A teologia pentecostal por muito tempo ficou à margem da intelectualidade teológica e acadêmica, por ser considerada uma teologia menor, proveniente de um movimento periférico. Hoje, contemplamos um movimento diferente: a teologia pentecostal tem ganhado espaço, popularidade e credibilidade através da internet.
Em entrevista exclusiva ao Guiame, o teólogo e pastor pentecostal Ciro Zibordi avalia que, atualmente, existem mais teólogos acadêmicos pentecostais que, através das redes sociais, estão dando visibilidade à teologia pentecostal. “Mais e mais pastores, pregadores, professores, teólogos, apologistas, formadores de opinião e sobretudo jovens (irmãos e irmãs) estão sabendo usar melhor as redes sociais”, explicou Zibordi.
Para o teólogo, o preconceito com a teologia pentecostal por grupos teológicos dominantes surgiu do estigma de que cristãos pentecostais não possuem interesse no estudo das Escrituras. “Os pentecostais, no início, cresceram muito mais entre pessoas simples, em lugares onde as igrejas elitistas jamais quiseram se estabelecer. E isso fez com que se criasse esse estigma de que pentecostal não gosta de estudar”.
Ciro Zibordi afirma que, apesar desta barreira já estar sendo quebrada, “ainda há quem menospreze os teólogos pentecostais. Essa acusação [do movimento pentecostal não ter uma boa teologia], geralmente, parte de um grupo que se considera dominante em termos de teologia, o qual ainda vive num passado remoto”.
O movimento pentecostal sempre teve uma boa teologia, pondera o pastor, citando o exemplo da Igreja Assembleia de Deus, a maior denominação pentecostal do mundo. “A Assembleia de Deus, uma igreja pentecostal com quase 110 anos — cuja editora (com 81 anos) tem como slogan ‘A editora da Escola Bíblica Dominical’ —, há muitas décadas mantém o equilíbrio entre a vida de devoção e o estudo teológico”.
“Nossa primeira Declaração de Verdades Fundamentais, da Assembleia de Deus dos Estados Unidos, é de 1916. Em 2017, a CGADB (Convenção das Assembleias de Deus no Brasil) lançou a Declaração de Fé das Assembleias de Deus, que é uma versão brasileira em perfeita sintonia com a primeira”, argumenta Ciro.
História e credo do Movimento Pentecostal
Para o pentecostalismo, as ministrações dos dons espirituais continuam até os dias de hoje. (Foto: Tiago Bertulino/CPAD).
De acordo com Ciro Zibordi, o Movimento Pentecostal é parte do cristianismo histórico e iniciou no primeiro século: “O fundador da Igreja Pentecostal é o próprio Senhor Jesus. Mas o reavivamento da fé pentecostal ocorreu, de fato, no início do século XX, tendo alguns precursores nos séculos anteriores”.
O teólogo explica que os pentecostais defendem as mesmas doutrinas fundamentais constantes nos credos, porém o verdadeiro pentecostalismo possui suas marcas distintas. “Ele é caracterizado pela defesa das ministrações do Espírito mencionadas no Novo Testamento, especialmente no livro de Atos dos Apóstolos, que, para nós, não é apenas um livro descritivo ou narrativo. Lucas, como teólogo, claramente nos apresenta um padrão de como o Espírito Santo age na Igreja e por meio dela”, afirma Zibordi.
Pastor da Assembleia de Deus, Ciro esclarece o credo da igreja pentecostal: “Desde a sua primeira década, a Assembleia de Deus no Brasil tem um bordão que resume nossa confissão de fé: ‘Jesus Cristo salva, batiza no Espírito Santo, cura e breve voltará’”.
Atuação do Espírito Santo: batismo e dons espirituais
Para o pentecostalismo, as ministrações dos dons espirituais continuam até os dias de hoje e o batismo no Espírito Santo é considerado um revestimento de poder para a pregação do evangelho, que ocorre depois da salvação, com a evidência inicial do falar em línguas estranhas.
Zibordi explica que o batismo no Espírito Santo está associado a duas doutrinas: a separabilidade e a subsequência.
“A primeira nos ensina que o batismo no Espírito é diferente da salvação; está separado dela, ao contrário do que ensinam os irmãos cessacionistas, que não creem na continuação das ministrações do Espírito Santo conforme as vemos em Atos dos Apóstolos”, diz o teólogo.
