Descendentes de judeus expulsos de Portugal por causa da Inquisição poderão receber visto de cidadania portuguesa: um direito previsto em lei desde 2015 e cada vez mais procurado por brasileiros.
Cerca de 50 mil brasileiros descendentes dos judeus sefarditas já registraram pedido para receber o passaporte.
Além de ser de idade maior e de jamais ter sido condenado por um crime cuja pena em Portugal seja superior a três anos de prisão, quem pleiteia a nacionalidade precisa apresentar provas de ser descendente da comunidade sefardita, que foi perseguida e expulsa do país durante a Inquisição, no século 16.
Os requerentes devem apresentar informações genealógicas que comprovam a ligação do grupo expulso da Península Ibérica. Esse material então é submetido a avaliação de especialistas de uma comunidade judaica em Portugal — atualmente, a comunidade israelita do Porto e a Comunidade Israelita de Lisboa são as entidades aprovadas para emitir o certificado exigido pelo governo.
As autoridades também aceitam documentos que comprovem a conexão com alguma comunidade judaica sefardita de ascendência portuguesa em outras partes do mundo. De posse do certificado, é possível enfim fazer o pedido de naturalização junto ao Ministério da Justiça de Portugal.
Especialista
Especialista em pedidos de nacionalidade para descendente de judeus sefarditas, advogada Raphaela Souza diz que as etapas de levantamento de documentação são burocráticas, mas que o processo em si é simples. “E as autoridades portuguesas têm se mostrado muito comprometidas com a iniciativa, uma forma de reparação histórica”, diz ela, sócio da consultoria jurídica Portugal para todos.
A Inquisição foi criada em Portugal em 1536 e perseguiu especialmente os chamados cristãos novos (judeus forçados à conversão religiosa), suspeitos de secretamente praticar sua antiga fé. O sistema permaneceu vigente por quase três séculos e chegou ao fim em 1821.
Para aproveitar a busca documental, a nutricionista carioca Juliana Negry e vários familiares optaram por fazer o processo simultaneamente, uma opção comum para muitos dos que pleiteiam a nacionalidade. “Entramos eu, minha mãe, meu tio, minha prima. Como a gente tem de fazer a árvore genealógica e todas essas coisas relacionadas a história da família, resolvemos fazer tudo de uma vez.”
Etapa fundamental para os processos de nacionalidade, o estudo genealógico dos candidatos – e a montagem do dossiê para avaliação das comunidades israelitas portuguesas – pode ser feito por conta própria ou com auxílio de assessoria profissionais.
Informações
Há diversos genealogistas que, nos últimos anos, especializaram-se no levantamento de informações sobre os descendentes de judeus sefarditas brasileiros. Esses serviços costumam custar entre 100 euros (cerca de R$ 612) e 500 euros (R$ 3.600), dependendo do grau de complexidade.
Existem vários fóruns especializadas no tema, incluindo grupos no Facebook e canais no YouTube que reúnem indicações de documentos para quem deseja fazer um estudo genealógico por conta própria. Sites que compilam informações genealógicas e familiares, como Family Search, também são aliados na busca pelas origens perdidas.
Com a lei em vigor há mais de cinco anos, as comunidades sefarditas portuguesas já têm validadas diversas linhagens de descendência no Brasil. Assim, o processo de comprovação da ancestralidade muitas vezes acaba simplificado, já que é possível fazer uma busca entre os ancestrais reconhecidos.
Em 2015, o governo português publicou um decreto com uma lista de alguns dos sobrenomes comuns dos descendentes de judeus sefarditas e dos chamados cristãos-novos.
Sobrenomes
A relação inclui alguns dos nomes mais populares entre as famílias brasileiras.
Abrantes, Aguilar, Almeida, Álvares, Amorim, Andrade, Avelar, Azevedo, Barros, Basto, Belmonte, Brandão, Bravo, Brito, Bueno, Cáceres, Caetano, Campos, Cardoso, Carneiro, Carvajal, Carvalho, Castro, Crespo, Coutinho, Cruz, Dias, Dourado, Duarte, Elias, Estrela, Ferreira, Fonseca, Franco, Furtado, Gaiola, Gato, Gomes, Gonçalves, Gouveia, Granjo, Guerreiro, Henriques, Josué, Lara, Leão e Leiria.
Além de: Lemos, Lobo, Lombroso, Lousada, Lopes, Macias, Machado, Machorro, Martins, Marques, Mascarenhas, Mattos, Meira, Melo e Prado, Mello e Canto, Mendes, Mendes da Costa, Mesquita, Miranda, Montesino, Morão, Moreno, Morões, Mota, Moucada, Negro, Neto, Nunes, Oliveira, Osório (ou Ozório), Paiva, Pardo, Pereira, Pessoa, Pilão, Pina, Pinheiro, Pinto, Pimentel, Pizarro, Preto, Querido, Rei, Ribeiro, Rodrigues, Rosa, Sarmento, Salvador, Silva, Soares, Souza, Teixeira, Teles, Torres, Vaz, Vargas e Viana.
Com base na divulgação dos sobrenomes, começaram a circular notícias falsas afirmando que a existência de um desses nomes na certidão de nascimento já seria suficiente para ter direito à nacionalidade portuguesa.
A lista, na verdade, é apenas uma referência: não dá direito à nacionalidade nem significa que pessoas com outros sobrenomes não sejam descendentes dos sefarditas expulsos.
A quantidade crescente de pedidos aliada à mudança das regras da vizinha Espanha, que em 2019 encerrou a concessão de nacionalidade para judeus expulsos da Inquisição, tem levado a pressões de alguns setores para a mudança das regras também Portugal.
Dos cerca de 180 mil pedidos de nacionalidade portuguesa em 2019, aproximadamente 14% foram por esse motivo. Em 2020, o governo chegou a cogitar a exigência de pelo menos dois anos de residência em Portugal, antes de concessão da nacionalidade, mas o Executivo acabou desistindo do projeto.