A Igreja que enriqueceu com ofertas deveria ajudar os necessitados na pandemia, diz pastor

O pastor Joel Engel defende que, em tempos de pandemia de Covid-19, a igreja deve ajudar não apenas os necessitados, mas também os membros que perderam a renda.

Fonte: Guiame, Luana NovaesAtualizado: quinta-feira, 21 de maio de 2020 às 19:01
Pastor Joel Engel durante entrega de doações em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. (Foto: Ministério Engel)
Pastor Joel Engel durante entrega de doações em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. (Foto: Ministério Engel)

A principal marca da igreja primitiva descrita no livro bíblico de Atos é a generosidade, mas a igreja moderna não consegue se encaixar neste modelo, “mantendo-se unidos e tendo tudo em comum”. 

O pastor Joel Engel explica ao Guiame que muito disso se deve à falta de conhecimento sobre as leis em torno do dízimo e ofertas do Antigo Testamento, que promove até hoje um senso de justiça social entre o povo de Israel.

“Essa é a cultura bíblica, que deveria ser a nossa também, mas os cristãos geralmente não leem o Velho Testamento e perdem essa fatia muito boa do equilíbrio social”, afirma.

O pastor também defende que, em tempos de pandemia de Covid-19, a igreja deve ajudar não apenas os necessitados, mas também os membros que perderam a renda.

“Toda igreja que viveu 10 ou 20 anos recebendo dízimos e ofertas, cresceu, armazenou e enriqueceu, é mais do que justo hoje que essa igreja volte aos seus cofres e auxilie aqueles que sempre ofertaram”, sugere.

Confira abaixo a entrevista completa:

Guiame: Na sua visão, porque a maioria das igrejas hoje não consegue viver o modelo bíblico da generosidade de Atos?

Joel Engel: A igreja do livro de Atos era composta por judeus. Nós só vamos ver o primeiro gentio entrar na igreja no capítulo 10, que foi Cornélio, um soldado romano. Ele mesmo já era acostumado a dar esmolas e fazer ofertas. Na cultura judaica, isso é chamado de Tzedaká, que significa uma oferta de justiça social. 

Nas leis sociais da Bíblia, Deus estabeleceu que a cada 7 anos houvesse em Israel o ano Shemitá. No ano Shemitá, não poderia haver colheita e Deus assumia posse da terra. O próprio agricultor não podia dizer que era dono da colheita, qualquer pessoa que passasse fome poderia entrar e comer. 

Nós vamos na Bíblia em certo dia em que Jesus comeu espigas quando passava em uma lavoura e foi condenado porque comeu no sábado. Mas era normal uma pessoa entrar na lavoura e pegar algo para comer. Hoje para nós isso é pecado, como se fosse um roubo, mas pelas leis bíblicas não é. Na lei que Deus deu para que houvesse um equilíbrio social, tudo o que cai no chão pertence ao pobre e ao necessitado. 

Na lavoura, se cai uma espiga no chão, o agricultor não junta; alguém que está passando com fome pode pegar e comer. 

Isso está muito presente na cultura judaica, até os dias de hoje. Os judeus costumam dar, além de seu dízimo mensal, um outro dízimo voltado apenas para os pobres, também de 10%. O dízimo chega a 30%, já que eles também separam uma parte para ajudar familiares e pessoas que trabalham na obra de Deus.

Isso está enraizado na cultura judaica. Todas as pessoas que têm posses ajudam aqueles que não têm, por isso em Israel você não vê pessoas pedindo esmolas. 

Outra lei muito forte é a lei dos escravos. Eles só podiam ser escravos por 7 anos, depois disso, também no ano Shemitá, todos tinham que ser libertos. Muitos escravos preferiam continuar na mesma posição, e aqueles que decidiam continuar com o seu senhor furavam sua orelha, e eram conhecidos como servos da orelha furada. 

Como pode um escravo querer permanecer nessa condição pelo resto da vida? É que a escravidão na cultura judaica é diferente, porque o escravo deve comer a mesma comida que seu senhor. O escravo tinha a mesma qualidade de vida que seu patrão; isso chama-se justiça. Até os dias de hoje a sociedade é equilibrada em Israel.

Em Israel, os restaurantes “kosher” — que seguem a lei judaica — dão o dízimo da comida; 10% do que entra na cozinha é dado para as pessoas que não têm. Um rabino pode ir a qualquer restaurante sem precisar pagar, pelo contrário, é uma honra para um restaurante recebê-lo.

A cultura judaica sempre foi de repartir e de todos comerem a mesma comida: pobres, ricos e escravos, porque a terra é de Deus. O rico é apenas um privilegiado, que recebeu a graça de manifestar o amor de Deus ao próximo. Ele é um administrador das coisas de Deus e deve reparti-las bem. 

Guiame: Na prática, como funciona o Tzedaká?

Joel Engel: As primeiras pessoas beneficiadas pelo Tzedaká, a oferta de justiça, são os familiares e os parentes próximos que estão em necessidade; depois os trabalhadores e escravos; depois os vizinhos e, se a pessoa tiver condição, toda a comunidade. Por exemplo, se há um fazendeiro com uma boa fazenda, ninguém naquele perímetro irá passar fome.

Essa é a cultura bíblica, que deveria ser a nossa também, mas os cristãos geralmente não leem o Velho Testamento e perdem essa fatia muito boa do equilíbrio social.

