"Cristãos iraquianos se sentem abandonados pela comunidade internacional", diz líder cristão

"A palavra 'genocídio' às vezes não faz sentido para nós. O genocídio é uma grande palavra, mas para mim e para o meu povo é uma palavra educada", disse o padre iraquiano Douglas al-Bazi, que trabalha em um campo de refugiados.

Fonte: Guiame, com informações do Christian PostAtualizado: sexta-feira, 11 de março de 2016 às 13:04
Douglas al-Bazi segura a camisa suja de sangue que estava usando quando foi sequestrado e torturado pelo Estado Islâmico em 2006 (Foto: Samuel Smith / Christian Post)
Douglas al-Bazi segura a camisa suja de sangue que estava usando quando foi sequestrado e torturado pelo Estado Islâmico em 2006 (Foto: Samuel Smith / Christian Post)

Dezenas de milhares de cristãos iraquianos refugiados que fugiram de suas pátrias antigas ao longo de um ano e meio atrás para escapar da barbárie do Estado Islâmico se sentem como se sua situação fora esquecida pelo resto do mundo, segundo informou um proeminente padre caldeu, na última quarta-feira (9).

Douglas al-Bazi, que deixou sua casa em Bagdá para a proteção do Norte Curdo em 2013, agora dirige a Igreja de Mar Elia, em Ankawa. Como mais de 125.000 pessoas fugiram da área de Mosul para o Curdistão após a ascensão do EI no verão de 2014, a igreja de Bazin abriga atualmente mais de 112 famílias iraquianas deslocadas, uma vez que e 16 outras igrejas na área estão sendo usados ​​como centros de refugiados.

Embora as famílias de refugiados que vivem em no centro Mar Elia tenham apenas um contêiner de ferro de 3 X 4,5 metros para usar como um lar temporário e estejam lutando para encontrar empregos e oportunidades educacionais, o padre de 43 anos disse em entrevista ao 'Christian Post' que ele acredita que os cristãos iraquianos continuarão vivendo nesses acampamanetos por muito tempo depois que o Estado Islâmico for derrotado, por causa da falta de confiança que eles serão protegidos em sua terra natal.

"Com esta situação, as pessoas que estão no meu centro [de refugiados] vão ficar lá por mais 15 anos, pelo menos", Bazi explicou. "Não é apenas por causa do Estado Islâmico. É um problema de lá. Eu acredito que o EI, mais cedo ou mais tarde, vai cair, mas como podemos construir a confiança das pessoas novamente?".

"Uma das grandes questões é a confiança, porque [as pessoas que] se voltaram contra nosso povo eram seus vizinhos", Bazi continuou. "Confiar em quê, se nós estamos indo para a nossa casa? Estaremos seguros ou vamos a ser alvos de novo?".

Bazi, que visitou Washington nesta semana para pedir ao governo dos Estados Unidos que classifique os crimes contra os cristãos e outras minorias como "genocídio", explicou que a perseguição contra os cristãos da Mesopotâmia não é algo que começou com Estado Islâmico, mas é um fenômeno de séculos de duração que o Estado Islâmico acabou culminando. Ele acredita que a perseguição contra os cristãos vá continuar, mesmo depois que o grupo terrorista seja destruído.

"Nós somos vítimas. A palavra [genocídio] às vezes não faz sentido para nós. O genocídio é uma grande palavra aqui. Para mim e para o meu povo, 'genocídio' é uma palavra educada. Acho que precisamos encontrar uma outra palavra para ser adequada na definição do que aconteceu com o meu povo", Bazi argumentou. "Estamos falando de genocídio sistemático. Nós não estamos falando de um [exemplo] que acabou sendo gerado pelo Estado Islâmico. Estamos falando de uma enorme história de segmentação do nosso povo. Somos um dos grupos mais antigos - os cristãos no Iraque e na Mesopotâmia. Assim, de repente nos vemos que perdemos tudo".

