"Deus estava comigo o tempo todo", segundo o zagueiro Neto, esta foi a primeira frase que ele disse, assim que acordou no hospital em que ficou internado por alguns dias na Colômbia, após sobreviver ao trágico acidente que aconteceu com o avião que transportava a equipe da Chapecoense e comoveu o mundo.
Em um depoimento concedido em conjunto com outros jogadores do time - Alan Ruschel e Jakson Follmann - Neto contou sobre o sonho que teve antes do acidente e também sobre o clamor que levantou a Deus na hora em que soube que o avião estava caindo.
"Eu sonhei que iria acontecer. Poucos dias antes de nós partirmos para a primeira das finais da Copa Sulamericana na Colômbia, eu tive um pesadelo terrível", contou Neto. "Quando eu acordei, contei para a minha mulher que [sonhei que] eu estava em um acidente de avião. Eu estava na aeronave à noite e chovia bastante. Então o avião desligou. E caiu dos céus. Mas, de alguma forma, eu consegui me levantar dos destroços. Eu saí e estava numa montanha à noite. Estava tudo escuro. É tudo que eu me lembrei".
Neto contou que o pesadelo o deixou muito assustado e preocupado, tanto que ele acabou voltando a tocar no assunto com sua esposa, por meio de uma mensagem.
"No dia da viagem para o jogo final, eu não consegui tirar o pesadelo da minha cabeça. O sonho era tão vívido. Estava martelando na minha mente. Então eu enviei uma mensagem para a minha mulher do avião. Eu disse a ela para orar a Deus e pedir para Ele me proteger daquele pesadelo. Eu não queria acreditar que aquilo iria acontecer. Mas eu pedi para que ela orasse por mim", disse.
"Então eu vi todas as coisas daquele sonho se tornarem realidade", acrescentou Neto. "O avião desligou. A força caiu completamente. Eu estava completamente acordado... e o avião caiu dos céus. Estava além de nossa compreensão como humanos".
Neto se lembrou que no momento da queda do avião, suas últimas palavras foram de oração.
"Eu me lembro das minhas últimas palavras naquele avião. Eu estava orando, orando, orando em voz alta. Quando eu vi que a gente estava caindo mesmo… eu disse: 'Jesus, Jesus, eu li na Bíblia que o Tu fez um monte de milagres. Nos ajuda. Tem misericórdia da gente. Jesus, olha pra gente. Tem misericórdia. Nos ajuda. Tu é o piloto desse avião".
O atleta confessou que seu olhar humano e limitado entrou em conflito com sua fé naquele momento de tremenda aflição.
"Mesmo orando a um Deus tão poderoso, vendo aquela situação com os olhos humanos, eu sabia que era impossível. Meu último e único recurso era a oração. Então ficou tudo escuro", destacou.
Já no hospital, após ser resgatado, Neto contou que não se lembrava do acidente e portanto, não sabia como tinha ido parar ali, naquela maca.
"Quando eu acordei no hospital, eu não me lembrava de nada do acidente. Minha esposa me contou que a primeira coisa que eu disse a ela quando eu acordei do coma foi: 'Deus estava comigo o tempo todo, Deus estava comigo o tempo todo'. Eu disse duas vezes", disse ele. "Mas eu não me lembrava de nada. Os médicos não podiam me contar a respeito do acidente ainda. Eles queriam que eu me recuperasse primeiro".
Apesar das tentativas dos médicos de 'esconder' a verdade sobre o acidente até que Neto estivesse mais recuperado, ele conta que tudo parecia não fazer o menor sentido.
"Eu tentei reconhecer o lugar onde eu estava. Eu sabia que era num hospital, mas eu não sabia onde. As pessoas que trabalhavam naquele hospital, eu olhava para eles, mas eu não os conhecia. Eles estavam falando espanhol. Eu estava muito confuso.Foi quando eu vi o médico da Chapecoense que eu me lembrei que era para nós jogarmos a final", explicou.
"Eu disse: 'Doutor, o que aconteceu no jogo? Eu me machuquei?'. Ele disse: 'Sim, Neto, você se contundiu no jogo'. Eu disse: 'Quanto foi o jogo?'. Ele disse: 'Eu não sei. Você se contundiu gravemente, e eu vim aqui diretamente te ver", contou Neto, se lembrando do diálogo que teve com o médico.
Até que certo dia, Neto acabou descobrindo que algo estava sendo escondido dele.
"Uma vez, eu acordei de madrugada e vi que meu pai estava sentado na cadeira, chorando. Foi quando eu soube que eles estavam mentindo para mim", contou o jogador. "Então, um dia, todos os médicos vieram até o quarto. Minha mãe e meu pai estavam lá. Minha irmã. Uma psicóloga. Um pastor. Eles disseram que tinham uma coisa para me contar".
