Bernard Suwa passou sua infância como refugiado durante a guerra civil no Sudão. Quando tinha 16 anos, ele se tornou órfão e sem-teto, chegando a considerar o suicídio. No entanto, Deus tinha outros planos para sua vida. Hoje, o Reverendo Suwa é líder da Grace Community Church em Juba, onde apoia missionários que trabalham na reconstrução de seu país querido.
“Até os sete anos de idade, vivi pacificamente com minha família no sul do Sudão, mas em 1964 isso mudou.”
Ele conta que a primeira Guerra Civil Sudanesa atingiu a aldeia onde vivia, obrigando-o a fugir com a família de sua irmã para Uganda. “Começamos nossa jornada de 35 quilômetros a pé, mas como a estrada principal estava infestada de soldados, tivemos que acessar a fronteira por outro caminho”, diz.
“Quando cruzamos o rio para Uganda, meu cunhado me colocou atrás de sua cabeça, minha sobrinha bebê estava sobre seu ombro e sua mão direita arrastou minha irmã pelas águas furiosas”, detalha.
Ele diz que acabaram ficando em Gulu, mas o resto da família se estabeleceu em Elegu perto da fronteira, ficando separados.
Órfão adolescente
Segundo Suwa, naquela época os refugiados não tinham tendas, por isso eles precisaram construir a própria cabana. “As autoridades de Uganda nos deram facões para cortar madeira e enxadas para cavar a terra – era tudo o que tínhamos. Fizemos uma cabana de barro com telhado de palha para morar”, conta.
Aos 12 anos, Suwa soube que seu pai havia morrido. Ele diz que as autoridades queriam realocar os refugiados mais perto da fronteira e começaram a removê-los. “Meu pai tinha asma grave e não conseguia sair, mas os soldados ainda o colocaram em um caminhão. Ele morreu de um ataque de asma”, relembra.
Quando ele tinha 15 anos, uma esperança surge com a assinatura do Acordo de Paz de Adis Abeba, que sinalizava a esperança deles voltarem para casa. “Mamãe decidiu que era hora de partir”, conta.
“Meus irmãos voltaram ao Sudão primeiro para construir cabanas para nossa família. Meu trabalho era cuidar dos pertences da família enquanto minha mãe buscava transporte para repatriação. Mas era tão caótico e lento que minha mãe decidiu que seria mais rápido caminhar sozinha pela fronteira por 35 quilômetros”, diz.
Quando ela cruzou o rio para o Sudão, os militares, que estavam escondidos no mato, a alcançaram, a estupraram e a deixaram para morrer.
“Meus irmãos no Sudão pensaram que minha mãe estava comigo e eu pensei que ela estava com eles. Duas semanas depois, descobrimos os restos queimados da mãe escondidos sob um arbusto”, conta.
A vida não vale a pena ser vivida
Suwa diz que, diante daquela tragédia, tentou juntar os pedaços de sua vida e seguir em frente. “Consegui uma vaga gratuita no ensino médio, mas com mais de 500 alunos, me senti perdido no meio da multidão”.
Sem casa adequada, ele passou a se hospedar na escola durante os fins de semana e feriados.
“Todos os domingos, eu me sentava sob a mesma mangueira no pátio da escola, me perguntando por que minha vida havia sido arruinada pela guerra e pela pobreza. Eu me senti sozinho – a vida não valia a pena ser vivida”.
Ele conta que, em meio aquele turbilhão de pensamentos, em um domingo, enquanto pensava em tirar sua vida, ouviu uma música vindo de uma capela próxima.
“Quando ouvi 'Que amigo temos em Jesus', senti que estava sendo chamado, então deixei minha árvore, entrei e cantei com o resto dos alunos. Esse foi o começo da minha nova vida. A vida nunca mais foi a mesma!”, testemunha.
O capelão que liderava o serviço trabalhava para ACROSS – uma agência de desenvolvimento no Sudão cofundada pela instituição de caridade cristã Mission Aviation Fellowship (MAF).
“Essas pessoas me deram esperança e direção que eu tanto precisava”, conta.
Deus, a âncora
Suwa começou a experimentar uma vida nova, baseada na fé e no cristianismo, até que outro evento ruim aconteceu.
“Minha nova fé me deu paz interior, mas a sociedade ao meu redor estava desmoronando no caos. A segunda guerra civil do Sudão estourou em 1983”.
Ele conta que aos 29 anos e já casado, ele precisava pensar em sua esposa e filhinha. “Fugimos para Nairóbi por segurança. Com os voos comerciais fechados no aeroporto de Juba, a única saída foi com o MAF”.
“Em 1990, a ACROSS me ofereceu um emprego em Nairóbi, onde embarquei em muitos voos do MAF para apoiar o desenvolvimento do Sudão. Durante este período, também treinei como ministro anglicano”, diz.
Depressão
Suwa conta que teve problema com seu visto no Quênia, que não foi estendido, então mais uma vez ele e sua família enfrentaram um futuro incerto.
“Missionários australianos se ofereceram para nos patrocinar, então uma nova vida em Sydney nos esperava. Migramos em 2000 e nos juntamos a uma comunidade sudanesa, muitos dos quais lutaram com a cultura australiana”, relata.
Como líder da igreja, ele diz que passou a apoiar o grupo, mas subestimou o preço que isso teria sobre sua saúde.
Suwa conta que a violência doméstica era comum naquela comunidade, e ele precisa entrar e sair de delegacias.
“Em 2004, estava ficando demais. Entrei em depressão e tive um colapso. Minha esposa me deixou porque eu era como um vegetal. Levei um ano para me tornar humano novamente”, conta.
Quando a segunda guerra civil do Sudão terminou em 2005, após 22 anos, Suwa deixou Sydney e voltou para a África.
Retorno a Jubá
Aos 54 anos, Suwa estava de volta em casa. O Sudão do Sul conquistou a independência em 2011, mas a paz não durou muito. Outra guerra logo chegou e deixou o país caótico, de 2013 a 2020.
“Hoje, Juba é muito diferente do que eu me lembro. Quando saí, era apenas uma aldeia”, afirma.
Antes da segunda guerra civil, a insegurança não era um problema, ele diz. “Por mais pobre que fosse, ainda podíamos andar à noite e ninguém nos preocuparia, mas agora eu luto”.
Hoje, aos 66 anos, Suwa diz que encontrou consolo na Grace Community Church, fundada por ele em 2011. “Servimos missionários de todo o mundo enquanto eles se esforçam para reconstruir o Sudão do Sul.”
“Sei que há coisas que só Deus pode mudar no meu país. Sonho que a guerra acabe e que os líderes políticos coloquem os interesses de seu povo em primeiro lugar”, diz.
“Agradeço a Deus pela Grace Community Church, que se tornou uma capelania para muitos funcionários do MAF e outras organizações cristãs. Agradeço muito a abnegação dessas pessoas”, reverbera.
“Meu encorajamento para eles é seguir em frente. Que Deus continue cuidando deles e de suas famílias”, diz.
Suwa também agradece a Deus pelo MAF, que “está na minha vida há muito tempo!”.