Oficiais da PM dizem que revidaram disparos de presos no Carandiru

Oficiais da PM dizem que revidaram disparos de presos no Carandiru

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:06
Oficiais da PM dizem que revidaram disparos de presos no CarandiruO terceiro dia de julgamento do chamado “massacre do Carandiru” começou com quase duas horas de atraso, por volta das 11h50 desta quarta-feira (31), no Fórum Criminal da Barra Funda, Zona Oeste da capital, e terminou às 2h30 de quinta-feira (1º) - quase 15 horas de sessão, ao todo. Nesta etapa do júri ocorreram os interrogatórios de quatro dos 25 réus.
 
A exemplo do que ocorreu no primeiro bloco do julgamento, em abril deste ano, apenas parte dos acusados se manifestou, por escolha da advogada de defesa, Ieda Ribeiro. Desta forma, faltou apenas o interrogatório do tenente-coronel Salvador Modesto Madia, que em 1992 era tenente da Rota, previsto para esta quinta (1º). O réu, devido ao adiamento, teve de dormir no fórum, segundo a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça (TJ).
 
O primeiro a ser ouvido foi o coronel inativo Valter Alves Mendonça, à época capitão da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). Em seu depoimento, ele admitiu que a Polícia Militar (PM) não tinha um treinamento específico para entrar no presídio, mas defendeu a tese de ter efetuado disparos apenas como reação à ação dos presos.
 
"Naquela ocasião não tínhamos equipamento de proteção pessoal nem arma não letal. Só tínhamos o revólver e a submetralhadora. Peguei então um escudo balístico e subimos cuidadosamente [o primeiro lance de escadas]. No outro lance de escadas, mais obstáculos. Ingressei no segundo andar. Ao dar os primeiros passos, na minha frente vi clarões, ouvi estampidos e senti um impacto no escudo. Nesse momento eu efetuei disparos", afirmou, no depoimento que durou mais de três horas.
 
Em uma das quatro situações que descreveu como confronto com os presos, o coronel disse ter sido agredido com estiletes e pauladas, mas destacou ter passado apenas 15 minutos dentro da Casa de Detenção.
 
De acordo com a Promotoria, houve contradições entre o depoimento apresentado nesta quarta pelo coronel e falas anteriores, principalmente na CPI sobre o caso, à época do massacre. “O senhor chegou a dizer que havia informações de reféns. Lembra-se disso?”, questionou o assistente de acusação, o promotor Eduardo Olavo Canto Neto. “Não me lembro. Talvez os presos fossem os próprios reféns”, respondeu o coronel.
 
Questionado se conhecia o então tenente-coronel Luiz Nakaharada, comandante da invasão do 3º Batalhão da Tropa de Choque na Casa de Detenção, o coronel respondeu: "o coronel Nakaharada é um dos meus ídolos". Reconhecido por sobreviventes, Nakaharada será julgado depois e em separado dos demais por ser acusado de matar sozinho cinco dos detentos.
 
Calados
No final da tarde, o júri foi retomado com o interrogatório do tenente Luiz Antonio Tavares, que optou por não responder a nenhuma das perguntas feitas pelo magistrado e pelos promotores, permanecendo calado.  O terceiro réu a ser chamado foi o subtenente inativo Carlos do Carmo Brígido Silva, que na época do massacre era sargento. "Eu sou inocente e me reservo o direito de permanecer calado para não cansar os jurados", foi a sua única declaração perante o júri.
 
O quarto militar a ser chamado foi o sargento exonerado Ítalo Del Nero Júnior. Ele também não quis se manifestar. "Eu sou inocente", disse apenas. Em seguida, foi a vez do cabo Carlos Alberto Siqueira (sargento inativo), que também preferiu permanecer em silêncio.
 
O tenente inativo José Carlos do Prado, o sargento Marcos Gaspar Lopes, cabo na época, e o sargento Ariovaldo dos Santos Cruz, na época também cabo, também decidiram ficar em silêncio.
 
