Na adolescência eu tinha um amigo filho de rico. Tínhamos exatos 17 anos de idade. Seu pai, antes que ele completasse 18 anos, deu a ele o carro sensação da época: um Corcel II. Era carro somente para filho de rico. Seria como hoje um pai ter grana sobrando para dar ao filhão um Cruze, um Elantra, um Fusion, esses carros. Carro comprado, retirado da concessionária e devidamente estacionado na garagem com a seguinte ordem do pai: só pega o carro após completar os 18 anos e estar devidamente habilitado. Imagine o sofrimento do meu amigo sentindo na pele um antigo ditado popular: ver com os olhos, lamber com a testa!
Aí, toda vez que a tentação era grande meu amigo me convidava para “acelerarmos na garagem”. Ideia ridícula, mesmo assim íamos nós para a aventura. O que era exatamente acelerar na garagem? Era entrar no carro, dar partida, engatar a primeira marcha e ir a frente, coisa de dois metros no máximo, e brecar. Na sequência engatar a ré, acelerar dois metros para trás e brecar! Pronto, ficávamos de quinze minutos a meia hora repetindo estas patéticas manobras, logicamente quando os pais dele não estavam. Até o dia que o cálculo saiu errado e a acelerada para frente foi além da conta e acabou destruindo o vaso preferido da mãe dele, destruindo um pouco da parede da garagem e amassando o parachoque do carro. Foi tenso e desesperador. Hoje, nossa frase seria um inconfundível “deu ruim”.
O “deu ruim” via de regra se confirma quando somos seduzidos pelo erro, pela mentira, pela trapaça, pelo engano. Sim, as vezes não temos culpa do “deu ruim”. Outras, no entanto, temos responsabilidade direta. Eventos e atitudes bizarras como acelerar na garagem, não trazem consequências mais graves além de um vaso quebrado e arranhões na parede e no parachoque, coisas compreensíveis, recuperáveis e que não provocam qualquer trauma. Mas existem situações e escolhas complicadas, embaraçosas, evidentemente perigosas, que fazemos e que mais cedo ou mais tarde vão nos colocar diante do “deu ruim”.
Conheço outro garoto também filho de pai rico. Tinha tudo, boa escola, boas roupas, boa comida, empregados a disposição, conforto total no lar, estrutura emocional equilibrada, futuro garantido. Nada disso porém o deixava satisfeito, ele queria mais, queria experimentar outras emoções, outras sensações, outros prazeres. Para ele, sua vida era uma “vidinha” morna, sem graça, sem razão, ele decididamente queria mais. Que o pai e o resto da família seguissem sua rotina antiquada de família, suas regrinhas de fé, suas tradições, ele não, ele merecia conquistar o mundo.
O que ele fez? Exigiu uma reunião com o pai, pediu sua parte na herança, deu um pé no traseiro da sua realidade e foi curtir a vida. Fez tudo o que queria e entendia como sendo bom para si mesmo. Não percebia, mas ia de mal a pior a cada centavo a menos no bolso, até perder tudo, grana, amigos, recursos, dignidade. Por sua insatisfação e insubmissão foi humilhado pela própria vida que escolheu. Então, e só então, quando já não tinha condições de resolver sozinho seus próprios problemas, resolveu voltar. Nesta resolução ensaiou um discurso para dizer ao seu pai, seu discurso poderia ser resumido num vergonhoso “deu ruim”.
Você encontra este garoto no evangelho de Lucas, no capítulo quinze. Nos últimos dois mil anos ele ficou conhecido como o filho pródigo, embora eu achar que o pródigo na parábola de Jesus é o pai. Cada um de nós já esteve na pele de um dos personagens da parábola. Cada um de nós já viveu seus particulares momentos de “deu ruim”. Mas também para cada um de nós existe um Pai aguardando nossa rendição e arrependimento a fim de fazer festa por revivermos de nossas mortes morais e espirituais. Venha, vamos para a casa do Pai, lugar de festa no qual o “deu ruim” cede lugar para a dádiva do amor e do perdão, bênçãos fundamentais para começarmos a errar menos e acertar mais.
Paz!
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