Entrevista Jaime Kemp: "O maior presente que um pai pode dar para seu filho é amar a mãe dele"

Entrevista Jaime Kemp: "O maior presente que um pai pode dar para seu filho é amar a mãe dele"

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:28

Por Adriana Amorim

Fundador da missão "Vencedores por Cristo", o norte-americano Jaime Kemp percorreu o Brasil no início da década de 70, ao lado de jovens que evangelizaram em locais públicos, presídios e hospitais e causaram impacto na Igreja com calças jeans e cabelos compridos. Ao som de uma música cristã bem brasileira, o grupo usava um instrumento incomum para a década: a bateria.  

Conferencista, Kemp dedica-se desde 1978 ao trabalho com famílias, liderando o ministério Lar cristão. É autor de livros como "Antes de dizer sim", "A arte de permanecer casado", "Adolescência: Crise ou curtição?", "Onde está Deus no meu sofrimento?", "Respostas Francas a perguntas honestas", "Namoro, Noivado, Casamento e Sexo" e "Eu amo você".

Há 42 anos no Brasil, admite ser mais brasileiro do que norte-americano. Irmão de quatro mulheres e pai de três, Kemp é afetuoso e expressivo. Em entrevista ao Portal Guia-me , contou em tom bem-humorado algumas experiências que viveu no Brasil. Falou também sobre a importância de se conhecer os papéis do relacionamento familiar, quais são os principais problemas da família hoje e porque é necessário mais do que amor para construir um relacionamento, tudo com um sotaque que ele mesmo esclarece: "é o meu charme".

Portal Guia-me: Quando o senhor percebeu que tinha vocação para cuidar dos relacionamentos familiares?

Jaime Kemp: Sabe de uma coisa, eu nunca pensei. Quando nós viemos para o Brasil, trabalhamos com o "Vencedores por Cristo". Criamos conjuntos musicais, treinamos, discipulamos, saímos evangelizando nas ruas, nas praças, nas cadeias, na TV, no rádio, e fizemos isso por muitos anos. Nas minhas andanças pelo Brasil, eu vi a tremenda necessidade de alguém trabalhar com a família. Nós entregamos o "Vencedores por Cristo" a uma liderança brasileira e acompanhamos o ministério até hoje. Desenvolvemos materiais sobre princípios da família, treinando casais jovens, adolescentes, noivos, mamães e papais sobre uma porção de coisas. Então, foi assim que nós começamos o trabalho, mais ou menos há 33, 34 anos.

Eu e Judith somos casados há 43 anos. Viemos para o Brasil depois de um ano de casamento. Toda a nossa vida está aqui, há 42 anos na verdade, e temos uma paixão pela família.

Portal Gu ia-me: Na missão "Vencedores por Cristo", além de liderar, tocava algum instrumento?

Jaime Kemp: Tocava galinha (risos). Eu cantava no conjunto, era tenor. No início liderava, porque estudei música nos EUA, mas depois vi que os brasileiros têm muita música dentro dos ossos deles, hã? Então eu disse: Vamos soltar a coisa, expressando-nos dentro da cultura brasileira, hã? Porque americano tem o jeito dele. Então, começamos a cantar sambas, bossa-nova, música sertaneja, reggae e "etc etc"

Portal Guia-me: O fato de ter escolhido o Brasil para viver tem a ver com alguma necessidade que o senhor encontrou aqui?

Jaime Kemp: Sabe, eu fui criado na roça e estudei em uma escola rural. Quando eu tinha 10 anos, na 5ª série, a professora deu uma tarefa: fazer uma redação. Cada um deveria fazer uma sobre um país do mundo e eu peguei o Brasil. Imagina, Deus já estava trabalhando comigo quando eu não tinha nenhuma idéia. Então, eu comecei a estudar o Brasil e fiquei apaixonado pelo país. A Amazônia, as praias, Brasília não existia ainda, mas eu conhecia o país, a geografia, a história, a língua. Não aprendi a língua lá, porque nós a estudamos aqui, mas eu sempre quis vir para cá, desde quando eu tornei-me missionário, eu queria ir para o Brasil. Então, foi o lugar que eu e Judith viemos passar a nossa vida.