O sargento Roberto Alves de Paiva, que também era cabo, disse, por sua vez, que era inocente e não respondeu a perguntas da Promotoria e do juiz. No entanto, ele atendeu apenas ao pedido do promotor Fernando Pereira de mostrar o local em que foi ferido no braço.
 
O sargento Valquimar Souza Gomes, cabo na época, disse que gostaria de permanecer calado, mas, por ter afirmado que não havia conversado com sua advogada nesta quarta-feira, foi orientado a falar com ela antes de prosseguir. Depois da conversa, ele preferiu não se manifestar. O soldado Pedro Laio Moraes Ribeiro também quis permanecer calado.
 
Os sargentos Antonio Aparecido Roberto Gonçalves, Marcos Heber Frederico Junior e Raphael Rodrigues Pontes se disseram inocentes e não quiseram se manifestar. O cabo Alex Morello Fernandes, que era soldado, foi mais um policial que preferiu não se manifestar no júri.
 
Por fim, outro soldado, hoje sargento inativo, Benjamin Yoshida de Souza, não quis se pronunciar.
 
Tropa de reserva
Após 10 minutos de intervalo, a fase de interrogatórios foi retomada com o depoimento do então tenente da Rota, e hoje major, Marcelo Gonzalez Marques. Ao ser questionado pelo juiz, ele deu detalhes da participação da tropa da qual fazia parte na invasão do Pavilhão 9 do Carandiru.
 
“Decidida a invasão, esta inicialmente seria feita pelo (Batalhão de) Choque. Nós erámos uma tropa de reserva, de exceção. Pelo fato de os presos terem efetuado disparos com arma de fogo, nos avisaram que iríamos entrar junto com o Gate”, afirmou o major Gonzalez, sobre a mudança de planos em relação à participação da Rota na invasão.
Apesar disso, o réu confirmou que havia um planejamento de intervenção no Carandiru e que a Rota fazia parte dele. 
"O plano boreal previa intervenção da Rota. Creio que todos os oficiais sabiam da possibilidade dessa intervenção por parte da Rota. É uma de nossas atribuições”, afirmou.
 
Durante a ação no segundo andar, o major disse que foi esfaqueado por um detento e que, por isso, efetuou disparos “para se defender”. "Acredito que havia preso ferido na direção que eu atirei. Efetuei uns quatro disparos”, relatou Marques, sobre a possibilidade de ter alvejado alguns presos durante a ação no pavilhão.
 
Segundo ele, toda a ação teria durado cerca de 20 minutos. Depois de controlar a situação no andar, já com os presos em suas celas, os policiais da Rota iriam iniciar uma revista, mas receberam ordem para deixar o local, sob a alegação de que o procedimento seria realizado pelas tropas de choque da PM, de acordo com o major.
 
Em seguida, ele disse que foi orientado a seguir para o hospital militar para tratar do ferimento e realizar exames médicos. “Voltei à noite ao batalhão e recebi a determinação para entregar a arma para ir para a perícia. A Rota não mais retornou ao Carandiru. Os batalhões de choque lá ficaram e realizaram o restante do trabalho”, relatou.
 
Ao ser questionado pela advogada de defesa, Ieda Ribeiro, ele disse que apenas quem declarou que atirou durante a ação no presídio foi indiciado. O interrogatório dele terminou às 22h50. O juiz, então, concedeu um intervalo, para que os jurados pudessem jantar, antes de ouvir mais um réu.
 
Reação
Por volta das 23h50, teve início o interrogatório do tenente-coronel Carlos Alberto Santos, que à época do massacre era tenente da Rota. O relato dele foi bastante semelhante do réu que o havia precedido. Santos disse ao júri que a atuação da tropa da Rota seria o de adentrar ao pavilhão e subir até o terceiro pavimento (segundo andar), para tentar controlar a rebelião no presídio. Segundo ele, a ordem teria sido dada após reunião com a direção do presídio.
 
