“Muitos dogmas da Igreja Católica foram perpetuados na Evangélica”, diz rabino

Em entrevista ao Guiame, o rabino messiânico Matheus Zandona afirmou que a Igreja Protestante ainda se vincula à Roma, principalmente em aspectos ligados a Israel.

Fonte: Guiame, Luana NovaesAtualizado: quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018 às 16:58
O rabino Matheus Zandona, vice-presidente do Ministério Ensinando de Sião. (Foto: Ministério Ensinando de Sião)
O rabino Matheus Zandona, vice-presidente do Ministério Ensinando de Sião. (Foto: Ministério Ensinando de Sião)

Embora a Reforma Protestante tenha aberto um novo caminho para os cristãos, algumas ideologias do teólogo Martinho Lutero (1483-1546) provocaram o distanciamento entre evangélicos e judeus.

Um dos grandes registros de suas ideias contra o povo de Israel é o livro "Sobre os judeus e suas mentiras", publicado em 1543, no qual Lutero não apenas desqualifica judeus, como também incita sua perseguição, incluindo o incêndio de sinagogas e imposição de trabalho forçado a rabinos.

Esse tipo de oposição aos judeus não se firmou na Igreja Protestante, mas trouxe algumas influências em seus dogmas, de acordo com o rabino messiânico Matheus Zandona, vice-presidente do Ministério Ensinando de Sião e líder na Sinagoga Har Tzion, em Belo Horizonte (MG).

“A ruptura que apregoou os Cinco Solas não se concretizou porque, teologicamente, muitos dogmas e crenças da Igreja Católica foram perpetuados na Igreja Evangélica, incluindo essa repulsa aos judeus e tudo o que tem aparência de ser judaico, incluindo as proibições dos pais da Igreja Católica em relação ao shabat e as festas de Israel”, disse ele em entrevista ao Guiame durante o 12º Congresso Internacional Restaurando as Raízes da Igreja Rumo ao 1º Século.

“A Igreja Protestante ainda se vincula pelo cordão umbilical à Roma, em aspectos principalmente ligados a Israel e ao povo judeu”, Zandona avalia. “Mas eu creio que a mudança já tem ocorrido, cristãos ao redor do mundo têm manifestado o desejo de se reconectar às suas raízes e à verdadeira identidade de sua fé, cortando aquilo que precisa ser cortado e voltando à prática das primeiras obras”.

O Ministério Ensinando de Sião foi fundado em 1996 pelo rabino Marcelo Guimarães, com o objetivo de levar as Boas Novas de Jesus para os judeus e restaurar as raízes da fé entre os cristãos. Seu trabalho é filiado às maiores organizações judaico-messiânicas no mundo e reconhecido pela União das Congregações Judaico-Messiânicas (UMJC, na sigla em inglês).

Ensino para judeus e gentios

Líderes e membros de diversas denominações cristãs têm procurado o Ensinando de Sião para ampliar sua compreensão sobre as raízes da fé bíblica. “Muitas vezes, o cristão sente o desejo de se reconectar a Israel e até procura uma comunidade judaica tradicional de sua cidade, mas nem sempre consegue ser recebido por causa de vários fatores. A comunidade judaica no geral, devido aos séculos de perseguição, se fechou muito. Não há abertura para o cristão ter relacionamento com o judeu de forma mais íntima numa comunidade judaica ortodoxa”, explica Zandona.


Parte do Congresso foi realizado na Sinagoga Har Tzion, em Belo Horizonte (MG). (Foto: Ministério Ensinando de Sião)

Por outro lado, o ministério destaca que não tem o interesse de pregar o Judaísmo para a Igreja Cristã. “Somos contra judaização de quem não é judeu, somos contra a conversão ao judaísmo, somos contra a circuncisão de quem não é judeu. Nós devemos basear o nosso ensino no mesmo ensino da Igreja do primeiro século. Eles se baseavam na doutrina dos apóstolos e dos profetas. Nós também baseamos a nossa doutrina no ensino apostólico e dos profetas”, esclarece o rabino.

“Nós cremos assim como Paulo ensinou: o judeu deve viver como judeu e o não judeu deve viver como não judeu. Cada um permaneça como foi plantado. O importante é guardar os mandamentos de Deus. Ao mesmo tempo, há uma unidade, porque há muitas práticas, doutrinas e tradições que unem o povo de Deus, comuns a judeus e não judeus”, acrescenta.

Lei e graça

Zandona classifica como errôneo o ensino de que Jesus Cristo anulou a lei e que o Antigo Testamento não se aplica mais aos dias atuais. “[Na Bíblia] nós vemos uma conexão das nações com Israel. Não com aquilo que é judaico, mas com aquilo que faz parte da herança do povo de Deus: as festas e as leis, que hoje são parâmetro de moral e conduta para toda a sociedade ocidental”, afirma. “A lei contém o caráter e o coração de Deus”.

O rabino ainda observa que os ensinos do apóstolo Paulo não são contra a lei, conforme alguns cristão vêm interpretando ao longo dos séculos. “Esse antagonismo foi criado pelos teólogos da igreja histórica e não pelo autor, apóstolo Paulo. Deve-se voltar à compreender Paulo no contexto original, saber a quem ele direcionava aquelas admoestações e entender que ele não tinha dupla personalidade, ele era um só — judeu, fariseu e irrepreensível no tocante à lei de Deus”.

Sobre o evento

O 12º Congresso Internacional Restaurando as Raízes da Igreja Rumo ao 1º Século foi realizado em Belo Horizonte entre 11 e 12 de fevereiro, com o tema “De geração em Geração - Como manter nossa família no Caminho do Eterno”.

O Ensinando de Sião foi fundado em parceria com o rabino israelense Joseph Shulam, uma das maiores autoridades do judaísmo messiânico no mundo, que também foi um dos palestrantes do evento. Shulam foi criado em Israel, mas foi expulso de casa por causa de sua fé em Jesus depois de ser batizado, aos 16 anos de idade. Foi acolhido por cristãos nos Estados Unidos e retornou para Israel aos 20 anos, para se envolver em um estudo rabínico intenso e conhecer mais sobre as tradições judaicas.


Rabinos Marcelo Guimarães, Matheus Zandona e prof. Daniel Stern (acima) e rabinos Jonathan Bernis e Joseph Shulam (abaixo). (Foto: Ministério Ensinando de Sião)

A partir de então, Shulam criou um ministério de ensino chamado Netivyah Bible Instruction Ministry, considerado um dos trabalhos judaico-messiânicos mais antigos de Israel. No início de seu ministério, havia cerca de 50 judeus crentes. Hoje, há cerca de 20 mil judeus messiânicos em Israel e cerca de 350 mil em todo o mundo.

O evento também contou com a participação do rabino americano Jonathan Bernis, presidente do Jewish Voice Ministries International e Daniel Stern, professor de teologia e um dos diretores do ministério Netivyah.

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