Eu cheguei com a SEPAL - Serviço de Evangelização para a América Latina, éramos missionários da missão e trabalhamos mais na área de liderança com pastores, discipulado. Mas depois de 32 anos com a SEPAL eu queria formar este ministério com estrutura, com homens trabalhando [...]. Deixamos amigavelmente a missão e iniciamos o ministério "Sociedade Religiosa Lar Cristão".

Portal Guia-me:  Quais são as maiores dificuldades que a família vive hoje?

Jaime Kemp: Em primeiro lugar, um pastor não deve fazer nenhum casamento em sua igreja sem exigir um curso de doze horas. Eu falo doze horas porque se eu digo um curso, eles acham que uma hora, duas horas, é suficiente. Então, esse é um estudo de doze horas, que leva três meses, com uma hora e meia por semana, e tarefas no meio para o casal mostrar algum trabalho que fez. Preparando os dois e dando ao conselheiro a possibilidade de ver se esse casal pode viver debaixo do mesmo teto, dormir na mesma cama, comer na mesma mesa, sentar no mesmo sofá, assistir ao mesmo televisor.

Portal Guia-me: E usar o mesmo controle remoto?

Jaime Kemp: Geralmente o homem controla. (risos)

Essa é a preparação para o casal. As pessoas passam por sérios problemas na vida conjugal, especialmente nos primeiros cinco anos, porque não preparamos o casal. O casal nunca recebeu, vamos dizer, um curso de comunicação. Nós achamos que amor vai nos guiar, que romantismo vai nos levar, e não leva. Agora, isso é uma coisa. Existe também o compromisso do casamento, o amor e a seriedade desse compromisso, saber deixar papai e mamãe, porque, às vezes, há problema no casamento pelo fato de o marido ou a esposa, ou mesmo os dois, não deixaram mãe e pai, então, fica difícil. Quando a filha deixa mamãe, papai, torna-se esposa. O filho deixa mamãe e papai e torna-se marido. A prioridade não é ser mais filho, filha, é ser marido e esposa e quando isso não acontece há conflitos. Além disso, nós precisamos compreender como nos comunicar, porque nós não sabemos "naada" , achamos que sabemos como comunicar, como resolver conflitos, o papel do marido, o papel da esposa, o perdão, a importância do perdão. Perdão é pedir a graça e dispensar graça sobre o cônjuge. E também ministramos sobre relacionamento sexual, que se torna 42% de todo o meu aconselhamento com "casais casados", os problemas sexuais.

Há também o problema financeiro. Não somente de não ter dinheiro, mas de como dar para a obra do Senhor, como economizar, cuidar para não usar o cartão além da capacidade, para pagá-lo integralmente todo mês. O talão de cheque, que o povo tem costume de fazer pré-datado, viver à frente 50, 60, 80 dias do nosso dinheiro. Realmente esse é um problema. Dinheiro no momento é o maior problema conjugal.

Os filhos são outro problema. "Como criar os filhos?", isso tem que ser conversado, dialogado antes do casamento. Você crê, por exemplo, no uso da vara para uma criança ou para um adolescente que é rebelde? O que diz a Palavra de Deus sobre o uso da vara? Porque, às vezes, há problema entre marido e esposa em questão de como lidar com os filhos, não somente na questão de disciplina, mas em outras questões. Então, essas são algumas das coisas que o casal precisa saber antes de se casar. E você também.(risos)

Portal Guia-me: Como a família pode lidar com experiências ruins?

Jaime Kemp: Geralmente quando nós passamos por uma tribulação, uma perseguição, uma dificuldade, seja coisa pequena ou coisa grande, a nossa tendência é culpar Deus ou mais outra pessoa. E nós fazemos a pergunta: "Por que eu, Senhor? Por quê?"

