Pegue, de um lado, um deserto de areia que se estende por centenas de quilômetros. Acrescente um litoral de águas bem azuis, mas sem ondas. O resultado certamente seria uma região pouco atrativa, até meio sem graça, não fossem os mais de 20 anos de pesados investimentos em dólares. Graças a eles, Dubai, um dos sete emirados que compõem os Emirados Árabes Unidos, localizados às margens do Golfo Pérsico e ao lado da Arábia Saudita, é hoje o pólo de turismo e negócios que mais cresce no mundo.
Quando cheguei lá custei a acreditar que a cidade moderna, cosmopolita e cheia de parques arborizados foi construída sobre um deserto. Aliás, uma extensão do maior deserto de areia do mundo, o Rub Al Khali, que ocupa ainda parte dos vizinhos Oman e Arábia Saudita, numa área que equivale a da França. Parecia coisa de gênio da lâmpada das mil e uma noites, mas é fruto apenas da garra e da capacidade de planejamento e de investimentos de um povo que sempre viveu do comércio.
Até cerca de 20 anos atrás, Dubai vivia do petróleo. Quase não havia desenvolvimento da infra-estrutura. Era praticamente a mesma vila de comerciantes de pérolas de séculos atrás. Só que os xeques perceberam que a fonte do ouro negro uma hora iria secar. Ou melhor, que outras fontes iriam ser descobertas mundo afora. Assim, entrou em cena uma nova mentalidade empreendedora, que investiu pesado em infra-estrutura para turismo, comércio e negócios.
Como seria difícil convencer alguém a passar as férias enterrado na areia ou molhando os pés em um mar calmo, e ainda suportando temperaturas que podem variar de 15ºC a 48ºC no mesmo dia, o jeito foi transformar o deserto em paraíso. Deu certo: nas duas últimas décadas, Dubai se transformou tão completamente que se algum nômade voltasse do deserto após esse período, certamente iria achar que tomou sol demais na cabeça. Para se ter uma idéia, hoje apenas 7% do PIB da região vêm do petróleo. O restante é fruto do comércio e turismo. Só em 2004 foram 5 milhões de visitantes, mais do que recebeu todo o Brasil no mesmo período.
Itu das arábias
Se existe um lugar no qual a expressão maior do mundo já se tornou padrão, este lugar é Dubai. O emirado já tem no seu currículo o hotel mais caro do mundo, o Burj Al Arab, único sete estrelas do planeta, no qual a tabela de preços começa em US$ 1.550. Custou a bagatela de US$ 6 bilhões e, com sua arquitetura contemporânea, domina a paisagem e é a principal atração da cidade.
Os empreendimentos literalmente das arábias não param. O que será o maior edifício do mundo, a Burj Tower, que terá 160 andares empilhados em 800 m de altura, já começou a ser construído. Lá também estão em obras duas ilhas artificiais em forma de palmeira, por meio de gigantescos aterros de centenas de quilômetros quadrados que avançam mar adentro, o The Palm Jumeirah, cuja conclusão está prevista para o início de 2006, e o The Palm Jebel Ali, previsto para 2007.
As duas ilhas oferecerão 60 hotéis de luxo, 4 mil vilas residenciais, 5 mil apartamentos, marinas, parques temáticos, restaurantes, shoppings Madonna e Michael Schumacher já garantiram suas casas por lá. Achou um exagero? Pois uma terceira e maior que será construída na praia de Deira, já está em fase adiantada de planejamento.
Outro megainvestimento é o The World. Coisa básica: será um aterro gigante do mar, mas em forma de mapa-múndi. Desta maneira você poderá comprar a França, ou a Espanha, ou ainda o Brasil para construir sua casa.
Lets souk
Os árabes são secularmente conhecidos como grandes comerciantes. Por isso mesmo, a primeira palavra que se aprende naquele lugar é souk, que serve para definir centros de compra. Mas se você pronunciar shopping mall dentro de qualquer táxi, o motorista imediatamente vai querer saber se o centro de compras é de artigos importados finos, ouro, tecidos, alimentos, material eletroeletrônico, roupas de grife, artesanato, computador, temperos e até camelos. Não se deve perder dois destes centros de compras, o Goldensouk, que é o mercado de ouro e jóias, e o Spicesouk, de especiarias que você só vai encontrar por lá.
Dificilmente exista um lugar no mundo onde se venda (e compre) tanto como nas ruas de Dubai. Além de índice de criminalidade zero, toda a cidade é zona franca, por isso os produtos importados sobretudo da China e Indonésia são baratos demais. Para quem vem dos Estados Unidos, fica ainda mais barato, pois a moeda local, o dirham, vale muito pouco frente ao dólar, cotado a 3,66 dirhams. Não é de se estranhar que os ônibus que atendem os hotéis pareçam torres de Babel sobre rodas. Lá chegam turistas do mundo inteiro.
Mesmo assim, Dubai é pouco freqüentada por brasileiros. Mas isso deve mudar. A Emirates, companhia aérea de propriedade da família do xeque Maktoum Bin Rashid Al Maktoum, administrador de Dubai e primeiro-ministro dos Emirados, estuda a operação de vôos diretos para o Brasil, com 14 saídas semanais, divididas entre São Paulo e Rio de Janeiro.