Santos confirmou que os policiais atiraram em reação a disparos feitos pelos presos. “No andar térreo, não houve resistência nenhuma por parte dos presos. Mas ao adentrarmos um corredor, fomos recebidos por porretes, por estiletes e, pior, por tiros. Nós revidamos em direção de onde partiam estes disparos”, relatou. Inclusive, ele teria sido atingido na perna esquerda durante a ação. “Assim que eu caí, eu já efetuei disparos na direção dos clarões dos tiros”, declarou.
 
Ao júri, Carlos Alberto Santos relatou que, enquanto seus comandados progrediam para controlar os presos, ele se dirigia à retaguarda da tropa, já que estava ferido. Depois que a situação no piso foi controlada, teve início o socorro aos feridos, inclusive ele, que foi encaminhado ao hospital militar, onde permaneceu até de noite. Para vários questionamentos feitos pela Promotoria, o réu disse que não se lembrava dos fatos.
 
Ao ser questionado pela advogada de defesa, Ieda Ribeiro, Santos declarou: “Eu não fiz isso (o massacre). Eu atirei para me defender e para defender os homens da tropa. Eu estou sendo responsabilizado hoje, porque eu assumi que atirei. Houve de outros batalhões que fizeram (atiraram), mas não estão aqui".
 
Escudo
O interrogatório do tenente Edson Pereira Campos, que à época era soldado, começou à 1h26 da madrugada desta quinta. Ele disse ao júri que tinha apenas três anos de polícia na ocasião, quando foi designado para portar um escudo à frente da tropa ao entrar no pavilhão do presídio. “Não consigo entender por que respondo por 73 mortes se eu dei apenas um tiro”, ressaltou, logo no início de seu interrogatório.
 
Campos afirmou que a tropa foi orientada a seguir para o segundo andar do pavilhão, onde ocorreu confronto com os presos. “Me recordo que quando entrei (no segundo andar) houve um confronto, houve tiros. Eu tinha certeza de que iria morrer ali. Eu efetuei um disparo. Carregava o escudo com a mão direita e efetuei o disparo com a mão esquerda”, disse. Depois da ação no presídio, ele disse ter entregue tanto a arma que portava quanto o escudo no batalhão para perícia.
 
Campos disse em vários momentos que não se recordava dos fatos de 21 anos atrás diante dos questionamentos feitos pela Promotoria. Inclusive, não confirmou ter dito em depoimentos anteriores ter visto o tenente-coronel Luiz Nakaharada no presídio. O interrogatório dele foi encerrado às 2h30 desta quinta. Em seguida, a sessão foi interrompida pelo juiz.
 
São julgados neste júri 25 policiais e ex-policiais. Eram inicialmente 26 acusados no processo. Três, no entanto, não compareceram na segunda e só na terça (30) o falecimento de um dos ausentes foi informado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Os outros dois ausentes tiveram atestado médico apresentado por sua advogada de defesa, Ieda Ribeiro. O nome do réu e a data do seu falecimento não foram informados pelo Tribunal ou pelo magistrado.
 
No total, 78 homens entre policiais e ex-policiais serão julgados pelo massacre do Carandiru. Em abril foi realizado o primeiro bloco e 23 policiais foram condenados por 13 mortes, mas recorreram e seguem em liberdade. O critério para dividir os julgamentos foi o pavimento onde estava cada grupo de policiais.
 
Nesta quinta, a sessão deve ter início a partir das 13h com o interrogatório do último réu, o tenente-coronel Salvador Modesto Madia, que em 1992 era tenente da Rota. Em seguida, haverá a sessão de leitura de peças, se for solicitado, e a exibição de vídeos e reportagens que fazem parte do processo. A fase de debates deve ocorrer na sexta-feira (2) e a previsão é que a sentença seja divulgada até a madrugada de sábado (3).
 

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