Defender ateus é coisa para cristãos

Quero propor uma reflexão sobre a nossa relação com pessoas que pensam diferente de nós. Parece óbvio, mas não é.

Quando postei algo sobre a postura do Malafaia em relação a fala do Ricardo Boechat, um pastor batista de Minas Gerais me criticou como defensor de um ateu em detrimento de um cristão. Esse é meu ponto de partida e minha pergunta é: por que eu não posso defender um ateu? Ampliando: por que eu, um cristão, não posso defender pessoas de fé diferente, como um umbandista, um muçulmano ou um político ou torcedor fanático? (na verdade não defendi Boechat em momento algum, mas o pastor fez essa leitura do que escrevi).

Primeiro, no Sermão da Montanha, Jesus disse que Deus prospera os ateus, os umbandistas e todos os demais que pensam diferente de mim. "Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos" (Mateus 5:45).

Sol e chuva numa sociedade agrícola é equivalente a prosperidade e fartura, bênçãos e proteção. E isso para bons e maus, pessoas de fé e ateus. Não caía chuva só na roça do beato. Logo, penso que se Deus assim faz, devemos fazer o mesmo. Não aprendemos com Jesus é o Novo Testamento que devemos ser imitadores do Pai?

Segundo, os Salmos dizem que o ateu é um tolo. "Disse o tolo no seu coração: Não há Deus" (Salmos 53:1). Desde a Antiguidade os ateus dizem isso, no entanto, Deus não os destruiu, não os exterminou nem ficou emburradinho com eles. Isso não significa que se darão bem no acerto de contas; eles colherão o resultado de sua rejeição a Deus. Mas esse "pagamento" pela rejeição a Deus nunca foi dever de qualquer pessoa de fé, do cristão, do judeu ou outro. É uma questão que não cabe a nenhum ser humano. O joio é identificado pelo Senhor e Jesus ensinou que são os anjos que farão a separação, quando e onde Deus determinar.

E o que cabe a nós, pessoas de fé? Cabe a todo aquele que acredita na Bíblia procurar a justiça acima de tudo. A Igreja é um corpo espiritual que naturalmente está unido por uma fé e a defesa da Igreja cabe ao Senhor da Igreja. Por outro lado, aprendemos nas bem aventuranças que aquele tem fome e sede de justiça será farto dela, mas não aprendemos a fazer acepção de pessoas por causa da nossa fé.

Assim, criar um clubinho de crentes e defender uns aos outros acima da justiça e da verdade é corporativismo, não é cristianismo. Os doze apóstolos quiseram fazer o seu clubinho, mas Jesus tratou de criticar e desfazer a pretensões deles imediatamente. Por que faríamos diferente? Clubinhos são contrários ao corpo de Cristo. Clubinhos que defendem posições teológicas rígidas, que defendem denominações com unhas e dentes, que defendem dogmas estritamente humanos (vou escrever sobre dogmas qualquer dia), que defendem seus associados... Qualquer interesse que não seja a verdade e a justiça acima e antes de tudo é pernicioso, idólatra e anticristão. E antes que pensem errado, eu não sou universalista.

Defender um ateu, se ele fizer o certo, é mais justo que proteger um cristão que age tempestivamente. Não estou me referindo ao caso específico da semana passada. Estou pensando mais amplamente.

Se a pessoa de outra religião, até mesmo contrária a minha, diz a verdade ou tem um direito recusado, e um cristão mente ou se porta contrário ao direito, a atitude cristã e defender a verdade, a justiça e o direito. Não é vergonhoso nem errado (nem herege) defender quem pensa diferente de nós, nem quem pensa contrário à nós. Errado é fazer uma panelinha e advogar em causa própria, esquecendo-se de que o próximo, mesmo que não creia como nós, também tem os seus direitos garantidos por Deus. Como dizer que amamos a Deus sem amar ao próximo, mesmo que ele seja ateu? É preciso amá-lo e respeitá-lo, e as consequencial da sua rejeição a Deus não é da nossa conta.

"Não deturpes o direito, não faças discriminação de pessoas, nem aceites suborno, pois o suborno cega os olhos dos sábios e corrompe as palavras dos justos." (Dt 16,19).