Em relação à segunda doutrina, ele afirma que: “A subsequência nos ensina que o batismo no Espírito, na linha do tempo de Deus, ocorre depois da salvação. Daí ser um revestimento de poder. O pecador primeiro é vestido com vestes de justiça (justificação, regeneração e santificação), para, depois, receber uma nova roupa, que representa o poder do Espírito para pregar o Evangelho (Lc 24.49; cf. At 1.8; Mc 16.15-18)”.
Sobre o Movimento Pentecostal crer e pregar a atualidade dos dons espirituais, Ciro declara que: “Isso para nós é muito claro, pois não vemos Atos dos Apóstolos como um livro meramente descritivo. Aliás, temos nessa obra lucana, além da clara intenção de Lucas (historiador e teólogo) em apresentar termos e conceitos teológicos, quatro pregações de Pedro, sete discursos de Paulo e o maior de todos os discursos desse livro, o de Estêvão. E é justamente em um desses sermões com conteúdo teológico que encontramos a ênfase de que o ocorrido no dia de Pentecostes diz respeito “a tantos quantos Deus, nosso Senhor, chamar” (At 2.39)”.
O teólogo também argumenta: “Além disso, em 1 Coríntios 13.10, Paulo prescreve que as ministrações do Espírito perdurarão até que venha o que é perfeito, numa clara referência à Segunda Vinda do Senhor (cf. 1 Jo 3.1-3). Finalmente, em Efésios 4.11-13, esse mesmo apóstolo afirma que o Senhor Jesus nos deu dons ministeriais que permanecerão “até que todos cheguemos à unidade da fé e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo”.
Valorizando a experiência, mas priorizando as Escrituras
Questionado sobre como as experiências espirituais se relacionam com a autoridade das Escrituras, Ciro Zibordi responde que devemos julgar as nossas experiências à luz das Escrituras, e não a Bíblia à luz das experiências.
“Valorizamos a experiência, mas priorizamos as Escrituras. Elas, e somente elas, são a Palavra de Deus inspirada e preservada por Deus. Nossas experiências precisam ser examinadas, julgadas. Não servem para fundamentar doutrinas. Estas derivam, única e exclusivamente, da Bíblia”, afirma o pastor.
Os pentecostais valorizam o quadrilátero wesleyano, que é formado por Bíblia, tradição, razão e experiência. “A Bíblia é nossa fonte primacial de autoridade, enquanto os outros três são secundários”, esclarece Ciro e finaliza “por isso, nosso método preferido de interpretação das Escrituras é o gramático-histórico, aquele que tem um pressuposto inegociável: a Bíblia é a Palavra de Deus”.
Ciro comenta que hoje existe uma tendência, por parte de alguns teólogos pentecostais, de querer equiparar as experiências à Bíblia: “Eles chegam a afirmar que existe Palavra de Deus fora da Bíblia! Isso é um grande engano”.
Atualmente, há uma defesa pelo pentecostalismo clássico em distinção a novas vertentes pentecostais, como o neopentecostalismo.
Teólogos, que são influenciadores digitais, têm feito defesa ao pentecostalismo genuíno, nas redes sociais, e igrejas promovem campanhas de valorização do movimento. Por exemplo, a Assembleia de Deus, abordou o tema em suas Lições Bíblicas, no primeiro semestre desde ano, e lançou a campanha “A promessa” pelo resgate do verdadeiro pentecostalismo.
Segundo Zibordi, existe distinção entre pentecostalismo e neopentecostalismo: “No meio acadêmico, alguns teóricos, no campo das ciências sociais, gostam de colocar pentecostalismo, neopentecostalismo e outros movimentos carismáticos no mesmo bojo, chamando tudo de “pentecostalismos”. Prefiro manter a distinção entre pentecostalismo e neopentecostalismo, pois considero o segundo um movimento pseudopentecostal, sem ligação com o primeiro”.
O teólogo conceitua o movimento neopentecostal como “um movimento sem teologia definida, de modo geral, haja vista sua fonte primária de autoridade não ser as Escrituras, e sim as experiências. Em razão disso, dá grande ênfase para heresias e modismos, como Teologia da Prosperidade, a Confissão Positiva e manifestações exóticas”.
Ele pondera ainda que algumas igrejas pentecostais se “neopentecostalizaram”, perdendo suas raízes do Movimento Pentecostal tradicional.