"Ouvi a palavra do Senhor, vós, filhos de Israel, porque o Senhor tem uma contenda com os habitantes da terra; porque nela não há verdade, nem amor, nem conhecimento de Deus. O que só prevalece é perjurar, mentir, matar, furtar e adulterar, e há arrombamentos e homicídios sobre homicídios" (Oséias 4:1-2).
Creia numa verdade. Ela pode ser provada pelo nosso passado: genocídio de índios e escravos. Ela pode ser confirmada pelo nosso presente: desigualdade, miséria, violência. No nosso país a vida humana não tem valor. É cultural. E como a pregação e o ensino nas nossas igrejas são fracos, assimétricos e ideológica e culturalmente condicionados - quem se torna membro da instituição religiosa tende a negligenciar as porções mais importantes da Bíblia-, aquelas que falam sobre a dignidade do homem e, consequentemente, destacam a obrigação por parte do que diz conhecer a Deus de gritar quando a santidade da vida humana é ultrajada.
Faz uma semana que uma chacina ocorreu na periferia de São Paulo. Numa ação orquestrada por matadores profissionais, homens que entram em crise de abstinência quando deixam de matar, 18 vidas humanas foram interrompidas de modo hediondo.
Vimos pelos meios de comunicação cenas perturbadoras. Rodo limpando piso de bar encharcado de sangue. Familiares das vítimas, inconsoláveis, debruçados sobre caixões.
Fato igualmente incompreensível foi o silêncio de toda uma cidade. Não houve manifestação de rua. Nenhuma pressão para que as mortes sejam esclarecidas. Nenhum ato em memória das vítimas e solidariedade aos parentes enlutados.
Na próxima vez que orarmos pedindo perdão a Deus pelos pecados da igreja e da sociedade, não deixemos de mencionar a banalização da vida humana, a omissão covarde face às históricas e endêmicas violações dos direitos humanos. Falemos francamente com Deus: "Senhor, o maior amor da nossa vida é o que temos por nós mesmos. Pouco nos importa a desgraça que atinge a vida daqueles que chamamos de 'criados à imagem e semelhança de Deus'. No nosso país, a igreja não marcha com Jesus contra os homicídios, a miséria, o abuso de poder, os crimes perpetrados pelo próprio Estado, o dinheiro público que não prioriza o combate à desigualdade social gritante. Compadece-te de nós. Porque Tu não podes suportar ajuntamento solene associado a iniquidade".
Deus nos ouvirá. Perdoará a sua e a minha omissão. E nos levará a viver de tal maneira que, você e eu, seremos perseguidos por causa da justiça.