Cozinheira que salvou 60 alunos no massacre de Suzano é pastora

Silmara Moraes é pastora evangelista e mãe de três jovens. Ela juntava latas de refrigerante para comprar tempero para a merenda da escola Raul Brasil.

Fonte: Guiame, com informações do EstadãoAtualizado: quarta-feira, 20 de março de 2019 às 14:30
Depois da tragédia em Suzano, Silmara quer ajudar a reerguer a escola Raul Brasil. (Foto: Priscila Mengue/Estadão)
Depois da tragédia em Suzano, Silmara quer ajudar a reerguer a escola Raul Brasil. (Foto: Priscila Mengue/Estadão)

A mulher que salvou cerca de 60 adolescentes usando um freezer para impedir a entrada de atiradores no refeitório da Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano, passou a ser conhecida como uma heroína.

Antes da tragédia, Silmara Moraes, de 49 anos, era apenas conhecida como “pastora” da Assembleia de Deus e a “tia da merenda” entre os alunos. Hoje ela se tornou a “Silmara Maravilha”, como é lembrada nas redes sociais e até mesmo em um grafite.

Há 10 anos no Raul Brasil, Silmara lembra de todos os alunos que passaram pela escola. No momento do ataque, ela puxou o freezer que tinha rodinhas até a entrada do refeitório. Depois, fez a barricada com uma das mesas, com a ajuda das duas colegas de cozinha, Sandra e Lisete.

“Ainda não caiu a ficha. Eu não vejo por esse lado, como uma heroína. Eu vejo assim, como um coração de amor. Eu faria isso em qualquer lugar que estivesse, acho que seria essa a minha reação, pelo amor que tenho àquele lugar”, disse Silmara ao Estadão.

Na terça-feira (17), na volta dos alunos à escola, a cozinheira foi recebida por muitos abraços de quem nem sabia que tinha salvado. “Segunda não foi bom chegar ali, deu um apertinho no coração. Mas hoje, quando chegaram os alunos, foi bom. Uns vinham, choravam, abraçavam, agradeciam. Foi um momento muito bom, saber que vão voltar”, afirma.

No dia do velório, Silmara lembra que viu uma mãe dizendo: “Levanta filho, levanta daí”. “Comecei a chorar muito. Ela levantou a cabeça e perguntou porque não salvei o filho dela. Eu queria ter salvado todos que estavam ao meu alcance, mas não consegui. A gente tinha de agir rápido”, lembra.

Mãe, esposa e pastora

Silmara sempre morou em Guaianases, distrito do extremo leste da cidade de São Paulo. Foi lá que criou os três filhos, entre 18 e 26 anos, fruto de um casamento que já dura 27 anos com um pastor da Assembleia de Deus.

Na igreja, foi voluntária durante 30 anos no departamento infantil, onde foi professora da escola dominical além de ter outras funções. “Até hoje me chamam de Tia Sil. Tenho alunos que já estão casados e que cheguei a dar aula para os filhos”, conta.


Estudantes e moradores em abraço simbólico em homenagem às vítimas do ataque na escola Raul Brasil. (Foto: Reuters/Ueslei Marcelino)

Ela também foi regente do ministério de louvor e atuou na “Obra de Amor”, em que ajudava, por exemplo, a recolher itens para o enxoval de mães carentes. “A mãe tinha bebê e não tinha roupa nem para a saída do hospital”, conta. Hoje, Silmara é evangelista.

Depois de dar à luz o primeiro filho, Marcos Paulo, Silmara deixou o trabalho em uma gráfica e passou a vender coxinhas caseiras e arranjos de flores. “Depois que eles cresceram, decidir fazer o concurso para a Prefeitura [de Suzano]. Tinha terminado o ensino médio fazia muito tempo, então pensei que não iria passar. Fiz em 2006. Demorou, mas me chamaram e comecei em março de 2009 no Raul Brasil”, lembra.

“Determinei que iria entrar como merendeira. Mas o meu objetivo não é morrer como merendeira, é algo mais. A gente vai ficando, se envolvendo”, ela conta. “A gente tem que abrir mão para ajudar os filhos”.

Na escola, a comida de Silmara ficou conhecida pelo tempero. Grande parte da salsa, orégano e outras ervas que usa para cozinhar são compradas com o dinheiro que arrecadam da venda de latas de refrigerante, que são coletadas em uma lixeira perto do refeitório.

Além disso, no ano passado, professores e alunos criaram uma horta do pátio, de onde vem manjericão e outros ingredientes. “Os alunos acham isso fenomenal. Falam: ‘Pô, tia, está da hora, não existe tia melhor’. Pra gente, é o maior prazer, motiva”, destaca.

Muitos alunos que estudam no centro de línguas no período da tarde levam marmitas para o almoço. Em alguns casos, contudo, a comida é insuficiente para as crianças. “A gente vê muito isso, que tem crianças carentes”, conta. “Como o potinho geralmente é transparente. dá para ver. Quando a gente vê que não tem mistura, a gente abre e coloca mistura lá dentro e deixa para a hora que eles vêm comer”.

Agora que já ajudou no casamento de Marcos Paulo e sua outra filha, Aline, está prestes a casar, poderá investir no sonho de fazer uma faculdade de Serviço Social. “Quando você trabalha, vê a necessidade das pessoas. Na assistência social, vou poder ajudar mais gente, ter um número maior para atingir. É a minha cara”.

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