Qualquer pessoa em seu lugar também fugiria. No geral, o ser humano é capaz de suportar muitas coisas e situações insuportáveis. Quais coisas e situações exatamente? São coisas e situações que o senso comum classifica como insuportáveis. Por exemplo: a perda de um patrimônio conquistado a duras penas, a morte dos pais, a morte trágica de uma família inteira num fatal acidente de carro, um violento assalto, o convívio com uma das taxações de impostos mais altas do mundo...
Mas se a maioria suporta, por que Jean não suportou? Em sua defesa devo dizer que a lista acima ele suportou com dignidade. Aliás, suportou bem mais que a lista acima. Suportou viver amargas surpresas que desestabilizam famílias, fazendo sua infância ser totalmente desemparada, desfavorecida e injusta para um garoto, que como qualquer outro, nutria seus sonhos particulares e cheios de esperança.
Jean fugiu mesmo depois de suportar perseguições, injustiças, isolamentos, falta de leis que o protegessem. Neste tempo, o que mais teve da sociedade foi escárnio e total descaso pelas dores, angústias e tristezas que teve de engolir sem qualquer chance. Chega uma hora que o sofrimento é tão grande e inexplicável que fuga parece ser a única saída.
Jean errou? Lógico que sim. Quem nunca? Mas um pequenino erro deveria merecer tanto rigor da lei? Tanta perseguição? Tanta injustiça? Os erros que cometeu deveriam ser penalizados como são penalizados crimes bárbaros? Certamente que não. Porém Jean fugiu porque a fuga é o que resta quando se vive numa sociedade que brada sua própria forma de justiça e jamais abre espaço para a misericórdia e o perdão.
Eu poderia estar no lugar de Jean. Você poderia. Caso as injustiças e perseguições que enfrentou fossem com a gente. Talvez sim, também fugiríamos ou, quem sabe, numa decisão ainda mais trágica, procuraríamos o suicídio. Nunca vamos saber, porém, olhando de fora, esta história triste e ao mesmo tempo inspiradora, deveria nos fazer repensar os valores pelos quais lutamos.
Existe uma maneira de fazer parar este tipo de fuga? Existe. A maneira é uma só, o encontro com a cruz de Cristo. Não para ser crucificado, pois Ele já o foi e passou definitivamente pela cruz. Mas é na cruz que finalmente entendemos o alto preço do erro, do escândalo, do pecado. É na cruz que finalmente recebemos a graça salvadora através de um perdão que o mundo não consegue dar, mas o Cristo ressurreto nos oferece gratuitamente.
É somente através do puro evangelho que encontramos forças para novamente encarar a sociedade e lutar com as armas do serviço, do trabalho, da doação, da cooperação, da comunhão, do ajudar, do resgatar vidas para chances numa nova vida. Pois é somente através do evangelho que os valores mudam, que o real significado das pessoas aparece, fazendo a razão de uma vida regida por ações vindas de um bom caráter orientar atitudes, gestos e ações.
Foi assim que Jean parou de fugir e críticos do mundo inteiro aplaudiram, choraram e reconheceram o valor de sua história. Dentre inúmeros miseráveis, Jean Valjean se destacou exatamente porque se viu face a face com o evangelho e resolveu viver o evangelho que o impactou. Vitor Hugo conseguiu com maestria deixar como herança uma obra até hoje contada, cantada e reconhecida em todo o mundo, Os Miseráveis. A história de um homem que por roubar um bocado de pão sofreu dezenove anos de prisão, mesmo crime que talvez possam estar cometendo milhares de venezuelanos nestes dias, por conta da fome, da exploração, da corrupção e das injustiças que enfrentam vindas do próprio governo sobre eles.
Que cada ser humano, em suas fugas pessoais, venha a ser confrontado com o evangelho e enfim deixe sua zona de conforto. Miseráveis se multiplicam pelo mundo inteiro. Injustiças sociais estão presentes na ganância e corrupção da maioria dos poderosos desta terra doente. Jean Valjean finalmente, em Cristo, encontrou a cura e a liberdade para a praga de tantas doenças sociais que atingiam sua vida, a mesma cura e a mesma liberdade que ainda estão disponíveis para todos nós.
Edmilson Ferreira Mendes é teólogo. Atua profissionalmente há mais de 20 anos na área de Propaganda e Marketing. Voluntariamente, exerce o pastorado há mais de dez anos. Além de conferencista e preletor em vários eventos, também é escritor, autor de quatro livros: '"Adolescência Virtual", "Por que esta geração não acorda?", "Caminhos" e "Aliança".
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