Canta o ditado que dinheiro não atura desaforo. Que o digam as mulheres, que estão aumentando seu acesso ao crédito, e consequentemente, às dívidas. Segundo uma pesquisa recente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), pela primeira vez, as mulheres estão mais endividadas do que os homens. Das ocorrências no Serviço de Proteção ao Crédito, 52% referem-se a mulheres, contra 48% dos homens. A inadimplência é maior nas compras de roupas e calçados, um dos setores onde as mulheres mais gostam de gastar.
É um bom sinal, acredita o educador financeiro Reinaldo Domingos, presidente do Instituto DSOP de Educação Financeira. Quer dizer que há mais dinheiro nas mãos das mulheres. O endividamento maior é natural, já que as mulheres estão assumindo sua fatia do bolo no mercado. A maioria delas está na faixa dos 40 anos, que migraram das classes D e E , e não receberam educação financeira.
Pequenos gastos, grandes rombos
A escritora Eliana Bussinger, que assina os livros As leis do dinheiro para as mulheres e A dieta do Bolso, concorda que as mulheres ainda não têm as rédeas das próprias finanças, mas acredita que existe um descompasso histórico mais profundo que precisa ser superado. O homem vê dinheiro como poder, a mulher como segurança. Isso implica em tratar o dinheiro como algo da família, que serve para pagar contas, garantir uma casa e escola para os filhos e não inclui cuidar de si e do próprio futuro. Fora do eixo Rio-São Paulo, ainda é muito comum as mulheres entrarem no casamento com essas idéias e muitas dificuldades adicionais, como conseguir uma geração de renda.
Para ela, a renda menor, somada a uma responsabilidade crescente nas despesas do lar, é decisiva no endividamento. São os pequenos gastos, ligados principalmente aos cuidados com a casa e com os filhos, que comprometem o orçamento feminino. Homem consome com ele e com coisas grandes, como tevê e carro. A mulher vai ao supermercado, compra roupa, chupeta, comida, detergente em pó.
Domingos, do Dsop, ressalta que o problema não são as dívidas como imóvel próprio e carro. São os valores pequenos que escapam pelos vãos dos dedos que levam à inadimplência e comprometem o orçamento, afirma.
Para sair do vermelho, é fundamental que a mulher faça um bom diagnóstico colocando cada centavo gasto no papel e envolvendo a família nas mudanças necessárias.
De quebra, há os hormônios. Eliana acredita também que as mulheres estejam mais vulneráveis ao marketing por serem mais sensíveis aos apelos dos filhos, pais e amigos. A produção de hormônios, como a oxitocina, leva você a dar um cheque em branco a um filho precisando, afirma a escritora. Por outro lado, mulheres tendem a assumir e discutir seus problemas com mais facilidade. Além disso, ela aceita ajuda de pai, mãe ou filho, que emprestem o dinheiro sem juros, afirma Eliana. O homem raramente vai usar essa opção.
Para sair do buraco
O especialista Reinaldo Domingos acredita, contudo, que características como o olho feminino para detalhes podem ser eficientes para sair logo do endividamento. O que falta é uma metodologia para estabelecer prioridades e fazer diagnósticos periódicos., afirma. Outra dica do educador é manter sonhos de curto, médio e longo prazo, como viagens, uma festa de 15 anos para a filha, a compra do imóvel próprio, dentro de um planejamento em que a verba para essa meta seja prevista e não entre em conflito com relação de renda e despesas da família. Para lidar com a dívida, o legal não é sair pagando credor no primeiro momento e sim fazer um acordo que caiba no seu bolso, diz Domingos.
Para um planejamento financeiro que realmente funcione e garanta que a mulher chegue à velhice com segurança e conforto, a psicóloga Andrea Villas-Boas, autora do livro Valor Feminino, acredita que é preciso focar em pontos positivos femininos, como a determinação e a resistência nos planos. Por isso ela se dá bem em investimentos de longo prazo, como planos de previdência, exemplifica. A mulher tem facilidade de ser multitarefa e consegue tocar carreira, casa e finanças ao mesmo tempo.
Aprender a lidar com finanças é o próximo desafio, de acordo com a psicóloga. A mulher consegue fazer economia no dinheiro que está na mão dela, mas não investe com ousadia, afirma. Minha orientação técnica é que você tem que se pagar antes de qualquer coisa. Não aplicar o que sobra no fim do mês, mas aplicar antes de gastar o dinheiro, diz a psicóloga. Isso implica assumir as próprias finanças e se priorizar, antes mesmo de filhos e família. São passos para transformar a segurança financeira em conforto, e ter margem para realizar sonhos. Em paz, finalmente, com o porquinho.