"Não queremos um país controlado pela maioria evangélica", diz Ed René Kivitz

"As pessoas não entendem que quando um deputado evangélico chega à Câmara em Brasília, ele deveria deixar de ser evangélico e se tornar um defensor da cidadania. Claro que ele tem todos os seus valores, convicções religiosas e opções ideológicas, mas ele não está lá para defender a cabeça dele, nem o segmento da sociedade que o colocou lá", Kivitz ressalta.

Fonte: Guiame, com informações de BBC BrasilAtualizado: quarta-feira, 24 de junho de 2015 às 12:46
De acordo com Ed René Kivitz, de 51 anos, pastor da Igreja Batista, o momento é de "muita preocupação".
De acordo com Ed René Kivitz, de 51 anos, pastor da Igreja Batista, o momento é de "muita preocupação".

 

Na última semana, uma série de denúncias de ataques contra membros e templos de religiões africanas e espíritas tomou a mídia. Em destaque estava o caso da menina candomblecista de 11 anos, agredida a pedradas na saída de um culto no Rio de Janeiro.

De acordo com Ed René Kivitz, de 51 anos, pastor da Igreja Batista, o momento é de "muita preocupação". Formado em Teologia e mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, Kivitz questionou argumentos do que ele chama de algumas "lideranças extremistas", em entrevista à BBC Brasil.

Para o pastor, casos de intolerância religiosa como este do Rio de Janeiro são "isolados", já que o ato não faz parte da índole do povo brasileiro, da índole cristã - quer seja católica ou evangélica - e da índole do Evangelho.

"Eu acho que é algo isolado, mas preocupante também para a imagem da Igreja Evangélica, que está sofrendo muito por conta dessas lideranças radicais que estão construindo no imaginário da sociedade brasileira uma ideia do ser evangélico que não corresponde à grande parcela da nossa população que se identifica como evangélica", critica.

Kivitz afirma que se preocupa com o discurso "nós contra eles" desenvolvido pela liderança expressiva, o que significa um verdadeiro contrassenso para uma liderança religiosa. "Não se tolera isso nem de uma torcida organizada de futebol, que dirá de uma figura tida como um orientador, um guia espiritual", ressalta o pastor.

"Enfim, não é difícil, quando você cria este ambiente bélico, que pessoas extremadas se sintam legitimadas para os seus atos inadmissíveis. Eu acho que é isso que está acontecendo no nosso país, e acho que infelizmente deve-se fazer este registro que não são os líderes religiosos que incitam ao ódio. Essa expressão é abominável, ela precisa ser riscada do nossos textos. Não é possível que um líder religioso, em sã consciência, esteja incitando o ódio, isso é um tiro no pé", disse Kivitz.

"Preferências" da imprensa

O pastor João de Melo, da Igreja Batista da Vila da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, cancelou as atividades no domingo e encorajou os fiéis a participarem de uma marcha a favor da tolerância religiosa. Por outro lado, a mídia focou na ataque à menina, e casos de conciliação com este não foram propagados, segundo aponta Kivitz.

"O que eu acho é que nós deveríamos dar mais destaque, na mídia, para essas iniciativas de paz e de aproximação. Eu não estou dizendo que deveríamos ocultar os fatos, mas sim que a imprensa deveria dar menos linhas para os fatos ruins e mais linhas para os atos que buscam construir uma sociedade melhor. Outro grupo evangélico do Rio se uniu recentemente para ajudar na reconstrução de um centro de religiões africanas que havia sido queimado por grupos intolerantes, algo pouco noticiado, por exemplo", disse.

Militância evangélica e LGBT

Um país democrático, na visão de Ed René, deve fortalecer tanto as instituições políticas como a participação popular, valorizando os movimentos sociais, aplicando a lei com vigor a todo ato criminoso e se levantando contra todo e qualquer grupo que pretenda um controle hegemônico.

"Você não pode permitir que a bancada evangélica seja hegemônica no Congresso, da mesma forma que você não pode permitir que a bancada do PT seja hegemônica. Nós não queremos um país governado por um grupo, por uma cultura ou por uma crença. Nós não queremos um país controlado por uma maioria muçulmana, mas também não queremos um país governado por uma maioria evangélica", ressalta o pastor.