Por que não? Será que nós só podemos receber coisas boas de Deus e não receber nada de ruim? Essa foi a pergunta que Jó fez a sua mulher, quando ela disse: "Amaldiçoa Deus e morre". E ele disse:  "Não. Não podemos receber coisas ruins?". Às vezes, nós achamos que Deus é um grande "papai Noel celestial", que só dá coisas boas para seus filhos. Não, não somos isentos das violências do homem, das dificuldades. E Deus quer usar essas dificuldades para nos aperfeiçoar, para nos lapidar. Então, eu creio que nós não podemos fazer a pergunta: Por que eu, Senhor? Mas a pergunta: O que o Senhor tem através desta experiência?

A primeira coisa que esse casal que está passando por essa dificuldade deve fazer é banir tudo isso na oração. Não sei, pode ser um problema, uma dificuldade; às vezes, a perda de um ente querido; às vezes, um acidente que deixa uma pessoa aleijada; pode ser uma coisa financeira; a perda de um emprego; quer dizer, a primeira coisa é correr para Deus. Vamos correr para Deus, vamos conversar com Ele, vamos chorar na presença Dele, vamos clamar. Nós precisamos louvar ao Senhor, engrandecer o nome do Senhor e reconhecer que atrás disso Deus está controlando tudo em nossa vida. Ele é o controlador de todos os eventos, situações e circunstâncias da nossa vida! E nada acontece por acaso, Deus controla, Deus sabe tudo. E Ele vai trazer bem, como diz a Palavra em Romanos 8:28, que tudo coopera para nosso bem. O propósito de Deus é que seja a imagem de Cristo desenvolvida em nosso coração.

Portal Guia-me: Deus prepara uma pessoa para a outra ou o casamento é uma escolha?

Jaime Kemp: É claro que Deus sabe com quem você vai casar, mas Ele dá toda a escolha para você. Agora, ele colocou algumas condições, a número um é que você deve casar com um homem ou uma mulher de Deus, você tem toda a liberdade para escolher. Quando eu faço curso para jovens "Namoro, noivado, casamento e sexo", tenho 12 características de um homem de Deus e 12 características da mulher de Deus. E para a juventude nós passamos todas aquelas coisas, para que possam ter uma idéia, por que sabe de uma coisa? O fato é que muitos jovens não tem pai e, se tem pai, ele não é pai exemplar, não sabem o que é um bom pai. O rapaz cresce dentro do lar e não sabe o que é amar sua esposa, como liderar, porque não viu nada disso. E às vezes a mulher é agressiva e a moça vai crescendo dentro do lar achando que tem que ser agressiva com o homem, um problema que passa de geração para geração. Eu sempre falo que o maior presente que um pai pode dar para seu filho é amar a mãe dele e o maior presente que uma mulher pode dar para sua filha é ser um modelo para seguir a liderança do pai, isso é bênção, não acontece sempre.

Portal Guia-me: Muitas esposas não compreendem que a mulher, de acordo com a Bíblia, deve ser submissa ao marido.

Jaime Kemp: Não tem que ser. Tem o privilégio. Aí é que está o problema. A mulher que não conhece a Palavra acha que submissão é escravidão. Quando ela entende o que é submissão e o marido percebe que precisa amar e liderar com sabedoria, torna-se fácil para ela seguir a liderança do marido. Entende? Então, às vezes, não temos um conceito bíblico do que é submissão. Também tem o fato de que o homem precisa saber fazer seu papel, hã? Seu papel é amar a esposa, como Cristo amou a Igreja e liderar como Cristo liderou.

É a maneira pela qual Deus toca o coração do homem. Quando a mulher segue a liderança, Deus a usa. Às vezes o homem não é cristão, ou é cristão, mas desobediente à Palavra de Deus. Nossas igrejas estão cheias de gente assim, hã?. Então, se ela começa a resistir à vontade e liderança do marido, vai criar um problema, ele também vai resistir. Então quando ela segue não é uma liderança cega, não estou falando nada disso, não é "eu não tenho palavra, sou simplesmente uma escrava da cozinha do meu marido". Nada disto, é uma conversa, um diálogo. Ela sabe que Deus usa o marido para liderar sabiamente e amar sua esposa. Quando isso acontece, torna-se muito fácil para a mulher segui-lo. Veja com a minha esposa, ela vai dizer: "É muito fácil a esposa seguir a liderança do homem".

