Por Adriana Amorim
Há mais 40 anos no Brasil, Russell Shedd chegou ao País quando percebeu que o preço da passagem de Portugal, onde administrava a Editora Vida Nova, para ele e a família, equivalia a diferença entre o custo e a vendagem de um lote de um livro. Aqui, fundou uma filial da editora e um grande currículo para a obra de Deus.
De pele e olhos claros, aparência de um americano ou europeu, Shedd tem uma ligação forte com a América do Sul desde seu nascimento. Boliviano, filho dos missionários Leslie Martin e Della Johnston, que trabalhavam entre os índios, estudou nos Estados Unidos e diplomou-se PhD em Novo Testamento pela Universidade de Edimburgo (Escócia).
Membro da comissão de tradutores para o Português brasileiro da Bíblia NVI (Nova Versão Internacional), é também autor de livros como: "A Justiça Social e a Interpretação da Bíblia" , "A Solidariedade da Raça", "A Oração e o Preparo de líderes cristãos", "Teologia do Desperdício" , "Criação e Graça: reflexão sobre as revelações de Deus".
Autor dos comentários de uma Bíblia que tem o seu nome (Bíblia Shedd - Edições Vida Nova), Russel Shedd transparece humildade. Ele conta que a decisão do título da obra não foi sua: "Foi uma coisa terrível. Poderia se chamar Bíblia do obreiro, Bíblia Vida Nova...".
No Encontro Nacional da Amme Evangelizar 2009, com o tema "Evangelização e Santificação na pós-modernidade", Shedd expôs um contraponto para o evento: "O Brasil é um país de pré-modernos...São milhões e milhões que vivem isoladosa, ao lado dos rios da Amazônia...Um povo que não cogita a possibilidade de estar perdido". Apresentado pelo pastor José Bernardo, fundador da Amme, como alguém que devemos escolher como modelo de vida, Shedd iniciou sua apresentação de forma simples, assim como a Igreja deve ser em sua opinião: "Depois de uma apresentação dessas a gente se sente muito mal, porque eu não sou nada disso".
Em entrevista ao Guia-me , o missionário e conferencista explanou sobre a Igreja americana e européia na pós-modernidade. Falou também de uma "Idade Média espiritual" brasileira e da falta de raízes teológicas em um país que, segundo ele, tem Jesus como seu "suposto Senhor".
Guia-me: Em sua ministração, pensando de uma outra forma o tema "Santificação e evangelização na pós-modernidade", o senhor afirmou que o Brasil é um país de pré-modernos. Se a modernidade tem a razão e a ciência como fontes de progresso para o homem, falando sobre a Igreja, a gente pode dizer que a pré-modernidade é como uma "Idade Média espiritual"?
Russel Shedd: Exatamente. Para mim é exatamente isso. Uma continuação do pensamento medieval, essas doutrinas que foram elaboradas, como por exemplo a transformação do pão em corpo de Cristo, que é um milagre medieval. E o pré-moderno vai criando isso. Cria seus próprios deuses, chamados santos e Padre Cíceros, ou pessoas até bem mais recentes, mas a mesma força cria essa crença nordestina.
Guia-me: Quem vive no pré-modernismo está mais sujeito a modismos e tendências?
Russel Shedd: Exatamente. Se ele não é moderno, ele não dá atenção à razão, assim como o moderno tem que dar, porque toda a tecnologia tem que se basear em fatos, em realidades. Agora o que é muito estranho é a proliferação da idéia evolucionista. Porque a evolução nunca foi provada. É simplesmente uma dedução racionalista, naturalista, de que as coisas aconteceram desse jeito, mas não foi provada. De certo modo, a evolução com milhares de de pássaros que começam a voar, saem da água como peixe e se tornam pássaros, é um milagre também (risos). Mas, como nunca foi provada, a gente ensina ainda na modernidade. Agora, na pós-modernidade não, já que não se preocupa mais com verdade, pode-se falar o que quiser, dizer o que eu creio e não se preocupar com fatos históricos, evidências, e tudo o que é importante para a modernidade. Mas também o pré-moderno não está muito interessado em evidência. Padre Cícero é apenas um homem, ele não santo, ele não é Deus ou semideus, então nós temos essa diferença.
