Somente após vivenciar o prazer de gerar e gerir o primeiro "filho literário", bem como após a necessária "dieta" é que entendo estar em melhores condições de abordar sobre tal experiência. É ler para crer...
O ideal, diria alguém, seria escrever sobre as razões da paixão pela escrita antes do lançamento do meu primeiro livro. Até mesmo como uma justificativa. Discordo. Somente após vivenciar o prazer de gerar e gerir o primeiro "filho literário", bem como após a necessária "dieta" é que entendo estar em melhores condições de abordar sobre tal experiência.
Mais do que um fusível nas horas mais acres, mais do que um simples hobbie, mais do que um exercício mental e sistemático, mais do que um compromisso periódico, a resenha tornou-se minha amiga e de certa forma uma fôrma que deu forma ao meu presente-futuro.
Escrever e ler.
Só se escreve razoavelmente bem quem se dá ao luxo de ler regularmente. Um luxo ignorado por muitos, infelizmente! E para ler é necessário estímulo. Segundo os entendidos, os pais e os professores (exatamente nesta ordem) são os principais responsáveis para o aumento do prazer da leitura. Principais mas não únicos. A falta de pais incentivadores e professores estimuladores é o vácuo fértil para as mentes brilhantes e autônomas.
Segundo o Ministério da Educação*, no ano de 2008, o brasileiro leu em média 1,8 livro por ano (talvez tenha faltado mais alguns feriados para arredondarmos para 2 livros). Dos 189 milhões de brasileiros, cerca de 26 milhões são denominados leitores ativos, os quais lêem pelo menos 3 livros ao ano. No mesmo período o leitor norte-americano leu 5 livros e o europeu 8.
Tive conhecimento "em off" dos critérios que o brasileiro estabeleceu para a leitura. Em primeiro lugar, ele verifica se a capa é interessante. Em segundo lugar, ele observa o tamanho da letra. Em terceiro lugar, a quantidade de páginas (o interesse aumenta inversamente proporcional ao número total de laudas). Em quarto lugar, ele percorre o livro para certificar se existe alguma figura. E, finalmente, o doloroso quinto lugar: o brasileiro tem um lugar predileto para sua "costumeira" leitura: a cama. E de preferência nas últimas horas do dia. Sem comentários, por favor...
Num país onde as crianças passam mais de 3 horas diárias passivamente diante da televisão**, sem contar as outras dedicadas ao vídeo-game, restam poucas para a aventura literária. Os heróis atuais ou são cinematográficos ou são virtuais. Raríssimas vezes eles emergem das páginas impressas. Final de ano é tempo de visitar especialmente a seção de eletrônicos para encontrar o presente pueril; nunca na livraria para garimpar um bom livro infantil. Na prova dos 3, quem não citaria 3 bons atores, ou 3 excelentes cantores, ou ainda, 3 políticos (faltou-me um adjetivo)? Se na prova final caísse a questão: cite os 3 maiores escritores brasileiros, muita gente bombaria. Mesmo porque a maioria desconhece que Joaquim Maria foi mais do que um grande escritor. Para muitos, o maior. Joaquim Maria? Bom, Machado de Assis, para os menos íntimos.
Nem preciso recuar tanto historicamente, nem aprofundar-me tanto literariamente. Duas obras infantis marcaram a minha infância. "Tonico e Carniça" foi uma verdadeira obra-prima na qual as aventuras dos pirralhos ainda ecoam no meu psiquismo. Adentrar à "A Ilha Perdida" e outras obras foi simplesmente inesquecível (ou seria imperdível?). A lista é longa, e os compêndios acadêmicos, apesar de sua utilidade e relevância, não foram suficientes para apagar a influência dos primeiros livros.
Ler e escrever não são exercícios de apoio pedagógico. Embora tenhamos sido ensinados assim desde a tenra idade. Ler e escrever são mais do que "tarefas para casa". São os remos para toda a vida.
Ler é prazer. Escrever é poder.
Se a leitura me empolga, me revolta, me instiga, me provoca, me desloca, me desconstrói, me constrói, logo ela é mais do que um princípio de prazer. É o próprio prazer. O prazer de mergulhar no mar dos conceitos, no rio de palavras, no córrego de letras, no fio do pensamento.
Se a redação me concede a autonomia, me libera de mim mesmo, me possibilita viajar nos terrenos inóspitos do improvável, me permite a liberdade mais íntima, logo ela é mais do que o princípio do poder. É o poder nato. O poder de voar no infinito dos conceitos, na atmosfera das palavras, sob o sabor do vento das letras, no sopro do pensamento.
O prazer de ler! O poder de escrever!
A missão de divulgar o meu primeiro livro, VIVENCÍMETRO, tem-me premiado com muitas experiências. Selecionei uma. Portando uma caixa nas mãos ao adentrar em um templo evangélico onde fora convidado para ministrar a Palavra de Deus, fui efusivamente recebido pelo recepcionista, o qual com os olhos grudados na minha embalagem, questionou-me:
- Você também está vendendo CDs?
Sua fisionomia curiosa e abruptamente alterou-se quando lhe respondi:
- Meu amado, aqui contém alguns exemplares do meu livro.
Então, num contexto onde as pessoas foram historicamente ensinadas a comprar música e vídeo, esse vendedor de pensamentos (ou escritor, se assim preferir) ainda tem um longo caminho a percorrer. Apesar a improbabilidade matemática do sucesso repentino, eu prefiro buscar o meu espaço. Árdua e consistentemente. A rigor, o prazer e o poder não significam necessariamente a ausência de labor.
Finalmente, a leitura e a escrita estão ao alcance de todos. Sim, de todos! Mesmo daqueles que são identificados como deficientes. Afinal eu posso ler a vida mesmo se me faltarem os olhos, e escrever minha história a despeito de minhas mãos.
Isso, sim, é prazer e poder.
Fontes:
* www.cultura.gov.br
* www2.metodista.br
Neir Moreira é teólogo, pós-graduado em docência do Ensino Religioso pela Faculdade Batista, acadêmico em psicologia pela UFPR e pós-graduando em Educação.