No curso que nós fazemos, lidamos muito com o papel do marido, sobre o que a Palavra de Deus diz. Quando eles entendem o que é o papel do marido e da esposa, torna-se muito mais fácil realizar o encontro.

Portal Guia-me: Em sua opinião, é difícil para as pessoas reconhecerem que estão vivendo uma crise na família?

Jaime Kemp: Realmente há um desconhecimento. O casal entra em matrimônio  pensando que serão mil maravilhas e não são mil maravilhas. Por exemplo, quando "Carlos" casa com "Maria", casa com a família de "Maria", quando "Maria" casa com "Carlos", casa com a família de "Carlos". As manias, os jeitos, as idiossincrasias, às vezes, são exaltadas dentro do lar. E, às vezes, nós não aceitamos a pessoa no seu jeitinho. Temos que saber como administrar isso dentro de casa.

Portal Guia-me: O senhor está sempre sorrindo. O bom humor é importante para um relacionamento?

Jaime Kemp: Oh, excelente. O bom humor sempre ajuda. O cara que leva Deus a sério não tem que levar a si mesmo a sério, ok? Eu gosto de contar piadas, especialmente sobre a sogra, né? Tem muitas piadas sobre a sogra.

Portal Guia-me: Nos EUA também se faz piada sobre a sogra?

Jaime Kemp: Ah, muito, sogra é conhecida no mundo inteiro, mas a minha é um amor (risos). Perdi a minha mãe, a minha sogra ainda está viva e tem sido quase uma mãe para mim. Tem 89 anos de idade e ainda dirige carro. Ela é esperta, ela faz cruzadas, como chama mesmo?  Palavras cruzadas, hã? Ela faz as mais difíceis. E a filha dela, a minha esposa, é muito boa nisso.

Portal Guia-me: Hoje, o senhor é mais brasileiro ou norte-americano?

Jaime Kemp: Mais brasileiro agora, porque eu volto para lá de vez em quando, estou mais à vontade no Brasil do que nos EUA, com a língua também. Eu falo o Português com mais facilidade do que o Inglês.

Portal Guia-me: Tão brasileiro que até brinca com os corinthianos em suas ministrações?

Jaime Kemp:  Eu sou palmeirense, tenho uma base bíblica para isso: o justo florescerá como "Palmeiras". Na primeira semana em que cheguei ao Brasil, um amigo levou-me ao Morumbi para assistir a um jogo de futebol. Eu nunca tinha ído para um jogo de futebol brasileiro, o futebol americano é totalmente diferente. Era um domingo à tarde, um jogo clássico, Corinthians e Palmeiras, o estádio lotou. Não tinha lugar no lado palmeirense para a gente sentar, então, sentamos do lado dos corinthianos. Aí meu amigo falou em inglês para mim, porque não podia falar em Português, eu estava há uma semana aqui. Ele disse: "Jaime, se o Palmeiras fizer um gol você não pode gritar, porque os corinthianos aqui te matam na hora!" (risos). Mas quando o Palmeiras fez o primeiro gol, o meu amigo pulou e disse: "Ah, não!" Quer dizer, foi uma maneira de expressar o sentimento de qualquer jeito. "Oh, não!", ele disfarçou. Mas é uma brincadeira para mim, no meu seminário, eu falo sobre conrinthiano: "Eu amo os corinthianos, a bíblia diz que nós devemos sofrer com aqueles que sofrem" (risos). Então, essa é a história, na verdade, é mais uma brincadeira, eu sigo, mas não é coisa séria, eu uso mais para comunicar.   Foto: Refletir Magazine  

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