Eu estava empolgada em conhecer tanta gente diferente. Era minha primeira semana de pós-graduação na PUC-PR e na área de audiovisual você já pode imaginar meus colegas de classe. Tinha de tudo. Uma pessoa em especial, entretanto, me chamou a atenção. Ela era loira, bonita, com visual meio hippie e tinha sempre comentários meio abibolados. Num dia de bate-papo descobrimos que morávamos perto e ela me ofereceu carona. Na metade do trajeto o susto: cigarros de maconha para todo lado e ela me oferecendo um que acabara de acender.
Agradeci educadamente enquanto me encolhia no banco pensando na roubada em que me metera. Ela pegara um caminho que me era desconhecido e nele havia uma blitz. Suava frio enquanto ela fechava os vidros:
- para os babacas dos policiais não sentirem o cheiro – explicou e insistiu: certeza de que não quer dar um tapa?
Tapa? Ué, ia ter briga? Muito depois fui entender a gíria, mas a conversa que seguiria era ainda mais intrigante que o cheio de maconha que já impregnava minha roupa. Ela contou que era casada havia 3 anos, o mesmo tempo que eu, na época, e que adorava o relacionamento. Eu fiquei comovida, uma maconheira que valorizava o casamento! O problema foi a filosofia de casamento da criatura que começou a ser explicado logo após a pergunta:
- você não crê nesta caretice de fidelidade, né?! – indagou e nem me deixou responder para emendar: fidelidade é uma posse burguesa e de dominação.
Hein?
Pois é, ela e o marido tinham o que consideravam um casamento moderno e “socialista”. Moravam na mesma casa, tinham planos juntos e até tinham assinado o papel burguês do cartório, mas na prática cada um transava com quem sentisse vontade. No dia anterior, inclusive, eles tinham ido juntos à um concerto, mas ela voltou sozinha pra casa, pois ele ficou encantado com a cellista e saiu com ela para um motel. Simples assim.
- só não levamos ninguém na nossa casa, pois ali é um canto nossa, saca? – explicou. Mas quando bate a vontade, cada um faz o que quer e depois volta, pois somos livres. Com você é assim também? – inquiriu achando realmente que o comportamento dela era regular.
No começo fiquei constrangida, pois parecia mesmo que eu era uma cafona antiquada num casamento monogâmico burguês e opressivo, mas ainda bem que uma pontinha de lucidez me fez atinar a tempo de mostrar para ela uma outra visão daquilo que era um prisão de segurança máxima segundo seus olhos.
- Não, comigo não é assim. Sou fiel ao meu marido, fisicamente falando, inclusive. E ele o é a mim. Presa e subjugada? Não é o caso. Sou livre para ficar com ele e escolhi esta relação que não é uma jaula, mas uma torre de segurança onde existe um amor diferente do seu, talvez. Acho que sair transando com quem der vontade não é liberdade, é prisão. Seria eu prisioneira de instintos baixos e da própria vergonha e desconfiança que sempre haveria na relação. O escolhi não por falta de melhores opções, mas por considerar que ele seria o meu par ideal e que apesar das opções que pudessem surgir no decorrer da vida, o amaria e seria fiel ao que um dia prometi diante do altar.
- e se ele a trair – insinuou.
- Bom, daí não é o meu prejuízo, é o dele. Afirmei. Ele terá traído mais do que a esposa, terá traído princípios, um lar seguro, uma relação de confiança e a si mesmo.
Ela olhou escandalizada e eu saí do carro de alma lavada. Percebi que muitas pessoas pensam diferente de mim e dos meus princípios, mais: que muitas vezes meus valores podem ser considerados ridículos ou ultrapassados, mas ainda são os meus e se eu não puder ser fiel a eles, serei fiel a que, afinal?
PS: Ela desistiu da pós duas semanas depois e não mais a vi.
- Fabiana Bertotti