
Os Pais da Igreja, que vieram logo após os apóstolos de Cristo, reconheceram esta verdade, como aparece claramente nos escritos de Tertuliano, Jerônimo, Agostinho, Clemente de Alexandria e outros. No Império Romano, o aborto era praticado livremente, mas os cristãos se posicionaram contra a prática. Em 314 o concílio de Ancira (moderna Ankara) decretou que deveriam ser excluídos da ceia do Senhor durante 10 anos todos os que procurassem provocar o aborto ou fizessem drogas para provocá-lo. Anteriormente, o sínodo de Elvira (305-306) havia excluído até a morte os que praticassem tais coisas. Por todos estes pontos acima, os cristãos em geral entendem que crianças não nascidas são seres humanos, são pessoas, e que matá-las é assassinato.
É verdade que não há um preceito legal na Bíblia proibindo diretamente o aborto, como “Não abortarás”. Mas a razão é clara. Era tão inconcebível que uma mulher israelita desejasse um aborto que não havia necessidade de proibi-lo explicitamente na lei de Moisés. Crianças eram consideradas como um presente ou herança de Deus (Gênesis 33:5; Salmos 113:9; 127:3). Era Deus quem abria a madre e permitia a gravidez (Gênesis 29:33; 30:22; 1 Samuel 1:19-20). Não ter filhos era considerado uma maldição, já que o nome de família do marido não poderia ser perpetuado (Deuteronômio 25:6; Rute 4:5). O aborto era algo tão contrário à mentalidade israelita que bastava um mandamento genérico, “Não matarás” (Êxodo 20:13). Mas os tempos mudaram. A sociedade ocidental moderna considera ter filhos como um obstáculo à realização individual do homem e da mulher em especial, de ter uma boa posição financeira, de aproveitar a vida, de ter lazer, e de trabalhar.
O segundo ponto tem a ver com a santidade da vida. Ainda que as crianças fossem reconhecidas como seres humanos, como pessoas, antes de nascer, ainda assim suas vidas estariam ameaçadas pelo aborto. Vivemos em uma sociedade que perdeu o conceito da santidade da vida. O conceito bíblico de que o homem é uma criatura especial, feito à imagem de Deus, diferente de todas as demais formas de vida, e que possui uma alma imortal, tem sido substituído pelo conceito humanista do evolucionismo, que vê o homem simplesmente como uma espécie a mais, o Homo sapiens, sem nada que realmente o faça distinto das demais espécies. A vida humana perdeu seu valor. O direito à continuar existindo não é mais determinado pelo alto valor que se dava à vida humana, mas por fatores financeiros, sociológicos e de conveniência pessoal, geralmente utilitaristas e egoístas.
Esses pontos devem ser encarados por todos os cristãos. Evidentemente, existem situações complexas e difíceis, como no caso da gravidez de risco e do estupro. Meu ponto é que as soluções sempre devem ser a favor da vida – inclusive da vida do feto. No caso do estupro, mesmo reconhecendo o sofrimento da mulher estuprada, devemos nos perguntar se a solução é matar a criança, que por sinal, não tem qualquer culpa da tragédia. Não podemos esquecer que o feto, mesmo o que tem problemas de malformação, é um ser humano, com direito à vida tanto quanto os que já nasceram. No caso da gravidez de risco, gosto de lembrar o que escreveu C. Everett Koop, ex-cirurgião geral dos Estados Unidos: “Nos meus 36 anos de cirurgia pediátrica, nunca vi um caso em que o aborto fosse a única saída para que a mãe sobrevivesse”. Sua prática nos casos de gravidez de alto risco era provocar o nascimento prematuro da criança, dar todas as condições para sua sobrevivência, e deixar a natureza seguir seu curso.
Ao mesmo tempo, é preciso que a Igreja se compadeça e auxilie os cristãos que se vêem diante deste terrível dilema. Condenação não irá substituir orientação, apoio e acompanhamento.
Por Augustus Nicodemus