Depois que a Apple anunciou que deixaria de suportar a plataforma Flash em seus dispositivos móveis munidos com o iOS, muitos chegaram a prever a morte do aplicativo desenvolvido pela Macromedia. Steve Jobs disparou uma bala de grosso calibre contra o conteúdo .swf quando disse, em carta aberta chamada de Thoughts About Flash (Elucubrações sobre o Flash em tradução livre do inglês) que o Flash já não é mais necessário para assistir a vídeos ou para apreciar arquivos multimídia na web.
Jobs e mais um grupo de pessoas hastearam alto a bandeira do HTML5 como melhor jeito de consumir conteúdo de vídeo, animações e outras mídias interativas na Internet. Uma das motivações do apoio a este padrão é o fato deste ser aberto e público, ao passo que o Flash permanece sendo uma plataforma proprietária. Com base na versão 5 da linguagem padrão de programação na web, é possível assistir aos vídeos diretamente no navegador, em vez de depender da benevolência de um plugin, caso do Flash. Mas, daí a avisar que o Flash já era ainda falta um bocado, advertem analistas.
Sim, há muitas pessoas que desdenham o Flash. Resta saber se essas mesmas pessoas vão gostar do que se esconde por trás dos portões que abrigam o HTML5. O universo do código-fonte aberto não foi capaz de encantar a todos com seu recurso de reprodução de vídeo; pelo menos não até agora, diz o analista da RedMonk Michael Cote. A Adobe investiu muito tempo na otimização do Flash e ouso prever que a integração de conteúdo de vídeo à plataforma HTML5 também vai levar algum tempo.
Então seguem seis, no lugar dos cinco tradicionais, motivos que injetam nova vida nas veias do supostamente moribundo Adobe Flash.
1. A teimosia dos irmãos iPhone e iPad pode não durar muito mais
Apesar de a Apple ter se despedido da plataforma da Adobe nos dispositivos iPhone e iPad, o sistema Android, da Google, na versão 2.2 suporta os recursos. É verdade que o Android 2.2 ainda não permeia todos os dispositivos do mercado, mas a distribuição do Froyo (versão mais recente do sistema do Google) é anunciada para uma extensa variedade de smartphones nos próximos meses.
Um grupo nada desprezível de fornecedores de sistemas para dispositivos também garantiu à Adobe que continuará a apoiar o Flash nos próximos anos. Entre esses fãs do Flash encontram-se nada mais, nada menos, que nomes como o da Microsoft e a HP/Palm. Outro player de renome nesse segmento, a RIM, deixou avisado que estaria trabalhando no projeto que estenderá o suporte ao Flash nos aparelhos BlackBerry, sem deixar claro quando esse suporte estaria disponível.
2. Flash não é só vídeo
Quando alguém diz Flash, a primeira coisa que vem à mente das pessoas é o super-herói. Só depois conteúdo de vídeo na internet. O que, na perspectiva do analista do NPD Group, Ross Rubin, é bastante lógico. O Flash é apoiado por sites bastante relevantes, como é o caso do Youtube e do Hulu. Mas os talentos do Flash não podem ser enclausurados nesses dois elementos. Existe uma infinidade de aplicativos interativos, como jogos e anúncios da web, inspirados e apoiados nesta plataforma.
Enquanto todo mundo patina no discurso sobre vídeo, os recursos interativos parecem relegados ao segundo lugar, ressalta o vice-presidente de desenvolvimento de marketing e negócios da Coincident TV, Craig Barberich. A empresa de Barberich trabalha com o desenvolvimento de plataformas de conteúdo interativo que têm suporte em sistemas movidos a iOS.
Honestamente falando, o Flash é uma boa ferramenta para animações e é usada para vários níveis de interatividade. Muitos desses níveis ainda são um desafio para o HTML5.
3. O suporte da Adobe aos desenvolvedores
Apresentado ao mercado em 1996, o Flash (ainda Macromedia nessa época) não tardou a receber o apoio por seu peso moderado e pela capacidade de exibir gráficos complexos na web. Isso em uma época em que a banda larga ainda não era difundida como é hoje. Mas, pode-se dizer que a garantia de sucesso veio por meio do extenso suporte que a companhia dava à comunidade desenvolvedora.
A Adobe tem uma longa tradição em meio aos criadores de conteúdo. Ela adquiriu a Macromedia e o filho pródigo, Flash, em 2005. O comprometimento da empresa com os desenvolvedores foi mantido com o lançamento da primeira versão proprietária, em 2007. Atualmente, o Flash vem integrado em vários pacotes de software que compõem as suítes da empresa.
Sendo uma empresa desenvolvedora de ferramentas, a Adobe ofereceu suporte à comunidade de desenvolvedores de conteúdo e procurou adicionar funcionalidades simples e encorajadoras, sem abrir mão da leveza do programa, afirma Rubin.