Um mundo de areia
Apesar de a cidade parecer cosmopolita demais, resultado de um mundo de prédios de escritórios, algumas das atrações mais interessantes estão no meio do deserto, que é fascinante e surpreendente, além de imenso, é claro. O avião sobrevoa por três horas este oceano de areia a uma velocidade de 900 km/h antes que alguma coisa mude na paisagem.
Mas não pense que tudo aquilo é tão tedioso assim. Algumas agências promovem passeios pelo deserto, com direito a tendas, churrascos típicos e dançarinas do ventre. Também é possível fazer o passeio de camelo, mas só se você estiver muito maluco para trocar o conforto de um carro 4×4 com
ar-condicionado pelo o mico de sacolejar pendurado na corcova do animal. Entre estes passeios, que duram um dia, o mais indicado é ir até a vila de Hatta, nas montanhas rochosas, onde está localizado o Hatta Fort Hotel, um resort onde é proibida a entrada de crianças.
Daquele número assombroso de 5 milhões de visitantes, boa parte vai a Dubai a trabalho ou para os inúmeros congressos, feiras e eventos esportivos, como torneios de golfe, tênis e até rali. Uma certa manhã estava torrando-me ao sol da praia Jumeirah, à beira do meu modesto Royal Meridien, quando um ronco de motor acordou todo mundo. Era o treino para uma etapa do campeonato de barcos off-shore, a mais veloz e cara categoria náutica do mundo. Uma das melhores equipes é de Dubai (não diga!).
Para agradar esses turistas de negócios, os hotéis se transformam quase todos em uma pequena reserva de lazer e entretenimento. Não há um sequer que seja mais ou menos. Todos têm o máximo de classificação estelar e isso significa que oferecem um menu gastronômico para agradar até a um parisiense. Pode-se encontrar uma variedade de sabores: cozinha italiana, francesa, japonesa, tailandesa (apimentada como a nossa baiana), chinesa, malaia, indiana e até árabe essa, por sinal, é exatamente igual à feita no Brasil.
Por ser uma cidade jovem, com cerca de 60% da população na faixa abaixo de 25 anos, não é difícil descobrir onde estão as melhores baladas. E nem precisa ir tão longe, porque as melhores festas de Dubai são nos hotéis, ou seja, você nem precisa sair de casa. Se não quiser perder tempo procurando em mapas, guias ou folders, basta perguntar ao motorista de táxi. Vá se acostumando porque você vai ser dependente de táxi para tudo. Eles são baratos (veja quadro de serviço) e, se tiver a sorte de pegar um motorista que fale inglês compreensível, vai ser como se ganhasse um guia turístico inteiramente grátis. Não se espante com o aspecto sisudo deles, pois por trás daqueles bigodes existem muito bom humor e hospitalidade. Ah sim, pode-se alugar carros também, mas vai entender o que está escrito nas placas a tempo de conseguir pegar a entrada certa.
A melhor época para viajar para Dubai é entre novembro e março, quando o clima é mais ameno e as temperaturas ficam em torno dos 25ºC justamente quando os europeus estão tiritando de frio e lotam o emirado. No verão árabe, entre maio e setembro, a vida só é possível com ar-condicionado apontado para o nariz 24 horas por dia.
Não faça a bobagem de entrar em Dubai sem decorar o manual de boas maneiras em um país árabe. Você vai receber uma cartilha ainda no avião e, acredite, leia cada linha. É uma ofensa grave, por exemplo, perambular pelo hotel apenas de bermuda, sem camisa. Muito menos entrar no elevador apenas de sunga. Em cada quarto o hóspede recebe roupão, pantufas e toalhas à vontade. Use-as: nada é mais desesperador do que levar uma bronca em árabe.
As mulheres ocidentais devem saber que não podem entrar em uma mesquita sem cobrir os cabelos. E os homens não podem esticar a mão a uma mulher muçulmana para cumprimentá-la. Não é bonito. Muito menos esticar o beiço para dar um beijinho. As orações são sérias, mas você só verá muçulmanos orando em direção à Meca no centro antigo da cidade, ou quando for passear no deserto. Seja cordial e paciente e espere terminar a reza, que dura poucos minutos.
Não estranhe também se nas piscinas ou mesmo na praia encontrar mulheres vestidas dos pés à cabeça com roupas de neoprene, mesmo no verão. Pela tradição muçulmana, elas não podem expor nenhuma parte do corpo exceto o rosto (e, às vezes, nem isso).
Se você gosta de golfe, Dubai representa o paraíso. São vários golf resorts e clubes para a prática deste refinado esporte. Para quem curte iatismo, o litoral vai ser o máximo, já que há vento na medida certa e mar de almirante o tempo todo. Até para quem gosta de escalada há opções de praticar em um megaginásio indoor, ou então contratar um guia para percorrer as montanhas do deserto. O clima e o tempo sempre estarão a seu favor.
Segundo meu guia-motorista de táxi, em 2004 choveu numa quarta-feira, mas ele não se lembra de que mês. O índice pluviométrico é baixo e todo o festival de quedas dágua que se vê nos parques e hotéis é fruto de usinas de dessalinização. Não existe um racionamento explícito de água, mas nos hotéis há recomendação para que não se desperdice o precioso líquido. Afinal de contas, não se esqueça: você está num deserto.