Europa 'pedinte' não pode escolher a quem pedir, diz analista

Europa 'pedinte' não pode escolher a quem pedir, diz analista

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:22

Os países europeus em dificuldades financeiras tentam a partir desta quinta-feira (3), na reunião de cúpula do G20 realizada em Cannes, na França, convencer os grandes países emergentes, como o Brasil e a China, a ajudá-los. Para analistas ouvidos pela BBC Brasil, os europeus devem deixar de lado um possível orgulho e admitir que não têm condições de deixar a crise sozinhos.

'Pedintes não podem escolher a quem pedir', afirma John Kirton, professor da Universidade de Toronto e diretor do G20 Research Group, que se dedica a acompanhar e analisar a atuação do grupo que reúne as principais economias do planeta.

Para ele, as resistências na opinião pública europeia à busca de ajuda entre os antigos 'pobres' e a possível submissão às condições impostas para essa ajuda, como ter de seguir a cartilha de políticas do FMI, devem ser deixadas de lado por conta da necessidade. 'Certamente os italianos, por exemplo, não gostariam de receber ordens do Brasil ou da Rússia, mas se a Itália não conseguir equilibrar suas contas irá à falência e precisará de um resgate. E os países desenvolvidos sozinhos não têm condição de resgatá-los, quem pode fazer isso é o G20', diz.

Uma posição semelhante foi manifestada por Thomas Bernes, diretor-executivo do Centro para Inovação em Governança Internacional (CIGI) e especialista em G20. Para ele, 'o orgulho europeu será ferido, mas há um crescente reconhecimento de que mais esforços serão necessários para conter a crise'.

Interesse dos emergentes

Muitos analistas avaliam que é do interesse dos países emergentes ajudar a tirar os países europeus da crise, já que esse é um mercado importante de exportações para eles, além do fato de que um aprofundamento da crise teria um forte impacto global.

'É geralmente do interesse dos países emergentes agir cooperativamente no contexto do G20. Eles podem decidir ajudar mesmo sem estabelecer condições para isso', afirma o economista Ignacio Angeloni, editor do G20 Monitor, publicado pelo cento de estudos belga Bruegel.

Para John Kirton, 'a Europa é um importante mercado para as exportações da China, que sabe que não pode deixar a Europa afundar'.

'O governo chinês não quer arriscar um aumento do desemprego na indústria do país e a possível instabilidade social que isso pode trazer. Por isso, creio que farão de tudo para ajudar a evitar uma crise financeira global', diz.

Os países dos grupo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que se reuniram na manhã desta quinta-feira para discutir uma posição comum a respeito da crise europeia, já manifestaram que se dispõem a ajudar, mas desde que a ajuda seja canalizada por meio do FMI.

Para Kirton, o Brasil pode ter um papel-chave na definição de uma possível ajuda dos emergentes à Europa, por ter passado recentemente pela mesma situação, de estar 'do outro lado do balcão', como receptor de ajuda do FMI após a crise asiática, de 1998.

'Se olharmos a história da última década, o Brasil na crise asiática era consumidor de segurança financeira, agora é produtor de segurança financeira', diz. 'Dos países dos Brics, só a Rússia, que declarou moratória em 1998, também passou pela mesma situação', afirma.

Agenda ofuscada

A reunião anual de cúpula do G20, que começa oficialmente no início da tarde desta quinta-feira, vem tendo sua agenda ofuscada pelas discussões sobre a crise europeia e, principalmente, pelo anúncio da Grécia de que submeteria o plano de resgate do país anunciado na semana passada a um referendo, o que provocou pânico nos mercados financeiros na terça-feira.

Para Thomas Bernes, 'a crise na zona do euro vai claramente consumir todo o oxigênio, deixando pouco tempo e atenção para a agenda mais ampla'.

Poucos creem que a cúpula, ainda que consiga um apoio financeiro dos demais países do G20 aos europeus, sirva para dissipar definitivamente a crise, mas na avaliação de John Kirton, poderá ter o efeito de abrir espaço para o avanço posterior da agenda mais ampla do G20, surgida após a crise de 2008 com o objetivo de evitar a repetição de crises semelhantes.

Ele cita como exemplos a questão da regulação e dos controles no sistema financeiro, o estabelecimento de medidas para estabilizar os preços de commodities ou a reforma do FMI, que poderiam ajudar a reduzir o impacto da atual crise e a evitar novas crises.

Para Ignazio Angeloni, a crise europeia está dentro das competências do G20, que 'já agiu com sucesso como gerenciador da crise em 2008 e poderá contribuir novamente na atual situação'.        

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