O framework do Flash permite a criação de animações interativas, o que motivou os programadores de jogos e daqueles anúncios super elaborados, comenta Cote. Isso transforma o Flash em muito mais do que um formato de mídia. Na visão de Barberich, se o HTML5 quiser se firmar como grande plataforma, precisará de mais que apenas o apoio moral por parte de empresas como a Google ou a Apple. Quem sabe, sejam necessárias ferramentas e aplicativos firmemente apoiadas e um robusto suporte técnico para erradicar o temor da comunidade de mídias digitais.
4. A proteção do conteúdo desenvolvido com base no Flash
Outro desafio que se coloca ante ao HTML5 é oferecer o mesmo tipo de proteção de conteúdo atualmente oferecida pela Adobe. Essas proteções poderiam ser implementadas dentro de uma tecnologia de mídia da web. A Adobe, porém, teve tempo de incluir essa proteção na própria ferramenta.
Cote avisa que também devemos ficar atentos ao interesse de Hollywood na plataforma. Eles viram o que aconteceu com a indústria de música depois do surgimento do MP3 e não desejam que o mesmo lhe ocorra. As pessoas que têm direitos sobre programas de TV e filmes para o cinema devem insistir no mesmo tipo gestão de propriedade digital. O que significa que plataformas que não atendam esse requisito tornem-se de difícil aceitação.
Apesar de o YouTube (de propriedade do Google) estar realizando experimentos com o HTML5, a proteção de conteúdo é justamente o porquê do site ainda precisar do Flash. Quem afirma é o engenheiro de software da equipe do YouTube, John Harding, em um post recente em um blog. Determinados provedores de vídeo requerem que o YouTube use o protocolo da plataforma RTMPE, do Flash. Essa tecnologia impede que o internauta baixe o arquivo em seu computador e o redistribua livremente.
Não conte com o Silverlight
Igual ao Flash, o Silverlight a plataforma de desenvolvimento de rich content da Microsoft também é proprietária. A interface do sistema Windows Phone 7 é inteiramente desenvolvida com base nessa linguagem. A empresa também lançou uma versão do Silverlight para o sistema Symbian.
O Silverlight tem uma proteção integrada contra cópias, que é usada pela Netflix. Os usuários desse último são obrigados a instalar o Silverlight para poder assistir ao conteúdo sob demanda (já o serviço de vídeo da Amazon PE é baseado no Flash).
Apesar de o Silverlight não ter conquistado uma legião de seguidores, Cote, da Redmonk acha que a plataforma tem futuro, dependendo só do marketing da Microsoft para outras empresas que tenham eventual interesse em vender conteúdo protegido.
Contudo, Cote faz uma observação bastante relevante sobre o YouTube. Para ele, o site de compartilhamento de vídeos não expressa um amor incondicional pelo Flash, mas, precisa dele. Em outras palavras, o que poderia ameaçar a soberania do Flash é o HTML atender a esse requisito.
Cote diz, ainda, que o Silverlight pode ter um papel importante face à integração de sistemas de proteção do conteúdo.
5. O Flash é querido pelos anunciantes
O Flash é a plataforma mais disseminada na comunidade de anunciantes online e isso pode motivar o atraso no sucesso de outras plataformas. O HTML5 - ou qualquer outra tecnologia similar - ainda não ofereceu aos anunciantes o motivo necessário para abandonar o .swf. Pelo menos por enquanto.
Além disso, o Flash também tem um lugar no segmento de mobile. O comprometimento da Google em apoiar o Flash no Android a curto prazo, deve ampliar as oportunidades de quem quiser realizar campanhas de vendas na web e isso em uma linha bastante extensa de dispositivos móveis.
A despeito dessa promessa, os anunciantes não gostam da ideia de abandonar a plataforma da dupla iPhone e iPad. Estes acham que a necessidade de transformar conteúdo elaborado em Flash para o formato HTML5 é mais do que urgente. Essa demanda motiva a empresa Greystripe, por exxemplo, a enfrentar o desafio da conversão do Flash para a versão 5 do HTML. A tecnologia, chamada de Lightning Technology, realiza essa transformação.
Possivelmente, o exemplo mais relevante para o HTML5 seja o projeto Smokescreen, desenvolvido pela RevShock, uma startup do segmento mobile. O projeto é promissor, mas não chega à altura do já consagrado Flash. O Smokescreen mostra a imaturidade do HTML5, diz Rubin.
E por que os desenvolvedores não se concentram na programação do HTML5 para a plataforma mobile? Posto lado-a-lado com o canal de distribuição tradicional da internet, a plataforma de anúncios para dispositivos móveis neste padrão ainda é muito nova. Se conseguirem escrever anúncios em uma plataforma única e forem capazes de convertê-los para o formato HTML5, isso pode render um corte generoso nos custos.
Em suma: mesmo que o iOS não entenda conteúdo em Flash, em breve teremos ferramentas de conversão capazes de interpretar os arquivos.