Embora cada uma das vítimas deslocadas tenha sua própria história pessoal de horror para contar sobre sua provação em fugir do Estado Islâmico, Bazi diz que a coisa mais dolorosa com a qual essas pessoas têm de lidar é perder o seu sentido de pertencimento.

"Eles acordam de manhã com um ponto de interrogação sobre o que vai ser no final do dia. São as mesmas perguntas", disse Bazi. "Eu ainda vou continuar vivendo no mesmo lugar?'; 'Os meus filhos vão ter uma boa educação?'; 'Se um dos membros da minha família ficar doente, vamos encontrar alguém para cuidar dele?'; 'Se o Estado Islâmico já foi embora e eu puder voltar para minha terra, vou encontrar a minha casa?", exemplificou o padre.

"Perder o sentido de [pertencimento] é realmente mais difícil para o nosso povo, porque o meu povo realmente perde o sentido de ter um país para chamar de lar", Bazi acrescentou. "Nós não temos isso. Meu povo pensa: 'Onde está minha casa?".

Enquanto centenas de milhares de cristãos e outros permanecerão em centros de refugiados pelo futuro imediato e possivelmente mais que isso, muitos deles são deixados sem qualquer fonte de renda e estão contando com doações da Igreja e organizações humanitárias.

Bazi explicou que a maioria dos refugiados não conseguem encontrar um emprego no Curdistão, porque eles não sabem falar a língua curda, afirmando que até mesmo os médicos deslocados estão tendo dificuldade em encontrar emprego. Ele acrescentou que a barreira do idioma dificulta ainda mais que as crianças deslocadas obtenham uma educação, embora a Igreja tenha criado quatro escolas para essas crianças.

Apesar de seu desespero, Bazi tem certeza de que os cristãos não estão culpando a Deus por seus infortúnios.

"Meu povo não está realmente culpando a Deus pelo que aconteceu. Eles estão culpando o homem pelo o que aconteceu", disse Bazi. "O meu povo está à procura de um futuro, mas no dia-a-dia o que realmente está matando meu povo, é o momento em que eles sentem que estão sozinhos e esquecidos. Eu estou falando sobre a comunidade internacional. Isso é o que é realmente é mais difícil para nós".

Bazi explicou que parte de seu trabalho no centro de refugiados é tentar encorajar as vítimas. Considerando que Bazi foi sequestrado, torturado, baleado e teve sua igreja em Bagdá bombardeada por militantes islâmicos, ele é alguém que pode se relatar a dor que deixou para trás, até mesmo as histórias mais horripilantes.

Em 2006, Bazi foi seqüestrado e torturada por militantes islâmicos durante nove dias, antes de ser liberto. A Igreja pagou 170.000 dólares por seu resgate e a também pela libertação do padre Samy Al Raiys. Bazi detalhou que os terroristas quebraram seus dentes com um martelo, quebraram seu nariz, duas vértebras das costas, ameaçaram decapitá-lo, depois colocaram uma pistola descarregada em sua cabeça e puxaram o gatilho mais de 100 vezes.

"Estou surpreso que eu ainda esteja vivo", disse Bazi ao Christian Post. "Eu passei nove dias realmente difíceis, mas isto realmente mudou muita coisa na minha vida e eu não posso esquecer. Eu não estou falando sobre a dor no corpo, mas eu estou falando sobre a dor da alma".

"Você sabe, a dor vai continuar, mas isso me deu uma boa lição sobre a vida e agora eu também entendo a dor das pessoas", Bazi continuou. "Quando conheço pessoas que foram seqüestradas ou passaram por uma situação semelhante, eu posso dizer: 'Eu entendo, mas você está conseguindo'.

Embora a comunidade cristã no Iraque pareça sem esperanças, Bazi diz que a chave para reduzir a dor é o perdão.

"Sem perdão a dor vai continuar de geração em geração", Bazi sustentou. "Quando falamos com as pessoas, nós não dizemos simplesmente que 'amanhã será melhor', mas sim que 'se nós perdoamos, amanhã será melhor".

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