O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade, nesta quarta-feira (25), que a liberdade religiosa de uma pessoa pode justificar o custeio de um tratamento de saúde diferenciado pelo poder público.
A Corte reconheceu que Testemunhas de Jeová, adultas e capazes, têm o direito de recusar procedimentos médicos que envolvam transfusão de sangue.
Além disso, foi determinado que o Estado tem a obrigação de oferecer procedimentos alternativos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo que seja necessário recorrer a estabelecimentos em outras localidades.
Os ministros analisaram recursos que discutiam a oferta de tratamentos médicos que não envolvem o uso de transfusões de sangue de terceiros, como por exemplo, de pais para filhos menores.
A discussão também incluiu a possibilidade de pacientes, pertencentes à religião, recusarem terapias quando não houver alternativas compatíveis com suas crenças religiosas.
O debate abrange direitos fundamentais garantidos pela Constituição, como o direito à saúde, a dignidade da pessoa humana, a legalidade, além da liberdade de consciência e de crença.
O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que o resultado do julgamento reforça o compromisso do Supremo com a liberdade religiosa, ao mesmo tempo que harmoniza esse direito com as garantias constitucionais à vida e à saúde.
Testemunhas de Jeová
A religião das Testemunhas de Jeová proíbe o recebimento de transfusões de sangue de terceiros, baseando-se em suas crenças e interpretações bíblicas sobre a sacralidade do sangue.
O grupo religioso acredita que a Bíblia contém passagens que determinam a necessidade de se abster do sangue. Para as Testemunhas de Jeová, o sangue simboliza a vida, e, por esse motivo, evitam recebê-lo por qualquer meio, como uma forma de obediência a Deus.
Em nota divulgada após a decisão, a Associação Testemunhas de Jeová Brasil comemorou o posicionamento do STF, destacando a importância do reconhecimento da liberdade religiosa.
"Essa decisão fornece segurança jurídica aos pacientes, às administrações hospitalares e aos médicos comprometidos em prover o melhor tratamento de saúde, sempre respeitando a vontade do paciente", disse a associação.
"As Testemunhas de Jeová amam a vida e colaboram ativamente com os profissionais de saúde para receber o melhor cuidado médico possível. Manifestam sincera gratidão a esses profissionais e às autoridades que reconhecem e protegem seu direito de escolha em tratamentos médicos", completou a nota.
Repercussão geral
A decisão se deu nos Recursos Extraordinários (REs) 979742 e 1212272, de relatoria dos ministros Barroso e Gilmar Mendes, respectivamente.
Os casos julgados possuem repercussão geral, o que significa que a decisão do plenário será aplicada a processos semelhantes em trâmite nas instâncias inferiores.
De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 1.461 processos relacionados ao mesmo tema aguardam uma solução.
Diante disso, os relatores propuseram textos de tese para orientar a atuação da Justiça nesses casos futuros.
Barroso propôs a seguinte tese:
"Testemunhas de Jeová, quando maiores e capazes, têm o direito de recusar o procedimento médico que envolva transfusão de sangue com base na autonomia individual e na liberdade religiosa.
Como consequência, em respeito ao direito à vida e à saúde, fazem jus aos procedimentos alternativos disponíveis no Sistema Único de Saúde, podendo, se necessário, recorrer a tratamento fora de seu domicílio.
A recusa de transfusão de sangue somente pode ser manifestada em relação ao próprio interessado, sem estender-se a terceiros, inclusive e notadamente filhos menores. Porém, havendo tratamento alternativo eficaz, conforme avaliação médica, os pais poderão optar por ele".
Gilmar Mendes propôs a seguinte tese:
"É permitido ao paciente, no gozo pleno de sua capacidade civil, recusar-se a submeter a tratamento de saúde por motivos religiosos. A recusa a tratamento de saúde por razões religiosas é condicionada à decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida pelo paciente, inclusive quando veiculada por meio de diretiva antecipada de vontade.
É possível a realização de procedimento médico, disponibilizado a todos pelo Sistema Público de Saúde, com a interdição da realização de transfusão sanguínea ou outra medida excepcional, caso haja viabilidade técnico-científica de sucesso, anuência da equipe médica com a sua realização e decisão inequívoca, livre e informada, esclarecida do paciente".
Como consequência, em respeito ao direito à vida e à saúde, fazem jus aos procedimentos alternativos disponíveis no Sistema Único de Saúde – SUS, podendo, se necessário, recorrer a tratamento fora de seu domicílio.”