6. O HTML5 tem questões de codec para resolver
Igual ao Flash, o HTML5 depende das tecnologias de codificação e decodificação também conhecidos por codecs para entregar o conteúdo. Mesmo assim, eles não especificam qual codec é necessário. O mais popular deles é o H.264.
O navegador da Apple, Safari, oferece suporte ao formato. O mesmo suporte é esperado para o Internet Explorer 9. As versões mais recentes do Flash também são compatíveis, de maneira adicional a outros codecs de áudio e de vídeo.
A tecnologia do H.264 é patenteada; para usá-la, as companhias precisam desembolsar as licenças. No caso de empresas grandes como é o caso da Microsoft, da Apple e da Google, isso não chega a ser um problema. Já organizações com menor poder de fogo têm sofrido para honrar esse compromisso; é o caso da Mozilla. Os defensores do código aberto também torcem o nariz quando veem questões de tecnologia patenteadas sendo introduzidas no HTML5. Afinal de contas, ele é gratuito e aberto, para todos, não é?
Rubin conta que a controvérsia sobre o uso do H.264 para vídeo na web existe há vários anos e ela é anterior ao anúncio do HTML5. Foi graças à propaganda da Apple que o assunto sobre o ele e as plataformas proprietárias voltou a vida.
Um alternativa para esse dilema foi apresentada pela Google. Trata-se do VP8, tecnologia comprada junto à desenvolvedora On2 Technologies, em fevereiro deste ano. O projeto open source da Google, o WebM disponibiliza o VP8 junto com o codec de áudio da Vorbis. E o melhor: de forma gratuita e capaz de entregar vídeo de alta qualidade na web.
Nas futuras versões do navegador da Goggle, o Chrome, o suporte ao WebM será implementado de forma nativa. O mesmo é esperado por parte do FireFox e do Opera. No caso do IE9, a compatibilidade com vídeos via HTML só será possível se o usuário instalar por conta própria o pacote VP8.
Rubin questiona a viabilidade do VP8, uma vez que a Microsoft e a Apple não oferecem suporte à plataforma. No caso da empresa de Steve Jobs, mantendora das chaves de acesso ao reino do iPad e iPhone, isso é especialmente relevante. Na perspectiva de Rubin, isso não deve mudar no futuro próximo, pois a Apple já investiu pesado no suporte à plataforma H.264.
Qualidade e eficiência da compactação também preocupam os observadores do projeto VP8. A natureza rebelde e pouco esmerada do formato foi sinalizada pelo desenvolvedor do projeto FFmpeg, Jason Garrett-Glaser.
A não ser que se chegue a um consenso referente ao transporte de vídeo na plataforma HTML5, os criadores de conteúdo terão de codificar seus vídeos diversas vezes a fim de torná-los acessíveis aos novos navegadores.
Quem sabe esse seja o motivo que leve Google e Apple a investir muito dinheiro e muito tempo no processo de chegar a um acordo referente ao iminente HTML5. Talvez, quando isso acontecer, o desenvolvimento pleno de uma plataforma open source seja possibilitado. Seria ótimo que o formato de vídeo fosse padronizado e, preferencialmente, de forma aberta, diz Cote.
A Google tem tecnologia e vontade para financiar tal iniciativa. Dinheiro, a empresa também tem de sobra, e este pode viabilizar a entrada do open vídeo, diz.
Co-existência No fundo de toda a discussão envolvendo o Flash e o HTML5, está escondida a possibilidade dos dois existirem juntos, pacificamente. Não entendo por que essa hipótese não é mencionada. Todos têm a ganhar, diz Cote.
Rubin prevê um cenário no qual ambas as plataformas serão suportadas por sites. Ele acredita que muito do que é visto hoje em dia poderá ser experimentado nas duas tecnologias. De qualquer forma, o Flash deverá continuar a evoluir e a oferecer incentivos para manter o suporte por parte dos desenvolvedores.
Um bom exemplo disso é o YouTube. Apesar do site de vídeos estar apoiado firmemente na plataforma Flash, ele recentemente lançou um serviço front-end para permitir que usuários do iPhone e iPad possam assistir ao conteúdo do provedor de vídeo de propriedade da Google.
Alinhados a essa tática, empresas como a Coincident TV, a Greystripe e a RevShock apostam na demanda por tecnologias que possibilitem aos criadores de conteúdo, transformar os vídeos em algo que o browsers HTML5 possam interpretar. Essa tática pode durar pouco, mas, pode também decidir como as coisas serão daqui para frente.
Pessoalmente, não acredito que uma empresa sólida como a Adobe possa ser ameaçada em suas habilidades; mas, certamente, existe um movimento de integração entre várias tecnologias o que deve possiblitar que qualquer formato funcione em todos os dispositivos, afirma a direção de marketing da Greystripe, na voz de Dane Holewinski.
Todas as formas de cooperação entre as diferentes plataformas redundam em uma confirmação da relevância do Flash no futuro.