Na final da Copa do Mundo de 2018, realizada na Rússia, o comentarista esportivo e ex-jogador Casagrande fez uma revelação ao vivo ao colega Galvão Bueno.
“Galvão, essa é a Copa mais importante da minha vida! Tive uma proposta de chegar aqui pela primeira vez numa Copa do Mundo sóbrio, permanecer sóbrio e voltar pra minha casa sóbrio”, declarou Casagrande. “Então, eu tô muito feliz”, sussurrou, antes de começar a chorar.
Essa passagem marca o início do livro “Travessias”, o terceiro de uma trilogia sobre a sua vida escrita com o amigo e jornalista Gilvan Ribeiro, que aborda os caminhos que percorreu até se livrar das drogas, a ressocialização depois de anos no vício, as histórias de amor, os dramas e surtos psicóticos e, além de tudo, o apetite pela vida que o levaram a experiências extremas que o deixaram no limite da sanidade e da sobrevivência.
“Não tinha preparado nada. Não imaginava nada. O que aconteceu foi, assim, acabou a Copa, recebeu o troféu e começaram a comemorar, indo para lá, para cá, dar a volta olímpica, a torcida vibrando. Aquilo me emocionou e veio na minha cabeça o que eu tinha falado para a série do Fantástico (programa da TV Globo) que eu ia para a Copa sóbrio, ia ficar sóbrio e ia voltar sóbrio. Que era um objetivo meu. Ali eu percebi que tinha conseguido o meu objetivo. Por isso foi de coração mesmo, foi emocionante, porque eu falei mesmo naquele momento, naquela hora, esse pensamento”, revelou Casagrande em entrevista ao Estadão.
“Travessias” vem depois de Casagrande expulsar seus demônios e contar a sua história de amizade com Sócrates, companheiro de Corinthians na década de 80.
No livro considerado mais íntimo dos três lançados, o ex-jogador mostra como nunca antes o seu lado mais humano. Como em um trecho onde expõe o medo e as visões que teve em um dos momentos mais delicados da vida e afirma que viu o demônio dentro da própria casa.
“Comecei a ter visões de demônios na minha casa. Eu via uma sombra no banheiro. Aí, eu ia pra sala, tinha a cara do demônio no sofá. Isso acordado, sem droga nenhuma. Eles começavam a aparecer às seis da tarde em ponto, antes de eu beber. Sentia algo me pegando, me arranhando as costas. (…) Um dia, um demônio passou andando na minha frente; com cara de gente, cabelo amarelo, de calça jeans e tudo. Eu tava muito assustado. Corri pra internet e coloquei a Bíblia falada pelo Cid Moreira. Deu uma apaziguada no ambiente”, conta um trecho do livro.
Recuperação do vício
Casagrande só tem o que agradecer aos amigos, pela vida e pelo livro. “Os meus amigos são importantes desde o início que eu conheci para fazer o livro. Amizade pura, ali é respeito mútuo, admiração de todos, por todos. Passamos muitas coisas juntos e são importantes no livro porque ele conta essa parte da minha recuperação, do meu tratamento, da minha evolução no tratamento, da minha sobriedade. E eles participaram disso do começo ao fim porque conversava com eles o tempo todo”, afirmou.
O ex-jogador usou drogas por 37 de seus 57 anos. Teve quatro overdoses, a primeira delas aos 42. Viveu, também, surtos psicóticos com visões do demônio, depressão, várias recaídas e tristíssimos rompimentos familiares. A dependência acabou com um casamento de 20 anos e faz, ainda hoje, com que ele tenha uma relação distante com filhos e netos.
Atualmente, Casagrande dá palestras sobre o combate ao vício, apoio em sessões de terapia coletiva e, junto com psicólogos, leva dependentes químicos em tratamento para jantares, shows e até mesmo casas noturnas. Resolveu fazer esse trabalho para ajudar gente que passa pela mesma situação que ele conhece bem.
“Faz tempo que faço palestras. Participei de um projeto que tem no Ceará, que é o “Ceará sem drogas”. Foram quatro anos viajando por todas as cidades do Ceará conversando com garotos de 12 a 18 anos. Às vezes a cidade toda ia para a palestra. Eu faço palestra também aqui em São Paulo nas escolas, fiz em universidades, no (hospital Albert) Einstein, na parte de psiquiatria. Isso aí não vou parar nunca. Minha missão é essa: passar a minha história pra frente, passar minha opinião pra frente. É isso que vou fazer”, revelou Casagrande ao Estadão.