Guia-me: Nesse sentido, o que está faltando para a Igreja brasileira?
Russel Shedd: Está faltando muitas raízes, raízes teológicas, compreensão da sua fé, poder explicar os fatos históricos, as implicações, mostrar as profecias do Antigo Testamento que se cumpriram na vinda de Cristo. Para que não seja apenas mais uma fé sem fatos, sem história. Por exemplo, a assunção de Maria, esse é um bom exemplo, não tem nenhuma evidência histórica, nenhuma, mas a gente crê, pelo menos alguns crêem, eu não sei se realemente muita gente crê. Mas para Jesus a situação é completamente diferente. Lá sim há evidência histórica. A segunda morte, a ressureição, todos esses fatos.
Guia-me: Buscando experiências fora da História, da ciência e da Teologia, onde as pessoas têm encontrado evidências do Senhor?
Russel Shedd: MIlagres, talvez alguns dons, dom de falar em línguas, curas, são muito importantes como evidência de que Deus está com a gente e às vezes se esquece que a Igreja Católica também tem curas, o espiritismo também. Esse mundo de espírirtos bons e maus, que criam evidências, vamos dizer assim.
Guia-me: Como conhecedor da Igreja americana e européia, o senhor pode dizer que essa falta de embasamento teológico também as atinge?
Russel Shedd: Estão vivendo, na minha maneira de entender, como a própria Europa, começando a engolir o veneno da chamada alta crítica. As Universidades americanas têm uma influência muito grande, e as européias também, são os sumosacerdotes. Os universitários são os príncipes e os sacerdotes da sociedade. Eles vão falando que não dá mais para crer na divindade de Jesus, não dá para crer no nascimento virginal, não dá para crer que Jesus ressuscitou e assim vai. Vão negando os fatos históricos e o resultado é uma Igreja que vai descendo, até não ter mais nada além para não ter mais da psicologia. É muito bom crer em uma coisa psicologicamente porque dá um certo conforto.
Guia-me: Quais são as necessidades da igreja brasileira do século 21?
Russel Shedd: Eu creio que acima de tudo precisamos ensinar a Palavra de Deus de uma maneira que as pessoas vivam a Palavra. Não é somente ensinar no sentido que estamos ensinando fatos, mas que eles realmente aceitem a Palavra de Deus como algo que eles têm que obedecer. É Cristo entregando aos discípulos a responsabilidade: "Ide e fazei discípulos". Discípulos que depois de seu batismo guardam tudo tenha sido ensinado. Guardar é que é importante. O que nós estamos presenciando então é uma deterioração muito grande em termos de guardar a Palavra. Veja, por exemplo, o aumento do divórcio entre crentes. Como a gente vai explicar uma coisa dessas, se a pessoa está realmente comprometida em guardar a Palavra? E com os outros pecados que a gente comete ou sabe que os crentes estão cometendo?
Guia-me: O papel do evangelista é falar sobre a morte e ressureição falar de Cristo. Mas, quando vemos uma pessoa em situação de risco social, doente, parece mais simples ou conveniente falar sobre um Deus de milagres. Se falarmos que Jesus morreu por nossos pecados, ela talvez não compreenda de imediato.
Russel Shedd: Talvez não (risos).
Guia-me: Então como falar de Cristo?
Russel Shedd: A gente tem que de certo modo convencer aquele indivíduo de que há certas leis que ele não guardou, leis simplesmente naturais. Se a gente fica fumando a vida toda, bebendo demais, vamos sofrer as conseqüências e outras doenças terríveis que podem tirar a vida. Portanto, temos que falar disso. Mas, mesmo sem falar dessa área, o amor de Deus é o que ele precisa numa hora como essa. E como ele vai crer nesse amor? Que Deus tem uma solução mais séria do que curar o seu corpo, solucionar a sua vida que não tem futuro. Aí a gente começa a ver a pessoa melhorar, as atitudes mudam.
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