Preocupados com a baixa adesão de pacientes aos tratamentos, médicos do Hospital Universitário de Brasília (HUB) decidiram estudar os motivos que impediam a população atendida de seguir as recomendações.
Identificaram que a incompreensão sobre o uso correto dos medicamentos, as indicações e os possíveis efeitos colaterais dados que estão nas bulas dos remédios contribuíam de forma significativa para que apenas metade dos pacientes seguisse as orientações médicas prescritas por eles.
Hervaldo Carvalho, coordenador da emergência do hospital, conta que, no mundo inteiro, a taxa de adesão de pacientes aos tratamentos fica entre 40% e 60%.
Isso é muito pouco e decidimos compreender as razões para tanto, afirma. Carvalho e os colegas do Laboratório Interdisciplinar do HUB (onde trabalham psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas e farmacêuticos) perceberam que, além de bulas indecifráveis, o baixo poder aquisitivo para seguir as dietas recomendadas ou fazer os exercícios são outros empecilhos à boa adesão aos tratamentos.
Foi então que o grupo decidiu atuar onde era possível: combatendo a falta de informação. Os alunos de um curso de especialização em Farmacologia oferecido pela universidade assumiram a missão de transformar as bulas dos medicamentos mais receitados pelos cardiologistas e pela equipe que acompanha as gestantes do hospital. A linguagem técnica e própria apenas profissionais de saúde teria de dar lugar a termos simples, sem deixar informações importantes de lado. Além disso, criaram panfletos explicativos sobre doenças e dietas alimentares para distribuição entre os pacientes.
Um paciente só vai usar um medicamento ou mudar um hábito se achar que aquilo serve para ele. Precisamos fornecer o máximo de informações e orientações para que ele tome essa decisão. Esse é o nosso objetivo, destaca Carvalho.
A tarefa de traduzir as bulas não foi simples. Depois de os farmacêuticos criarem as primeiras bulas simplificadas, os cardiologistas revisaram o material. Em seguida, um grupo de pacientes avaliou as novas orientações. Os ajustes foram feitos após cada passo. O mesmo foi feito com os medicamentos para as gestantes.
Ao todo, foram elaboradas 68 novas bulas para os remédios mais comuns para o tratar doenças cardiológicas e 95 para os medicamentos indicados para grávidas ou mulheres que estão amamentando.
O projeto deve ser expandido para outras áreas médicas em breve. O grupo também planeja diversificar as mídias utilizadas para transmitir as orientações. As bulas já estão disponíveis em sites específicos de cardiologia e gravidez e lactação, e em livro. O próximo passo é criar vídeos com o conteúdo.
Pela nossa experiência de ensino, sabemos que as pessoas aprendem melhor com linguagens diferentes às vezes diferentes. Nosso objetivo é atender a essas necessidades, ressalta Carvalho.
Desafio linguístico
As dificuldades dos farmacêuticos e dos pacientes extrapolaram também as fronteiras da língua. Carvalho conta que muitos pacientes não compreendem expressões muito simples, como a palavra vômito. Por incrível que pareça, há muitas palavras que não entendidas.
"Tivemos de enfrentar os regionalismos da linguagem dos pacientes para elaborar o material, conta o cardiologista.
Além da linguagem simples, os farmacêuticos e os médicos criaram símbolos coloridos para ajudar na identificação de riscos de reações. Um exemplo foram as cores do semáforo: vermelho para proibido, amarelo para precaução e verde para liberado.
Hoje, os médicos entregam aos pacientes atendidos pelo grupo de especialistas do laboratório os remédios, as bulas simplificadas e ainda um receituário com tabela de horários para cada medicamento. Símbolos como o Sol e a Lua também são usados para ajudar os pacientes a identificar o horário certo para tomar cada remédio. As bulas entregues aos pacientes são impressas em papel A4, nas impressoras disponíveis no hospital. O problema é que nem sempre são coloridas e não há recursos para imprimi-las em escala ampla, como os médicos gostariam. Carvalho conta que eles estão buscando parcerias com gráficas para ampliar a entrega do material.
Determinação
Desde 2009, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou que as bulas de remédios tivessem textos mais acessíveis aos pacientes, com linguagem mais didática e letras maiores, outra reclamação e dificuldade dos pacientes. Para Carvalho, no entanto, as mudanças não tiveram eficácia.