A recente aprovação, por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), da extensão de direitos civis às chamadas uniões homoafetivas como transmissão de pensões e heranças, coberturas de planos de saúde e até adoção de filhos rendeu muita discussão entre os principais segmentos religiosos do país. Católicos e evangélicos apressaram-se a comentar a polêmica decisão, que contraria princípios cristãos relativos à família e reforça a cultura homossexual no país.
Além de dirigentes da Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), ligada à Igreja Católica, dirigentes da Aliança Cristã Evangélica Brasileira, entidade criada no ano passado, também manifestaram sua opinião. Nesta entrevista exclusiva a CRISTIANISMO HOJE, quatro integrantes da Aliança disseram o que pensam sobre a novidade jurídica, analisam a relação da Igreja com movimentos cuja ideologia contraria o Evangelho e debatem possíveis desdobramentos da decisão inclusive, a eventual aprovação, pelo Congresso Nacional, do PL 122/06, também chamada de Lei Anti-homofobia:
CRISTIANISMO HOJE Qual a posição da Aliança Evangélica acerca da decisão do STF, que praticamente equiparou os direitos civis das duplas homossexuais aos oriundos do casamento convencional? MARTIN WEIGAERTNER (pastor e membro do Conselho de Referência da Aliança) Primeiramente, devemos esclarecer que esta entrevista não indica uma posição da Aliança Cristã Evangélica Brasileira, mas reflete a posição de pessoas vinculadas à liderança da entidade. Numa sociedade pluralista, não cabe à Ugreja impor à sociedade sua cosmovisão e ética, e ela faz bem em não fazê-lo. Sua percepção de bem e mal, certo e errado não pode ser imposta, mas apenas acolhida livremente em fé. CHRISTIAN GILLIS (pastor da Igreja Batista da Redenção e membro da Coordenadoria da Aliança) Como cristãos evangélicos, reafirmamos a posição bíblica quanto à natureza heterossexual do casamento e refletimos que o desígnio ideal é que a entidade familiar seja resultado da união entre homem e mulher, cabendo à Igreja declarar e fomentar tal ensino. O Estado secular, porém, tem o dever de elaborar amparo jurídico para todos os seus cidadãos, buscando estabelecer o que for mais justo nas diversas interações sociais e econômicas. CÍCERO DUARTE (Advogado e assessor jurídico da Aliança Evangélica) A decisão do STF e o Código Civil Brasileiro não são inovadores de direito, pois são fruto de mudanças já acontecidas na sociedade e não fatores para promover mudanças. As mudanças já ocorreram e estão sendo reconhecidas pelos nossos tribunais e, como conseqüência, houve a adequação legal.
A decisão, provavelmente, abrirá as portas para novas medidas beneficiando a comunidade gay, inclusive a aprovação do PL 122/06, cujo teor preocupa os evangélicos por conta de uma suposta ameaça ao direito de livre opinião no caso, a pregação cristã evangélica contra a homossexualidade. Alguns setores temem a instauração de uma "ditadura gay" no país. O que existe de concreto nesse temor? MARTIN WEIGAERTNER O temor de uma ditadura gay circula mais amplamente do que muitas vezes imaginamos. A ação concentrada em prol de garantias diferenciadas para os homossexuais, às vezes, dá a impressão de querer impor sua visão à sociedade. Uma coisa é garantir respeito e igualdade de direitos a todas as minorias; bem outra é o intento de impor juízos de valor, ao preço de restringir a liberdade de pensamento e de expressão. Para os cristãos, o compromisso com a verdade é inalienável, ainda que lhes traga sofrimento. O cristão não condena a prática do homossexualismo por se considerar moralmente superior ou por ser este um pecado maior, pois bem sabe que o orgulho que afeta todo ser humano detém essa posição. Ele expressa essa advertência em temor a Deus, como alguém que está convalescendo do seu próprio orgulho por graça imerecida. VALDIR STEUERNAGEL (integrante da Coordenadoria da Aliança, ministro luterano e dirigente da Visão Mundial) A fé cristã, embora não endosse a prática da homossexualidade como um padrão de vida recomendado pelas Escrituras, nunca pode endossar a homofobia. O direito de dizer não para a prática da homossexualidade e a afirmação da heterossexualidade não é homofobia. Somos uma sociedade laica e não cremos que a Igreja possa legislar para a sociedade, assim como a sociedade não pode legislar para a Igreja. A decisão do STF quanto aos direitos dos homossexuais que vivem em relação estável foi favorável. Como membros da sociedade, submetemo-nos, neste caso, a esta decisão por crermos ser importante zelar com justiça pelos direitos de todos, inclusive daqueles cuja postura diverge da expressão evangélica da fé cristã. CÍCERO DUARTE Todos os integrantes da sociedade devem ter amparo legal e proteção do Estado de direito. Somos, portanto, ativamente contrários a toda forma de ditadura (onde qualquer grupo tenta impor seu padrão sobre os demais) e defendemos ampla liberdade para todos nos termos da lei. Somos contrários a todo tipo de discriminação social e antagônicos a qualquer desrespeito contra uma pessoa, qualquer que seja a sua condição humana. Não é justo que ninguém seja rebaixado ou humilhado por causa de uma prática temporária ou contumaz. No entanto, apesar das mobilizações do movimento homossexual, não há relação direta entre a decisão favorável à união estável homoafetiva por parte do STF e a criminalização da homofobia na esfera legislativa.
Na sua opinião, deve haver algum aumento de pressão social no sentido de que a Igreja não apenas seja constrangida a celebrar cerimônias religiosas de união de homossexuais, como também que refreie seu discurso bíblico contra a homossexualidade? CÍCERO DUARTE Pode ser que exista, sim, pontualmente, alguma pressão social neste sentido. Mas, atualmente, nosso ordenamento jurídico não obriga a celebração de uniões homossexuais, e é mínima a possibilidade de que um dia exista tal obrigatoriedade no Brasil. CHRISTIAN GILLIS Existe um ambiente artificialmente inflado pela mídia que gera temores e pressões distorcidas que não têm correspondência na sociedade real. O mesmo Estado de direito que garante a liberdade de expressão da mídia garante a liberdade de organização e expressão religiosa privada. A postura da Igreja, entretanto, será sempre de abertura e acolhimento. Ela é uma casa de pastoreio e restauração para todos; existe existe a partir de Jesus Cristo e segundo as Escrituras, e não muda a sua natureza conforme as demandas dos tempos. A mensagem e serviço da Igreja estão sujeitos a referencias imutáveis, enquanto o Estado e o ordenamento jurídico se moldam conforme as necessidades sociais. VALDIR STEUERNAGEL É importante, neste momento, afirmar o princípio da liberdade religiosa. Quando se quer impedir ou penalizar o que não é o presente caso o direito de a Igreja expressar a sua opção pela heterossexualidade e de ser contrária à prática da homossexualidade, a liberdade de expressão está posta em risco e deve ser denunciada. MARTIN WEIGAERTNER A Igreja cristã pode adaptar-se à mudanças culturais, desde que estas não firam preceitos expressos na Palavra de Deus. Quando, porém, essas mudanças contrariam o compromisso com a verdade, a Igreja precisa contrariar o espírito da época, mesmo que isso não lhe renda popularidade.