The New York Times
Enquanto pré-candidato à presidência assume posições duras para conquistar conservadores, mórmons defendem imigrantes em Utah
Enquanto Mitt Romney adota uma postura firme sobre a imigração, mesmo em um momento no qual a disputa pela candidatura republicana à presidência chega a Estados hispânicos, a Igreja Mórmon parece ter se tornado um fator decisivo em promover políticas que são mais "amigáveis" em relação ao assunto.
A igreja foi fundamental no ano passado na aprovação da controversa legislação do Estado de Utah que criaria um visto de "trabalhador convidado" para permitir que imigrantes ilegais já empregados permanecessem nos Estados Unidos. A igreja também apoiou a Compact Utah, uma declaração que apela para o tratamento mais humanitário dos imigrantes e condena as políticas de deportação que separam as famílias e que têm sido adotada por vários outros Estados.
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Foto: Reuters
A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias é notoriamente relutante em ser vista como participativa em questões políticas. Mas quando o assunto é a imigração, a igreja tem ativamente pressionado os legisladores, enviando o Bispo H. David Burton para participar da assinatura de algumas leis e emitindo uma série de declarações cada vez mais explícitas a favor de permitir que alguns imigrantes ilegais possam permanecer no país e em seus trabalhos.
O endosso da Igreja ajudou a iniciar um debate sobre a imigração em um Estado republicano onde mais de 80% dos legisladores são mórmons. Foi um dos envolvimentos mais evidentes da Igreja na política desde 2008, quando ela se juntou a outras igrejas conservadoras na campanha para aprovar a Proposição 8, que baniu o casamento gay na Califórnia.
"Eles foram decisivos para que a legislação de imigração fosse aprovada", disse Ronald Mortensen, um mórmon que é co-fundador da Coalizão de Utah sobre a Imigração Ilegal, que foi contra a iniciativa. "Foi provavelmente a intervenção mais óbvia feita pela Igreja Mórmon em uma legislação. Eles são geralmente muito mais sutis."
Mórmons em Utah que preferem uma abordagem mais flexível em relação aos imigrantes dizem ter ficado incomodados ao ver Romney se juntar com uma grande parte de seu partido que é anti-imigração e com os membros do movimento conservador Tea Party. Romney rejeitou qualquer proposta de conceder cidadania americana para imigrantes ilegais, dizendo se tratar de "anistia".
Num primeiro momento, ele disse que vetaria o "Drean Act" (ato dos sonhos, em tradução livre), que oferece status legal para jovens imigrantes ilegais nos Estados Unidos desde que eles consigam um diploma universitário ou sirvam nas Forças Armadas. Mais tarde, ele reviu seu posicionamento sobre o assunto e disse que preferia dar o status de legal para aqueles que servissem nas Forças Armadas.
Em contraste, a Igreja Mórmon disse que qualquer reforma relacionada à imigração deve equilibrar os princípios de amar o próximo e manter as famílias intactas com o imperativo de proteger as fronteiras do país e fazer cumprir suas leis.
Oficiais da Igreja não fizeram nenhum esforço para discutir com Romney suas diferenças sobre o assunto e não pretendem fazê-lo, disse Michael Purdy, diretor de relações de mídia para a Igreja, que recusou dar entrevista, mas respondeu algumas perguntas por email. Dois funcionários da campanha de Romney não responderam vários emails enviados solicitando respostas para as perguntas.
Purdy, escreveu: "A posição da Igreja sobre a neutralidade política diz que os candidatos eleitos que fazem parte da Igreja dos Santos dos Últimos Dias devem tomar suas próprias decisões e não necessariamente estar de acordo uns com os outros ou mesmo com uma posição declarada pela Igreja publicamente".
Os mórmons defensores da imigração que conhecem Romney pessoalmente disseram que não sabiam qual era exatamente seu posicionamento sobre a questão. Eles observaram que, quando ele serviu como um bispo mórmon e líder de área em Boston, na década de 1980 e 1990, ele dava sermões a imigrantes da Ásia e da América Latina. Mais tarde, ele teve que explicar o motivo de ter contratado uma empresa de jardinagem que empregava imigrantes ilegais.
