Fé em extinção

Fé em extinção

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:25

Como cresceu o número de denominações, espaços espirituais alternativos, propostas de se adorar o sagrado e filosofias tentando explicar o divino. As mega livrarias estão recheadas de todo estilo de livro explorando uma faceta da espiritualidade. O volume de sites e blogs oferecendo conteúdo religioso é altíssimo. As mensagens com teor cristão se multiplicam na internet, com power-points adocicados e melosos que, ao final, ainda nos colocam contra a parede para enviarmos as mesmas para mais dez pessoas, inclusive para quem enviou, pois só assim fica provado sei lá o que. E fé, que é bom, vai rareando a cada dia.

Sim, os templos estão cheios de gente. Cheios a tal ponto, que não é só uma parcela dos católicos a ser chamada de ''nominal'', agora temos também o evangélico nominal. Afinal, ficou pop ser evangélico, basta colocar um peixinho no carro, usar uma camiseta com uma direção de arte razoável dizendo que Jesus é 10! , ou algo parecido, e pronto, temos um batalhão de gente sem viver a fé mas parecendo-se com aqueles que vivem os dramas, as alegrias, os sofrimentos e as esperanças da comunidade da fé.

Como vive, o que pensa e o que faz essa gente que parece, mas não é? Não tenho respostas absolutas, mas com freqüência os vejo pelos caminhos que ando, pelos relatos que ouço, pelas notícias que acompanho. Sem nem ao menos tentar disfarçar deixam claro que bênção-prêmio em forma de prosperidade é o que importa. São crentes e mais crentes determinados a se dar bem. No amor, nos negócios, nas amizades, na vizinhança, no ministério, na vida. Estão convictos que se seguirem a Jesus tudo dará certo, nada de problemas, dívidas ou enfermidades. É uma lógica matemática que exige resultados exatos. Como tal, até que tem lá a sua lógica e, exatamente por isso, quando não dá certo as dúvidas se instalam mostrando que a vida real é bem diferente.

Neste ponto começa a rotatividade. Se em determinado lugar as coisas não estão dando certo, algo de errado existe, então vou tentar em outro endereço. Ora é porque a igreja é fria, ou o pastor é atrasado, os departamentos não são atuantes, a oração é fraca, o som é antigo, não sabem nada sobre a atuação dos demônios, falta autoridade espiritual, está existindo algum tipo de impedimento, enfim, pelos mais diferentes e repetitivos motivos vai se mudando de igreja, convicção, crença, confissão. E a fé? Nesse contexto ela não é testada, provada, refinada. Nada. Só poeira buscando fantasias espirituais que foram prometidas e o máximo que se encontrou foi decepção.

O resultado de uma realidade assim é preocupante. Pois o que vemos são tipos de fé bem distantes da simplicidade do evangelho. Tem a fé materialista, a negociadora, a manipuladora, a dando-que-se-recebe. Enfim, são tipos de fé que se resumem numa fé idólatra, que venera e adora templos, pastores, objetos e rituais. É um tipo de fé que precisa ver e tocar, ofertar e negociar, dizimar e barganhar.

A esta altura a pergunta de Jesus se encaixa, tanto neste nosso tempo quanto neste texto: ''Quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na terra?'' Lucas 18:8. A pergunta conclui uma das famosas parábolas contadas por Cristo, a parábola do juiz iníquo. Iníquo porque era incrédulo, não temia a Deus e não respeitava homem algum. No entanto, atendeu aos pedidos de uma viúva por causa de sua insistência. Assim, antes de questionar a falta de fé no fim dos tempos, Jesus propôs a seguinte pergunta no versículo 7: ''Não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a Ele clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-los?''. Embora a resposta seja clara e aponte para a realização da justiça de Deus em favor dos seus, fé não é o que vemos.

O que temos visto é o desânimo, o cada um por si, o ''ema, ema, ema, cada um com seus problemas'', a preguiça, o eu-não-tenho-nada-com-isso, o eu-prefiro-não-me-envolver, o descaso, a indiferença. E a fé? Vai minguando cada dia. Cada vez mais cresce a crença nas reuniões, nas técnicas, nos gurus, nos organogramas, enfim, naquilo que se pode ver, medir, conferir, checar e tocar. Existe um pensamento anônimo que cabe como uma luva para quem molda sua fé pelos padrões utilitaristas da atualidade: ''Quando estiver desacreditado converse com o cimento, pois você só acredita naquilo que um dia será concreto''.

Saber de quem é a culpa, poderá nos chocar, pois é grande a chance de estarmos entre os culpados. Cada vez que nos calamos, nos cansamos, desistimos, fugimos. Cada vez que entregamos os pontos, que só gastamos tempo criticando, que só apontamos erros e nunca soluções, cada vez que zombamos das situações produzindo gargalhadas no lugar de choro. Pois é, todas essas e tantas outras vezes, nossa contribuição para a extinção da fé é real. Pior, é eficiente.

A fé bíblica encontra sua síntese em Hebreus 11:1, é a certeza das coisas que se esperam e a convicção de fatos que não se vêem. Na fé bíblica, quando Deus dá, Ele recebe louvor, quando tira, igualmente recebe louvor, Jó que o diga! Na fé bíblica, deixar terra e família é só um detalhe, Abraão que o diga! Na fé bíblica, o clímax da obediência pode ser o momento que a soberania de Deus decide nos desamparar, Jesus que o diga! A fé ensinada na Bíblia é o oposto radical do que hoje é ensinado e, infelizmente, por muitos praticado.

O Greenpeace luta para preservar baleias, golfinhos, macacos, florestas. Precisamos lutar para preservar a fé, uma fé que não se assusta com pedófilos, corruptos, terroristas, terremotos, tsunâmis, vulcões, ogivas. Uma fé que crê sem ver. Uma fé que continue a crer mesmo quando a demora só aumenta. Uma fé que mesmo vendo apenas o caos absoluto, consegue declarar o seu credo poético: ''Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado, todavia, eu me alegro no Senhor, exulto no Deus da minha salvação'' Habacuque 3:17 e 18.

Paz!

Edmilson Ferreira Mendes   é teólogo. Atua profissionalmente há mais de 20 anos na área de Propaganda e Marketing. Voluntariamente, exerce o pastorado há mais de dez anos. Além de conferencista e preletor em vários eventos, também é escritor, autor de quatro livros: '"Adolescência Virtual", "Por que esta geração não acorda?", "Caminhos" e "Aliança".

Contatos com o pastor Edmilson Mendes:

www.mostreatitude.com.br  

mendeslongo@uol.com.br

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