Após 7 meses de negociações, o projeto de lei que regulamenta o ensino domiciliar no Brasil está próximo de ser votado.
A previsão era que a proposta entrasse em pauta na semana passada, com um texto que prevê muitas regras e limitações para a modalidade de ensino, como a exigência de formação superior dos pais que adotarem o homeschooling para os filhos.
O avanço da tramitação do projeto aconteceu após o fechamento de acordo entre a relatora do PL, a deputada Luisa Canziani (PTB-PR), com a Casa Civil e a Secretaria de Governo. O texto base foi apresentado em maio pela relatora e desde lá tem sido negociado com o governo.
O texto da proposta prevê que as crianças na modalidade de homeschooling deverão continuar matriculadas em uma escola, que fará a supervisão da frequência nas aulas e avaliará anualmente o desempenho dos estudantes. Além disso, o conteúdo ensinado pelos pais ou tutores particulares devem estar de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Agora, a versão do texto negociada com a Casa Civil possui duas novidades. Uma é a previsão de um período de adaptação para pais que não possuem formação superior. Nos três primeiros anos da lei, a família deverá comprovar a matrícula em qualquer curso em uma universidade, a presença e a conclusão do curso.
A segunda novidade é de que o Conselho Nacional de Educação delibere sobre as diretrizes nacionais para a educação domiciliar, propostas pelo MEC.
Uma das preocupações dos especialistas em educação é que, se não haver proteções devidas, a educação domiciliar possa ser utilizada como fachada para esconder o trabalho infantil ou até exploração sexual.
Entretanto, para Claudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV/RJ, o relatório possui proteções importantes. “É preciso, por exemplo, seguir a BNCC. Tem que ter uma escola de referência, como ele prevê. São questões positivas. O relatório foi construído a muitas mãos, inclusive, com a participação do governo, e é extremamente equilibrado”, avaliou em entrevista ao O Globo.
Necessidade de regulamentação
No Brasil, a Constituição Federal estabelece que a educação é “dever do Estado e da família” e, desde 2013, a Lei de Diretrizes e Bases Educacionais (LDB) exige que pais ou responsáveis matriculem os filhos em escolas da educação básica a partir dos quatro anos de idade. Até 2013, a idade mínima era 6 anos.
Já o Código Penal define como crime de abandono intelectual deixar, sem justa causa, uma criança de 6 a 14 anos fora da escola. Pais que não matriculem e cobrem a presença dos filhos na escola podem ser punidos com detenção de 15 dias a 1 mês ou multa.
Em 2018, o STF considerou que o homeschooling é constitucional, porém ainda é preciso uma legislação que o regulamente. O Projeto de Lei 3179/12, do deputado Lincoln Portela (PL-MG), e outras sete propostas estão em tramitação na Câmara dos Deputados – algumas para permitir a educação domiciliar, como o Projeto de Lei 2401/19, enviado pelo próprio governo, e outras para proibi-la.
Em defesa da educação domiciliar
O ministro da Educação, Milton Ribeiro e a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves defendem a regulamentação da educação domiciliar.
Damares Alves observou que muitas famílias que já adotam o ensino domiciliar têm enfrentado problemas na justiça, com pais correndo o risco de perder a guarda dos filhos por falta de matrícula em escolas tradicionais.
“Cito o caso dos dois jovens de 13 anos de Minas Gerais que foram educados pelos pais e acabaram aprovados em vestibular. Eles não ficaram conhecidos por isso, mas pelo fato de os pais estarem sendo processados por educá-los em casa”, disse a ministra.
Relatando abusos sofridos na infância, Damares Alves disse ainda que o homeschooling não tem relação com casos de violência e abusos contra crianças. “Fui abusada dos 6 aos 8 anos. E eu estava na escola. A escola não leu os sinais que eu estava mandando”, disse.