Ator veterano de cinema, teatro e TV atualmente no elenco da novela Ti-ti-ti -, Marco Ricca estreia na direção de longas com Cabeça a Prêmio, adaptação do romance de Marçal Aquino, que será lançado nas salas no próximo dia 20 de agosto.
A amizade com o escritor vem de alguns anos, desde que Ricca atuou em dois filmes com roteiros extraídos de suas histórias, como o premiado O Invasor (2002) e Crime Delicado (2005). Ricca não poupa elogios a Aquino ao explicar seu interesse em filmar Cabeça a Prêmio: Foram os personagens que me atraíram mais, como sempre na obra do Marçal. Ele não os psicologiza em nenhum momento, o que dá liberdade para verticalizá-los.
Outro elogio vem do fato de que, a seu ver, nos livros do escritor a ação predomina, toma conta, e os personagens vão se alimentando disso. Esta qualidade, porém, foi justamente o primeiro desafio da adaptação para o cinema. No filme, a gente tentou o contrário. Ao procurar aprofundar os personagens, privilegiamos os conflitos deles e a ação ficou num segundo plano, destaca.
Num primeiro momento, Ricca foi tentado pela idéia de também atuar em Cabeça a Prêmio, justamente no papel de Brito, o matador que protagoniza a história, ambientada em Campo Grande (MS). Como acumulou muitas funções, de captador de recursos a corroteirista (ao lado de Felipe Braga, da série Mandrake), Ricca acabou desistindo de atuar. O papel ficou para Eduardo Moscovis.
O principal papel feminino, de Elaine, filha do traficante Mirão (Fulvio Stefanini), o patrão de Brito, sempre teve dona Alice Braga, que contracenou com Ricca no romance A Via Láctea (2007) e que o ator-diretor se orgulha de dividir com Hollywood (onde ela tem atuado em superproduções como Eu sou a lenda e Predadores). É uma parceirona, define.
Foi de Alice também a ideia de mudar a profissão de Marlene (Via Negromonte), que no livro é uma ex-prostituta. Nenhum de nós aguentava mais ver bordel em cinema nacional, diverte-se Ricca. No filme, Marlene é dona de um pequeno restaurante de estrada.
Ponte para América Latina
Uma outra diferença em relação ao livro é ter tornado um personagem importante, o piloto de avião Denis, que transporta cargas ilícitas para Mirão, num estrangeiro no caso, o ator uruguaio Daniel Hendler (visto na série Epitáfios e em filmes como Whisky e O Abraço Partido).
Ao seu lado, como um pequeno receptador do outro lado da fronteira, está outro uruguaio conhecido do público brasileiro, César Troncoso, protagonista de O Banheiro do Papa, de César Charlone. Os dois são amigos e eu nem sabia disso quando os chamei para fazer o filme, conta Ricca.
O diretor explica que a presença dos dois atores foi uma espécie de flerte com a América Latina, que ele achou que cabia bem, já que se trata de uma história ambientada na fronteira.No final, o resultado deste primeiro filme como diretor, que Ricca define como um primeiro exercício, foi positivo do lado artístico. O maior orgulho que tenho são as interpretações. Os atores são meus amigos, é quase uma formação de quadrilha. Fui escrevendo o filme para eles.
Já a experiência de captador e produtor de um orçamento que se aproxima dos R$ 4 milhões, não foi tão agradável. Peguei um pires e saí atrás de dinheiro. Acabei com tudo o que tinha e fiquei três anos vivendo em função do filme, sem receber. Só os atores e a equipe foram pagos, porque é assim que tinha que ser, conta o diretor.
Mas do que Ricca reclama mesmo é da falta de controle de todo o processo de produção no cinema. O cineasta é refém de muita coisa e de muita gente. Você tem que inscrever o projeto nas leis de incentivo, ele tem que ser aprovado por burocratas que a gente nem sabe quem são. Meu filme vai estrear dia 20 e eu nem sei em que salas ele vai entrar. Isso é muito perverso, desabafa.
Mesmo assim, o ator e diretor quer partir para outras experiências no cinema, desde que não sejam projetos de encomenda. Recusei dois convites desse tipo. Não me interessa e eu nem saberia fazer. Para ele, fazer um filme é pôr ali uma visão de mundo. É algo muito ligado à sua vida. Mas há quem consiga se retirar.
Ricca diz que tem outros projetos cinematográficos na cabeça e que não conta porque já teve experiência de ver roubadas suas ideias antes. Mas o fundamental mesmo é conseguir criar uma nova forma de produzir seus filmes, mais independente do que foi Cabeça a Prêmio. Não consigo lidar bem com todas essas relações. Ou eu vou romper com essas amarras ou não faço mais cinema.