De malas prontas para Pequim, onde participará da Conexão China, projeto de evangelização de impacto que levará 300 missionários brasileiros para Pequim, durante os Jogos Olímpicos, Júlio César de Oliveira, pastor da Igreja Cristã Evangélica no Brasil, está em fase de preparação para um grande desafio missionário ainda maior: mudar-se para a China para atuar na evangelização dos tibetanos e no serviço da Igreja perseguida no Tibete. Impedido de fornecer maiores detalhes sobre a missão, por motivos de segurança, o Pr. Júlio revela detalhes sobre o campo e fala sobre a sua motivação para enfrentar o desafio.
Guia-me: Terremoto, perseguição, conflitos. A China é um campo de risco?
Júlio César: Sem dúvida. Daí a necessidade do máximo de informações e preparação adequada. Mas sem dúvida o fator de maior risco tem a ver com a questão da perseguição contra os que testemunham do evangelho por parte do governo e de religiões hostis. O objetivo principal do governo é manter a estabilidade e o poder. Esta é a principal motivação que está por trás do controle populacional, da reforma econômica e da política religiosa chinesa, que consiste em domínio e opressão. O Movimento Patriótico das Três Autonomias (MPTA), também conhecido como Igreja dos Três Poderes, é a igreja oficial, controlada de perto pelo Partido Comunista. As igrejas locais não registradas recebem ataques esporádicos do governo.
A perseguição depende principalmente do grau de perigo que o governo enxerga em cada grupo religioso. Alguns observadores acreditam que o maior temor do governo chinês é que os religiosos e ativistas democráticos se unam aos desempregados, cujo número cresce a cada dia. Os cristãos não são os únicos a serem perseguidos. Em alguns casos, muçulmanos e budistas têm recebido o mesmo tratamento rigoroso dado aos cristãos e é comum que muitas seitas ou grupos religiosos de menor expressão sejam extintos. A perseguição ao cristianismo abrange desde multas e confisco de Bíblias até a destruição de edifícios de igrejas. Evangelistas são detidos, interrogados, aprisionados e torturados, o que resulta em morte em alguns casos. Além da perseguição governamental, as tentativas de evangelizar muçulmanos no extremo noroeste do território chinês têm enfrentado resistência e alguns ataques.
Os budistas localizados na antiga região do Tibet são bastante organizados em sua oposição ao cristianismo. No fim de 1998, Ah King, líder feminina de uma igreja no noroeste da China, havia acabado de expor a sua mensagem para a congregação quando oficiais do Departamento de Segurança Pública a levaram e a jogaram em uma cela gelada. Seu interrogador, Wu Pei Fu, tomado por uma súbita e injustificada antipatia por ela, começou a espancá-la e a chutá-la ao invés de utilizar técnicas psicológicas mais tradicionais e sutis. Ele perguntava aos gritos: "Diga-me quem são os outros líderes! Quem fornece Bíblias a vocês?" A recusa de Ah King em responder era seguida de mais golpes sobre seu corpo.
Enquanto isso, os cristãos permaneciam em oração e Wu, o interrogador, também passou por momentos difíceis. Ele interrogou Ah King por 24 horas e esse curto período de tempo reservou-lhe muitas surpresas desagradáveis. Primeiro, ele recebeu a notícia de que sua mãe havia sofrido um grave acidente de carro e estava internada no hospital. Depois, soube que seu filho estava muito doente, acometido de uma enfermidade estomacal. Finalmente, quando chegou à sua casa, discutiu seriamente com a esposa, que ameaçou abandonar-lhe. Pela manhã, Wu descarregou toda a sua frustração em Ah King, espancando-lhe continuamente. Então enviou a seguinte mensagem à congregação: "Se vocês não pagarem 20 mil iuanes pela libertação de Ah King, eu vou enviá-la a um campo de trabalho por três anos". A quantia era muito alta (cerca de US$ 2.500) e a congregação não podia pagar, já que na região o salário anual médio era inferior à metade daquele valor. Assim mesmo eles oraram e um contato em outra cidade concordou em levantar o dinheiro. No final, Ah King foi libertada.
Ao descobrir que a mãe de seu algoz estava enferma, Ah King foi diretamente ao hospital vê-la. Ah King encontrou a mulher deitada na cama, com outro filho cuidando dela, e começou a testemunhar para os dois. Ela pregou o Evangelho e mandou chamar outros cristãos que estavam por perto. Todos se reuniram na cabeceira da cama e oraram. Poucas horas depois, mãe e filho haviam aceitado a Cristo. Os cristãos também oraram por Wu Pei Fu e por sua esposa e filho, o qual foi curado. Wu ficou surpreso com a ousadia e eficácia dos cristãos, e não colocou nenhuma objeção quando sua mãe passou a freqüentar a igreja de Ah King, a quem ele havia tratado de forma tão cruel.
Guia-me: Como vencer os temores (língua, cultura, alimentação, riscos) e partir para o campo sem olhar para trás?
Júlio César: Determinação, treinamento e amor pelos perdidos
Guia-me: Pessoas que recebem um chamado para levar a mensagem de Cristo em países onde a igreja é perseguida são especiais? Por que?
Júlio César: Costumo dizer que apenas querem obedecer a maior ordem que o Senhor Jesus nos confiou, a de pregar o evangelho a toda criatura. Creio que esta deveria ser a prioridade para todo cristão normal.
Guia-me: Quais as maiores dificuldades dos missionários brasileiros hoje?
Júlio César: Sem dúvida são vários fatores, mas creio que tudo está relacionado com a visão que temos sobre o papel da Igreja de Jesus. Infelizmente a realidade da situação da Igreja brasileira está muito aquém do propósito de Deus de alcançar todas nações e povos. Olhando para o tamanho da igreja brasileira e seu potencial, percebemos que transformamos a Grande Comissão de Jesus em "Grande Omissão". A apatia, o conformismo e a indiferença moderna são os grandes desafios dos dias atuais.