Kivtz ressalta que é nisso que o Brasil ainda não amadureceu. "As pessoas não entendem que quando um deputado evangélico chega à Câmara em Brasília, ele deveria deixar de ser evangélico e se tornar um defensor da cidadania. Claro que ele tem todos os seus valores, convicções religiosas e opções ideológicas, mas ele não está lá para defender a cabeça dele, nem o segmento da sociedade que o colocou lá."

"Então a gente tem que bater forte em todo grupo que se pretenda hegemônico, seja ele político, religioso, ou qual for. Inclusive a militância LGBT, que tem que compreender que tem seus direitos, e quem não concorda com ela também tem seus direitos, isso é democracia", disse o pastor.

Eduardo Cunha

Kivitz é resoluto ao dizer que o posicionamento do presidente da Câmara Federal jamais deveria ocorrer, e não coopera em nada com o amadurecimento de uma sociedade democrática.

"Quando você tem um presidente do Parlamento tentando impor sobre a sociedade o seu ponto de vista e o ponto de vista do seu grupo, ele não tem índole democrática. Ele não está pensando no bem da sociedade, mas sim apenas na vitória da sua ideologia ou da sua convicção religiosa. Isso contraria inclusive a origem e a história do Protestantismo, que nasce com a defesa da liberdade de consciência, da separação entre Igreja e Estado, a valorização dos direitos individuais, e a luta pela liberdade de expressão. É muito triste ver um líder religioso completamente dissociado do movimento que lhe dá respaldo", disse Kivitz.

Este amadurecimento democrático ainda não existe no País, e os líderes políticos não cooperam para isso se desenvolver. "Ou seja, eu não posso votar num candidato apenas levando em conta se sou contra ou a favor do aborto, mas sim pensando no que seria um posicionamento justo para a sociedade brasileira com relação à legislação que trata do aborto", exemplifica.

Televisão evangélica

A TV no Brasil, de forma geral, ainda se preocupa muito mais com o circo, o sensacional, os embates e os extremos, do que com o diálogo e a discussão construtiva para Kivitz. "Os movimentos LGBT, por exemplo, são pintados sempre como mocinhos, e os evangélicos todos demonizados como homofóbicos, o que é uma inverdade. Há evangélicos a favor desses direitos, e há extremistas dos dois lados do debate. Mas para o circo da mídia não interessa colocar gente moderada dos dois lados conversando."

"A face evangélica que está exposta para o imaginário coletivo do brasileiro é a face mais grotesca, mais triste, e que não representa a índole da igreja evangélica brasileira, com a mais absoluta certeza", completa.

O espaço comprado por lideranças evangélicas extremistas é uma arma poderosa e uma luta desigual, na visão do pastor. "Estes espaços custam milhões e sabe-se que para conseguir estes milhões, essas lideranças com flexibilidade ética e moral conseguem mais fácil do que aqueles que têm uma consciência moral e respeitosa não só aos seus princípios religiosos e espirituais, como também à massa e à população brasileira."

Papel da igreja

Kivitz sublinha que a liderança evangélica que o representa é uma minoria também. "Quando eu ouço as minorias lutando pelos seus direitos e mais respeito às suas vozes, eu me identifico. Sejam os movimentos dos negros, dos LGBTs, das mulheres, dos trabalhadores sem-terra."

"Eu também sou uma liderança evangélica que precisa lutar por reconhecimento e espaço, e que muitas vezes sequer é ouvida pela sociedade, como se a Igreja Evangélica fosse uma coisa só, esta coisa apresentada pelos extremistas", explica.

O pastor acrescenta que o barulho que seu grupo minoritário faz é pequeno, perto da "estratégia de massa dos radicais", mas ele existe. "Por exemplo, nós estamos nos mobilizando contra a redução da maioridade penal, contra o trabalho escravo, pela valorização da criança. Existe uma Igreja Evangélica diferente aí, trabalhando pela sociedade. E há igrejas evangélicas que são uma poderosa ferramenta de transformação social nas periferias de todo o Brasil, isto também precisa ser lembrado", finaliza.

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