Da cruz ao templo!

Sem alma, é possível espetacularizar uma vida que se gostaria de ter, mas que não se tem.

Fonte: Guiame, Clarice EbertAtualizado: quarta-feira, 19 de junho de 2024 às 17:57
(Foto: Pixabay/Himsan)
(Foto: Pixabay/Himsan)

Certa vez recebi de minha mãe um quadro com uma frase bordada em alemão: "Durch das Kreuz zur Krone" (“Pela cruz para a coroa"). Agradeci o presente, mas a frase me inquietava, pois inferia a ideia da via crucis como uma vida sacrificialmente abnegada com o foco na coroa.

Essa crença se mostra alinhada com a ideologia do sucesso, que glorifica os novos heróis da atualidade, que se mostram dispostos a sacrificar o que for preciso para serem venerados como bem-sucedidos. São sacrificadas as relações, o sono, a saúde e por fim o si mesmo. Ganha-se o sucesso, mesmo que se perca a alma.

O problema é que a perda da alma transforma os sacrificados em máquinas mortíferas da sociedade do espetáculo (Gui Debort). Sem alma, é possível espetacularizar uma vida que se gostaria de ter, mas que não se tem. Essa teatralização passa a ser assumida como um novo sacrifício. Mesmo que a esperança já não mais alcance quem a professa, o que vale é sacrificar para alcançar a coroa. A espiritualidade de um robotizado sem alma, passa a ser experienciada como uma nova angústia religiosa. Mesmo assim, é suportada até a exaustão. Parece que a coroa no final é o que verdadeiramente importa.

Mas, em se reorganizando um pouco as palavras, poder-se-ia mudar a frase “Pela cruz para a coroa" para “Da cruz ao templo" (Dora Eli). Assim, considera-se a "cruz" pela ótica da redenção crística promotora da biologia da ressurreição (expressão de Carlos Hernandes). Essa novidade promissora não tem como objetivo a coroação dos redimidos sacrificados. Mas, do quanto o Cristo ressurreto afeta a sua corporeidade, colocando-a numa condição de templo, como um espaço sagrado de renovação da vida.

O sentido da cruz é de metamorfosear a interioridade impregnada em toda corporeidade. Assim, não é mais necessário sacrificar a alma objetivando a premiação com a coroa. O que importa é preservá-la em uma corporeidade vivenciada com o sentido de templo sagrado, que anuncia as grandezas do autor e redentor da vida que ali habita. Isso poderá salvar das espetacularizações e robotizações, e favorecer uma vida mais autêntica, com renovado sentido e esperança.

 

Clarice Ebert é Psicóloga (CRP0814038), Terapeuta Familiar, Mestre em Teologia, Professora, Palestrante, Escritora. Sócia do Instituto Phileo de Psicologia, onde atua como profissional da psicologia em atendimentos presenciais e online (individual, de casal e de família). Membro e docente de EIRENE do Brasil.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

 

Leia o artigo anterior: Gente que olha a dor de perto

Mais do Guiame

O Guiame utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência acordo com a nossa Politica de privacidade e, ao continuar navegando você concorda com essas condições