Por causa da cultura judaica, no livro de Atos, eles já tinham essa mentalidade de repartir. Jesus veio e ampliou isso. Jesus ensina o mesmo princípio dos profetas. Elias tinha muitos discípulos, mas somente Eliseu recebeu porção dobrada, porque os judeus sabem que a pessoa só quem tem mérito recebe um prêmio de Deus. 

Quem dá o dízimo e a Tzedaká não fez mais do que a obrigação; não tem muito mérito por isso. Mas há um mérito quando ele dá mais que o dízimo e a Tzedaká. Eliseu foi o único que ofereceu os bois, seu arado e dedicou sua vida para servir Elias, e por isso recebeu porção dobrada. 

A essência da igreja primitiva era a entrega além do que a lei pedia. A igreja primitiva tinha essa consciência de que alimentar as viúvas e pobres da igreja era algo absolutamente normal. Quer dizer, não há recompensa por isso, está dentro da obrigação. Agora, quem fez mais do que isso, entregando propriedades para serem repartidas, esse vai receber a recompensa.

Hoje nós vemos na igreja o contrário; irmãos que brigam se devem dar o dízimo ou não. A maioria dos crentes não são de dar esmolas, alguns até mesmo se opõem a isso. Quando Jerusalém foi tomada pelas forças do comandante romano, Tito, a igreja se dispersou e, com o passar do tempo, passou a ser romana e perdeu os princípios mais importantes da cultura judaica.

Nos dias de hoje, a igreja se tornou tão fria que pode ver alguém sendo assassinado ou pedindo esmola que não se comove. A igreja perdeu suas raízes e está tão diferente de Jesus, que tem dificuldades de ajudar o vizinho. Essa é a igreja que só quer receber. As pessoas fazem campanhas dia e noite para serem mais abençoadas, para poder receber mais. As palavras “dar” e “ajudar” são pouco usadas. Os pastores pregam pedindo o dízimo para a igreja, não há ensinamento de ajuda ao próximo. Pela falta desse ensinamento, a maioria das igrejas perdeu essa visão. 

Guiame: Como a Igreja deve lidar com o aumento da necessidade de seus membros em tempos de pandemia?

Joel Engel: Toda igreja que viveu 10 ou 20 anos recebendo dízimos e ofertas, cresceu, armazenou e enriqueceu, é mais do que justo hoje que essa igreja volte aos seus cofres e auxilie aqueles que sempre ofertaram. 

O governo está dando uma ajuda de custo àqueles que sempre contribuíram com seus impostos, mas a igreja deve fazer ainda mais. Seja repartindo, socorrendo, preparando equipes que vão atender essas pessoas. É justo que todos estes que passaram anos ofertando na igreja recebem auxílio da igreja.

Guiame: O que o Ministério Engel tem feito em resposta às necessidades das pessoas?

Joel Engel: Antes de fundar o Ministério Engel, eu tive um encontro com Jesus e ele salvou a minha padaria e nós prosperamos. Eu tive esse entendimento de que eu deveria ajudar os pobres da comunidade próxima a minha casa e dediquei uma parte da renda para isso. O nosso ministério foi fundado em cima dessa visão, levar às pessoas o pão do Céu e o pão da terra.

Nos primeiros três anos, nós distribuíamos para a favela quase 100% daquilo que recebíamos. Eu entendi que deveria entregar tudo para Jesus, empresas, carros e propriedades. Isso se tornou uma coisa natural em nosso ministério.

Todo mês, uma parte do que recebemos de ofertas e dízimos sempre volta para os ofertantes. Como fazemos isso? Separamos aquilo que entra e distribuímos 10% para as pessoas que trabalham na obra e outros 10% para obras sociais, mas a porcentagem de ajuda para o social acaba sendo sempre maior. Nós ajudamos no mesmo sistema de Tzedaká.

A igreja está recebendo, mas a igreja não é um banco, ela não foi criada para armazenar riquezas. A igreja é um canal por onde Deus deve enviar riquezas para fazer a obra do Reino crescer e prosperar. 

No final do ano passado, nós ajudamos 12 pastores que não tinham condições para irem a Israel. Este é só um exemplo, porque daquilo que nós recebemos dos pastores, investimos neles também. 

Todo mês também sondamos aqueles pastores que precisam de ajuda com o aluguel ou outras contas. Outra parte destinamos para os intercessores, ajudando a pagar compras e outras necessidades. Uma outra vai para os pobres, por exemplo, o projeto que ajudamos na África.

Quando aconteceu a pandemia, nós chamamos todos os obreiros da igreja e pedimos que eles apresentassem uma lista de supermercado para que não faltasse nada em suas casa durante a quarentena. Para a glória de Deus, com muita alegria, eu estou dizendo que na pandemia, na situação mais difícil, a nossa igreja prosperou em todos os níveis. 

Distribuímos mais de 500 cestas básicas e pagamos contas de membros, tratamentos médicos, sem deixar faltar nada. Não achamos que fazemos muito, fazemos apenas aquilo que é normal, aquilo que é justo. É assim que estamos hoje, ninguém tem falta de nada.

Este conteúdo foi útil para você?

Sua avaliação é importante para entregarmos a melhor notícia

Siga-nos

Mais do Guiame

O Guiame utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência acordo com a nossa Politica de privacidade e, ao continuar navegando você concorda com essas condições