Equipes de resgate fazem buscas em meio aos destroços do avião que transportava a equipe da Chapecoense. (Foto: Esportes - IG)
A hora da verdade
Neto contou que seu pai fez menção ao pesadelo que ele havia tido antes do acidente, ao falar sobre o que realmente tinha acontecido.
"Eu respondi: 'Claro que eu me lembro do sonho. Eu contei para a minha esposa. Eu estava no avião à noite. Chovia muito. O avião desligou. Caiu. Eu consegui me levantar dos escombros. Eu saí de lá e havia uma montanha à noite. Estava tudo escuro", resaltou Neto.
O jogador se lembra que a estranha 'coincidência' dos fatos surpreendeu a muitas pessoas, inclusive algumas que não eram tão próximas dele. E até mesmo o médico chegou a reconhecer o milagre dele e algumas outras pessoas terem sobrevivido àquela tragédia.
"Uma coisa estranha aconteceu quando eu comecei a falar do meu sonho. A psicóloga saiu do quarto chorando.
Minha mãe estava chorando", disse.
"O médico disse: 'Bem, não foi um sonho. Foi tudo verdade. O avião da Chapecoense caiu [...] Não era para você estar vivo. É só por Deus que você está aqui", lembrou Neto. "Aquele foi um dos momentos mais difíceis da minha vida. Eu tentei não acreditar. Eu achei que ele estivesse louco. 'Isso não existe... O que você está dizendo para mim?".
Neto se lembrou de como seu resgate foi improvável e quase não aconteceu, pois as equipes de socorro já estavam se retirando do local, quando um deles ouviu os gemidos do atleta.
"Eu fui o último a ser encontrado. Fiquei sob os escombros por oito horas. Dias depois, os socorristas me contaram o que tinha acontecido. Nas primeiras horas da manhã, boa parte da equipe de resgate já tinha deixado o local do acidente. A polícia ainda estava lá apenas para proteger os corpos e recolher os nossos pertences. De repente, um dos oficiais disse: 'Ei, eu ouço alguma coisa", contou.
"Ele voltou para ver o que era. Ele disse que conseguia ouvir alguém gemendo de dor. Eles me ouviram gemendo, então todos correram para onde estava saindo o som", acrescentou.
Neto contou que depois que ele soube do acidente, as equipes de socorro lhe contaram que não acreditavam que ele conseguiria sobreviver e então passou a compreender a complexidade do fato e o tamanho do milagre que vivenciou.
"Mais tarde, eles me contaram que ninguém acreditava que eu fosse conseguir sobreviver. Quando eu acordei do coma, a enfermeira que esteve na ambulância comigo na montanha veio me visitar. Ela estava de pé, parada na porta, olhando para mim. Quando ela me abraçou, o corpo dela inteiro estava tremendo. Ela estava sentindo os meus braços e os meus ombros, dizendo: 'Eu não acredito, não acredito", disse.
"Foi quando eu percebi o quão impossível era tudo aquilo. Tinha sido um milagre o fato de eu estar vivo depois que eles me encontraram daquele jeito", explicou.
Negligência e investigações
Neto lamentou as possíveis causas do acidente, como por exemplo, o fato da companhia que operava o avião querer economizar combustível.
"A companhia que operava o avião estava economizando combustível repetidamente. Olhando para os fatos, nós podemos ver que mais cedo ou mais tarde, isso ia acontecer. Eles fizeram isso muitas vezes com outros times", afirmou.
"A companhia queria economizar um pouco de dinheiro, e eles acabaram tirando a vida de muita gente. As pessoas falam muito do piloto, mas se você pensar a respeito, não pode ter sido só o piloto. Eles estavam seguindo os regulamentos. Para decolar daquele jeito, sem combustível extra, você tem de ter corrupção ao redor", acrescentou. "Infelizmente, por conta da ganância humana... sabe, a Bíblia diz: O amor ao dinheiro é o princípio de todos os males".
Neto disse que tem orado pelas investigações do acidente e pelos profissionais envolvidos neste processo delicado.
"Eu queria muito que Deus colocasse gente honesta e gente competente para investigar o que aconteceu. Porque todos aqueles envolvidos têm que pagar pelo que ocorreu. Só porque o piloto morreu não significa que há justiça", destacou.
De volta para casa
Neto contou que seu retorno para casa ainda é um processo, cheio de marcas, mas também cheio de aprendizados.
"Quando você retorna de uma experiência como a que nós passamos, isso muda você. Marca você para sempre. Mas se eu for sincero, a minha mente é a mesma. Eu ainda vejo o bem no mundo. O acidente me ensinou a apreciar as pequenas alegrias na vida", contou.
"Quando eu chutei a bola de novo pela primeira vez depois do acidente, eu me senti como se fosse criança novamente", acrescentou. "Era para eu ter morrido naquele dia. Eu disse as minhas últimas palavras em voz alta. Deus me deu uma segunda chance, e eu farei o melhor para honrá-lo, e honrar todos os meus amigos que se foram".