Getúlio Cidade

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Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor do livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog de mesmo nome onde publica estudos bíblicos com ênfase na história, língua e cultura judaicas relacionadas ao cristianismo.

Qual a ligação entre Hanukkah e o Natal?

Veja qual o paralelo que as duas festividades guardam exatamente por causa da questão temporal.

Fonte: Guiame, Getúlio CidadeAtualizado: quarta-feira, 24 de dezembro de 2025 às 14:58
(Imagem ilustrativa gerada por IA)
(Imagem ilustrativa gerada por IA)

A Festa de Hanukkah deste ano terminou no dia 22 de dezembro. No entanto, na sequência dos anos, é comum que seus oito dias de duração coincidam com o feriado de Natal, pois o mês de Kislev, quando se inicia Hanukkah (também no dia 25), equivale a novembro/dezembro. Além dessa concomitância, as duas festividades guardam um paralelo exatamente por causa da questão temporal.

Alguns cristãos mais conectados às raízes judaicas afirmam que o Natal foi uma imitação, no início da era cristã, da Festa de Hanukkah, especialmente pelas luzes de ornamentação, bem presente em ambas. Essa é uma comparação simplista e precisamos considerar vários aspectos históricos.

Sol Invictus

Embora, a maioria dos cristãos saiba que Yeshua não nasceu no dia 25 de dezembro, muitos desconhecem o porquê dessa data ter sido escolhida para celebrar seu nascimento. A resposta não é simples, mas, resumindo, sua origem está no paganismo do império romano, algo que se enraizou na Igreja após sua oficialização por Constantino I, no século IV.

A data escolhida para o Natal nada tem a ver com Hanukkah e, sim, com o solstício de inverno, noite mais longa do ano no Hemisfério Norte e data da antiga adoração ao Sol Invictus, desde os tempos babilônicos e, portanto, anterior à Roma. Esse era um título aplicado a divindades solares no império romano e, no dia 25 de dezembro de 247 d.C., portanto, antes mesmo da fundação do catolicismo, o imperador Aureliano instituiu seu culto oficial.

Os imperadores eram um tipo de divindade para os romanos e alguns deles se impunham como tal. Assim, a adoração ao sol também era, de certo modo, estendida à figura dos imperadores. Após o solstício de inverno, os dias voltavam a ficar mais longos e isso representava a vitória do sol, daí o título de Sol Invictus (Sol Invencível), pois a luz prevalecia sobre as trevas.

Com a oficialização do cristianismo, a data passou a ser imposta por Roma como sendo a do nascimento de Jesus, uma vez que Ele é a Luz do mundo. Esse foi um artifício muito bem empregado para convencer os cristãos a introduzirem em seu calendário festivo a data pagã de 25 de dezembro, algo que já perdura 17 séculos. Portanto, as luzes de Natal têm a ver com essa homenagem ao deus-sol e não como mera imitação das luzes de Hanukkah.

Outro ponto de vista

Por outro lado, um fato bem interessante é que alguns judeus também acreditam nessa influência de Hanukkah sobre a celebração cristã, pois, como se sabe, a revolta dos Macabeus, que deu origem à Hanukkah ou Festa das Luzes, ocorreu no século II a.C., portanto, anterior ao nascimento de Yeshua. Isso se tornou gradativamente mais significativo à medida que os cristãos se apartaram da Oliveira Natural, ao longo dos séculos, gerando uma espécie de competição, o que explicaria duas celebrações tão próximas ornamentadas num festival de luzes. De fato, essa questão da influência na iluminação é uma linha tênue para se distinguir.

Outra coincidência entre as duas festas é que ambas não são citadas na Bíblia protestante. O Natal foi uma tradição introduzida após a absorção do cristianismo por Roma, no século IV, e Hanukkah não aparece na Tanach — a Bíblia hebraica — porque seu último livro foi escrito cerca de quatro séculos a.C., portanto, anterior aos Macabeus. A única menção a ela ocorre brevemente no Novo Testamento, em João 10:22, citando a participação de Yeshua na Festa da Dedicação (significado de Hanukkah). A história de Hanukkah, porém, está relatada no livro de Macabeus, constante nos cânons católico e ortodoxo.

Uma conexão inesperada

O que poucos sabem, no entanto, é que Hanukkah não era uma Festa tão celebrada entre os judeus no início da era cristã, pois a tragédia da destruição do Segundo Templo, em 70 d.C, acabou por ofuscar sua importância, uma vez que sua tônica era a consagração do Templo após a conquista contra os gregos selêucidas pelos Macabeus. O que mudou, então, que tornou Hanukkah uma Festa de tão grande relevância atualmente entre o povo judeu? Paradoxalmente, a resposta está no Natal, por mais estranho que possa parecer.

Como o cristianismo crescia rapidamente pelo mundo, após sua adoção por Roma, tornando-se a religião dominante, os judeus precisaram encontrar uma alternativa ao perigo de assimilação cristã pelos países para onde foram espalhados após a diáspora do século I d.C. Assim, as cores e as luzes do Natal passaram a competir com as de Hanukkah em todas as partes do mundo onde havia uma comunidade judaica. Logo, de modo irônico ou não, as duas celebrações passaram a se conectar, o que já dura muitos séculos, embora a intenção tenha sido exatamente o contrário.

 

Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor de A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog www.aoliveiranatural.com.br.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

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