Sim, me rendi à trilogia “50 tons”*! E embora ainda não tenha lido o último volume, já poderia refletir aqui sobre os tantos e tantos temas levantados na narrativa que conta sobre o encontro e a relação entre um jovem casal – Ana e Christian. Porém, quero me deter, neste momento, a apenas um!
Não se trata da combinação entre dominador e submissa, nem do erotismo tão explorado entre cada intenso acontecimento. E também não quero defender nenhuma das tantas diferentes opiniões que já ouvi e li acerca deste que é – indiscutivelmente – um grande sucesso editorial!
Quero falar de um detalhe que muito me envolveu e cativou! É sobre a capacidade que o protagonista – Christian Grey – tem de expor a sua verdade. De se colocar. De falar exatamente o que quer, como quer, onde quer e quando quer.
Em princípio, colocado desta forma, e especialmente a quem não leu, pode parecer uma característica egoísta. Mas definitivamente não é! A começar por um contrato que ele aceita discutir, passando pela clareza de suas colocações e, sobretudo, pela coerência que ele mantém, o tempo todo, entre o que fala e faz. Fiquei realmente admirada.
Pra quem já me lê, sabe que uma das sugestões que insisto em repetir quando falo de relacionamento é sobre a comunicação. Clareza, objetividade, transparência. Acredito, realmente, que a prática recorrente dessas qualidades facilitaria de modo imensurável e inenarrável nossa vida, nossa saúde e nossas relações, especialmente as afetivas.
De repente, pensei: “Que maravilha! Ele pede e pratica pelo menos 50 tons da verdade!”. E por ser assim, termina incentivando Ana a esse treino. Não exige “sim” ou “não”, porque mais importante do que as determinações é o que pode ser vivido. Enquanto casal, parceiros, adultos e conscientes, eles discutem, perguntam, ouvem um ao outro. Quando ainda não sabem, dão-se espaço e tempo para pensar. Quando sentem que algo pode lhes ser demais, comprometem-se a, pelo menos, tentar.
Sem garantias, sem certezas. Um dia de cada vez. Um cômodo de cada vez. Um acessório de cada vez. E pra melhorar, ainda têm as palavras de segurança! “Amarelo” e “Vermelho”! A primeira serve de alerta para quando um está se aproximando do limite do outro. E a segunda, refere-se ao alerta de que um chegou ao máximo do que o outro pode suportar.
Quem de nós tem coragem de avisar? Quem de nós pergunta ao outro qual é o seu limite? Quem de nós pede ao parceiro para gritar “pare” quando não aguentar mais uma situação e, de forma respeitosa, mantendo as alteridades rigorosamente intactas, para imediatamente? Sem discutir. Sem barganhar. Sem tentar impor as próprias necessidades!
Não estou aqui discutindo os termos ou as cláusulas do contrato formal e por escrito que ele propôs a ela, mas sobretudo do contrato verbal, das intermináveis conversas, da abertura total e irrestrita para falar, perguntar, refletir, esgotar as dúvidas, os medos e as inseguranças. Isso é que é incrível, arrebatador, encantador!
Quem não quer conviver com alguém que está disposto a falar do que sente, que está comprometido até o último fio de cabelo com a sua verdade? Penso que não é o sexo ou o dinheiro ou a beleza do personagem que conquistou o mundo. Sim, claro, tudo isso tem seu valor e, apesar de serem questões absolutamente relativas, realmente não vejo nada de mau em querer o belo, o bom e o prazeroso. Mas penso que o que sustenta tudo isso na narrativa são os inúmeros tons da verdade usados tão contundentemente na relação entre eles.
Quantas vezes temos medo de nós mesmos, da nossa história, do nosso passado, de nossos pensamentos e sentimentos, de nossas fraquezas? E por tudo isso, inventamos alguém que não somos para tentar obter alguma garantia de que podemos ser amados pelo outro? E sabe o que conseguimos? Enganos, ilusões e frustrações! Amores de mentira! Relações pequenas, cheias de silêncios ensurdecedores, abismos e mal-entendidos!
O que me abraçou definitivamente na trilogia de E. L. James, a autora britânica deste best-seller, foi a coragem de seu personagem de não se esquivar de si mesmo. De enfrentar seus próprios demônios como consegue, quando pode, pedindo ajuda ao seu psiquiatra, aceitando ajuda de onde veio, sem julgar, sem desmerecer.
Porque, acredito eu, foi a sequência de suas escolhas – nem certas e nem erradas, apenas as escolhas possíveis em cada momento de sua vida – que lhe possibilitou chegar ao encontro de seu grande amor. Ao encontro da mulher através de quem ele pode enxergar sua própria alma. E o que é o amor senão ser para o outro um espelho fiel de tudo de bom e tudo de nem tão bom que existe nele e, ainda assim, continuarem juntos?
No mais, o exercício é de evolução diária, consistente e com o máximo de prazer que for possível! Lancem mão de seus acessórios pessoais e façam-se pulsantes e satisfeitos!
* De E. L. James, a trilogia foi traduzida e publicada no Brasil sob os títulos “50 tons de cinza”, “50 tons mais escuros” e “50 tons de liberdade”.
por Dra. Rosana Braga