Peça que envolveu cruz e sangue 'excedeu a liberdade de expressão', segundo comissão da OAB/CE

Em nota pública, a Comissão de Liberdade Religiosa informa que irá levar o caso ao Ministério Público Federal para que investigue a conduta do ator e dos demais agentes responsáveis pela exibição da peça.

Fonte: Guiame, João NetoAtualizado: segunda-feira, 6 de junho de 2016 às 12:01
Imagem de Jesus Cristo crucificado, já respingada pelo sangue do ator Ari Areia. (Foto: Junior Ratts)
Imagem de Jesus Cristo crucificado, já respingada pelo sangue do ator Ari Areia. (Foto: Junior Ratts)

A Comissão de Liberdade Religiosa da OAB/CE emitiu uma nota pública, com duras críticas à peça apresentada no dia 17 maio, pelo ator Ari Areia, na qual ele, apresentando-se seminu, chegou a tirar o próprio sangue e jogar sobre uma imagem de Jesus Cristo crucificado.

A performance fez parte do seminário “Conversas empoderadas e despudoradas sobre gênero sexualidade e subjetividades”, realizado no auditório Rachel de Queiroz, da Universidade Federal do Ceará (UFC) e também recebeu críticas na Assembleia Legislativa do Estado, além de muitos comentários cheios de revolta nas mídias sociais.

Segundo Junior Ratts  organizador do seminário realizado na UFC  as pessoas que criticaram a peça "não sabem que o gesto artístico não se tratou de uma nudez gratuita, mas sim de um ato singelo de humanidade que trouxe à tona a dor que alguns indivíduos trans sofrem por não serem aceitos por seus familiares, amigos e até por si mesmos".

"A performance foi aplaudida de pé por uma plateia comovida que soube estar presente a um evento que tratava justamente sobre a liberdade de SER O QUE SE É em um momento no qual o país vivencia um série de retrocessos, principalmente quando se trata de cidadania LGBT e mais ainda quando se refere à cidadania trans", acrescentou.

A nota pública  compartilhada pelo próprio presidente da Comissão nas mídias sociais  é resultado de um encontro realizado pela Comissão de Liberdade Religiosa da OAB / CE, com o objetivo inicial de promover um debate sobre o assunto, dando até mesmo a oportunidade para que Ari apresentasse seus pontos de vista na sessão, porém o ator não compareceu ao local.

Além de considerar que a performance em questão ultrapassou os limites da liberdade de expressão, a nota também informa que irá "oficiar ao Ministério Público Federal para que investigue a conduta do ator e dos demais agentes responsáveis pela exibição da peça, tomando as medidas que julgar apropriadas para restaurar o império da lei, da paz e da tolerância".

Liberdade de expressão?

Falando com exclusividade ao Guiame, o presidente da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB / CE, Dr. Robson Sabino explicou que a nota está surgindo como um posicionamento oficial diante de pronunciamentos da própria UFC, da Secretaria de Cultura e também como uma resposta à solicitação formal, apresentada por uma advogada, pedindo que a Ordem dos Advogados tomasse providências.

"Nós não poderíamos ficar omissos. Advogados compareceram à sessão, expuseram seus pontos de vista e pediram que a OAB tomasse providências. Sendo assim, isso saiu da minha esfera de presidente, para que fosse colocado para o colegiado, permitindo que os membros da Comissão decidissem se ele [ator] agiu dentro dos limites de liberdade de expressão ou se foi além desse direito constitucional, se ele foi ofendeu, vilipendiou... Tudo isso foi debatido aqui e a Comissão chegou a algumas conclusões", explicou.

A Comissão de Liberdade Religiosa da OAB/CE emitiu uma nota pública, com duras críticas à peça. (Foto:Guiame/João Neto)

"Por unanimidade, a Comissão decidiu que ele agiu além do direito de liberdade de expressão, que ele usurpou da liberdade das pessoas e que ele vilipendiou um símbolo cristão".

Dr. Robson também explicou que a Comissão tem justamente o objetivo de defender a liberdade de expressão dos cidadãos, porém a peça em questão foi considerada um 'ato de intolerância'.

"O objetivo principal da Comissão é conscientizar as pessoas sobre o respeito à liberdade de expressão, à tolerância e em situações pontuais, a gente também vai atuar de forma enérgica, combatendo atos de intolerância como esse que aconteceu", acrescentou.

Violações

Além das ofensas em nível religioso, o ator também teria violado, segundo os membros da Comissão, normas sanitárias no ambiente acadêmico, ao usar de um procedimento de retirada do próprio sangue, sem o acompanhamento de um profissional habilitado.

"Para além da liberdade religiosa, não podemos deixar de analisar o contexto. [...] Se no auditório do curso de Psicologia, alguém usa escalpe, agulha, tubo coletor para aspergir sangue... também existe essa questão, junto ao vilipêndio", destacou o Dr. Cândido Alexandrino, que é membro da Comissão e mestre em Direito.

Segundo Alexandrino, a investigação e possível comprovação deste agravante poderia acrescentar mais força a uma ação da Comissão neste caso.

"Se a OAB pode fazer essa investigação, com a solicitação de ajuda técnica de outros órgãos, isso torna a ação da Comissão mais forte ainda. Analisa-se pelo conteúdo e pela forma como foi feita", afirmou.

Denúncia

A denúncia foi inicialmente apresentada à OAB pela advogada evangélica Juliana Assunção, que foi alertada por Bruna Assunção, sua colega de trabalho, que é católica.

"O que me preocupou e me ofendeu foi ver a imagem de Jesus sendo associada tanto à nudez, como à aspersão do sangue e também porque casos como esse têm sido recorrentes em vários locais do país", explicou.


Com a imagem de Jesus já posicionada, o ator se prepara para retirar seu próprio sangue. (Foto: Junior Ratts) 

"Nós nos sentimos ofendidas e procuramos a OAB e a Comissão de Liberdade Religiosa para saber o posicionamento deles. Depois recebemos a notícia de que haveria esta reunião para debater o assunto".

A advogada ainda lembrou que a liberdade de expressão não é absoluta, considerando que este direito não deve ferir a fé ou dignidade de outras pessoas.

"A liberdade de expressão se restringe até onde você não fere o direito do próximo. Ele [ator] teria total liberdade para manifestar o pensamento dele, desde que não ofendesse um símbolo cristão ou de qualquer outra religião/grupo. A liberdade é limitada, no momento em que você fere a honra e dignidade de outros grupos", disse.

Ao comentar a polêmica, o ator explicou que sua intenção é expor depoimentos de transexuais que são "vítimas de preconceito e violência".

"Quando a gente usa uma imagem do Cristo não se trata um ataque à religião, a figura do Cristo é um paralelo à realidade desses homens porque o entendemos como um mártir, assassinado injustamente”, explicou Ari em depoimento ao jornal O Povo.

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