Dois mil brasileiros participarão dos testes para vacina contra a Covid-19 desenvolvida pela Universidade de Oxford. A estratégia faz parte de um plano de desenvolvimento global, e o Brasil será o primeiro país fora do Reino Unido a começar a testar a eficácia da imunização contra o Sars CoV-2.
Para ser conduzido no Brasil, o procedimento foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com o apoio do Ministério da Saúde. Aplicação começa em junho no Brasil, agora considerado epicentro da pandemia.
Em São Paulo, os testes serão feitos em mil voluntários e conduzidos pelo Centro de Referência para Imunológicos Especiais (Crie) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A Fundação Lemann está financiando a estrutura médica e os equipamentos da operação.
Os voluntários serão pessoas na linha de frente do combate ao coronavírus, com uma chance maior de exposição ao Sars CoV-2. Eles também não podem ter sido infectados em outra ocasião. Os resultados serão importantes para conhecer a segurança da vacina.
Testes já começaram no Reino Unido
Com a previsão otimista de ficar pronta ainda em 2020, a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford ofereceu proteção em um estudo pequeno com seis macacos, resultado que levou ao início de testes em humanos no final de abril.
Em humanos, os testes têm apenas 50% de chance de sucesso. Adrian Hill, diretor do Jenner Institute de Oxford, que se associou à farmacêutica AstraZeneca para desenvolver a vacina, disse que os resultados da fase atual, envolvendo milhares de voluntários, podem não garantir que a imunização seja eficaz e pede cautela.
A vacina já está sendo aplicada em 10 mil voluntários no Reino Unido. A dificuldade para provar a possível eficácia está no fato de os cientistas dependerem da continuidade da circulação do vírus entre a população para que os voluntários sejam expostos ao coronavírus Sars-Cov-2.
Outras vacinas em andamento
Relatório publicado no site da Organização Mundial de Saúde (OMS) com dados até esta terça-feira (2) mostra que estão em desenvolvimento pelo menos 133 candidatas a vacina, sendo que dez delas estão na fase clínica, ou seja, sendo testadas em humanos.
Embora os estudos avancem em todo o planeta, muitos especialistas acreditam que a vacina não estará disponível em 2020. Projeções otimistas falam num prazo de 12 a 18 meses, que já seria recorde. A vacina mais rápida já criada, a da caxumba, levou pelo menos quatro anos para ficar pronta.
Outra hipótese contra a qual todos os pesquisadores lutam é a de que uma vacina efetiva e segura nunca seja encontrada. O vírus do HIV, que causa a Aids, é conhecido há cerca de 30 anos, mas suas constantes mutações nunca permitiram uma vacina.
"Está todo mundo muito otimista, mas estudo de vacina é algo muito complicado. A maioria deles para na fase 3, de testes clínicos, pelos problemas que aparecem. É importante discutir essa possibilidade (de não se ter uma vacina)", admite Álvaro Furtado Costa, médico infectologista do HC-FMUSP.
Gustavo Cabral, imunologista que lidera um estudo na USP e no Incor concorda: “A vacina é o melhor caminho profilático (preventivo), mas não é o único caminho, há também os tratamentos. Para o HIV não há vacina e as pessoas que têm o vírus podem ter uma vida normal. Sabemos que aproximadamente 80% das pessoas infectadas com o Sars-CoV-2 não desenvolvem a Covid-19 ou têm sintomas leves. O problema são os outros 20% e o risco de fatalidade, hoje de 6%. Mas há centenas de estudos sobre medicamentos neste momento”, disse.
A busca pela vacina
Para chegar a uma vacina efetiva, os pesquisadores precisam percorrer diversas etapas para testar segurança e resposta imune. Primeiro há uma fase exploratória, com pesquisa e identificação de moléculas promissoras (antígenos). O segundo momento é de fase pré-clínica, em que ocorre a validação da vacina em organismos vivos, usando animais (ratos, por exemplo). Só então é chegada à fase clínica, em humanos, em três fases de testes:
Fase 1: avaliação preliminar com poucos voluntários adultos monitorados de perto;
Fase 2: testes em centenas de participantes que indicam informações sobre doses e horários que serão usados na fase 3. Pacientes são escolhidos de forma randomizada (aleatória) e são bem controlados;
Fase 3: ensaio em larga escala (com milhares de indivíduos) que precisa fornecer uma avaliação definitiva da eficácia/segurança e prever eventos adversos; só então há um registro sanitário.
Depois disso, as agências reguladoras precisam aprovar o produto, liberar a produção e distribuição. Das dez vacinas em testes em fase clínica, algumas aparecem em estágio mais avançado, como a desenvolvida por Oxford, em fase 3.
A vacina do Reino Unido é produzida a partir de um vírus (ChAdOx1), que é uma versão enfraquecida de um adenovírus que causa resfriado em chimpanzés. A esse imunizante foi adicionado material genético usado para produzir a a proteína Spike do SARS-Cov-2 (que ele usa para invadir as células), induzindo a criação de anticorpos.