Mas eles disseram que entendem que, para conseguir a indicação, Romney tenha de apelar para a ala conservadora do Partido Republicano. E eles disseram que pode ser positivo para ele demonstrar que consegue se separar da posição de sua igreja em algumas questões importantes.
Mark Shurtleff, procurador-geral de Utah e um mórmon que ajudou a redigir a Coalização de Utah, endossou a candidatura de Romney e recentemente participou de um evento com ele, mas não falou sobre a imigração.
"Gostaria de ter a oportunidade de me sentar com ele e explicar", disse ele. "Gostaria de falar para ele que a aplicação da lei é muito positiva e existem até mesmo questões de segurança pública envolvidas para apoiar o Pacto de Utah, além de ser a coisa certa a se fazer."
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O principal rival de Romney para a nomeação republicana, Newt Gingrich, demonstrou uma certa flexibilidade sobre a imigração, mas também não está totalmente sintonizado com a sua Igreja Católica Romana. Bispos católicos apoiam o "Dream Act" e defendem a reforma da imigração, incluindo a cidadania americana para os11 milhões de imigrantes ilegais do país; Gingrich disse que ele apoia apenas "metade" da “Dream Act” - a parte do serviço militar.
O Pacto de Utah foi concebido como um contra-ataque à lei de imigração rigorosa aprovada no Arizona, em 2010, que ampliou o poder da polícia para deter qualquer pessoa suspeita de estar no país ilegalmente. Os princípios do pacto exigem soluções federais para a reforma da imigração, políticas que defendam as famílias e mais liberdade individual, o reconhecimento da contribuição dos imigrantes para a economia e para que a polícial local se preocupe em lidar com crimes e não apenas com a implementação das leis de imigração.
Em Utah, a Câmara de Comércio e a Igreja Católica Romana foram os primeiros a defender o Pacto, mas depois de muitas discussões os líderes da Igreja Mórmon eventualmente o apoiaram também, disse Shurtleff. A igreja tem enfrentado a ira de alguns dos seus membros, incluindo legisladores, que são contra o pacto.
Um dos primeiros oficiais do governo a ficar a favor da lei do Arizona foi Russell Pearce, um mórmon que serviu como presidente do Senado Estadual. Em novembro, Pearce foi substituído por Jerry Lewis, que também é mórmon, mas que era contra a lei de imigração. Mórmons no Arizona disseram que o apoio de sua igreja para o Pacto de Utah foi o ponto decisivo para eles na eleição.
A Igreja Mórmon tem vários de motivos para sua posição em relação à imigração: ela está ansiosa para ser vista de uma maneira positiva pelos hispânicos nos Estados Unidos, no México e na América Latina, onde está conseguindo novos fiéis, e se identifica com a experiência de ser um imigrante, tendo que fugir de uma perseguição antes de se instalar no Utah, e coloca um primeiro lugar o princípio de manter as famílias intactas, nesta vida e na próxima.
Paul Edwards, editor do The Deseret News, um jornal da igreja afiliada em Utah, disse: "Santos dos Últimos Dias, por causa de sua história de perseguição e pela maneira na qual estão sendo despojados de seus meios de subsistência e propriedades, tenham compaixão e compreensão" com os imigrantes.
Charlie Morgan, um sociólogo que estuda a imigração na Universidade de Brigham Young, uma universidade da igreja em Provo, disse: "Uma doutrina que separa a Igreja Mórmon dos outros é uma família eterna. Você se casa em um templo e você está comprometido a ele por toda eternidade."
A questão não é puramente espiritual. Estima-se que 70% dos latinos convertidos em Utah sejam imigrantes ilegais, disse Tony Yapias, diretor de um grupo em defesa da imigração, Proyecto Latino de Utah, que é mórmon.
"No ano passado tivemos alguns membros de alto escalão - um presidente de uma organização e outro de uma filial mormón - que foram deportados", disse ele. "As pessoas vivem com medo e, finalmente, existe um sinal de esperança para eles."
Por Laurie Goodstein