidade e apontar medidas que correspondessem a melhoras. Hoje em dia, apesar de termos um Estado democrático, os meios de comunicação conspiram contra essa liberdade, a liberdade fruto da compreensão da realidade e informação. E é por isso que o debate sobre os meios é fundamental. Você começou a pergunta falando de discriminação e termino com isso porque creio que há um fio condutor entre ambas as coisas. Os meios justamente vendem uma imagem, uma leitura, de como é a sociedade que não é a real e há muitas leituras que não aparecem nos meios.


via Visão Mundial

 

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