A celebração de Páscoa que reuniu o presidente Jair Bolsonaro e líderes religiosos, em 12 de abril, está sendo o motivo de uma ação judicial movida pela Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea).
A transmissão ao vivo foi exibida no domingo de Páscoa nas redes sociais do presidente e na TV Brasil. O SBT, emissora de Silvio Santos, chegou a exibir boa parte da videoconferência dentro de sua programação; sua esposa, Iris Abravanel, foi a mediadora do encontro.
A Atea entrou na Justiça contra o governo federal, o presidente da República e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), na qual pertence a TV Brasil. A associação alega que o uso da emissora pública para o encontro virtual com representantes do cristianismo e do judaísmo violou a Constituição.
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, a Atea pede ainda que Bolsonaro fique proibido de repetir iniciativas do tipo e seja condenado a pagar R$ 100 mil por danos morais coletivos. O caso está na Justiça Federal do Distrito Federal.
A ação, no entanto, foi rejeitada pelo juiz Waldemar Claudio de Carvalho, da 14ª Vara Federal de Brasília nesta quarta-feira (13), “pois não se pode confundir laicidade do Estado com ateísmo”.
Para o magistrado, a transmissão feita pela EBC teve caráter ecumênico e o princípio da laicidade exige a separação entre religião e Estado.
“Não requer a negação ou indiferença ao Deus criador ou mesmo impede a manifestação em Sua crença por quem quer que seja, inclusive o Presidente da República. Note-se que o próprio constituinte invocou a proteção de Deus quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, conforme se pode ver da parte final de seu preâmbulo”, disse o juiz.
Entre os líderes que participaram da celebração de Páscoa, estavam o pastor Silas Malafaia, o pastor e deputado federal Marco Feliciano (Republicanos-SP), os pastores e cantores André Valadão e Eyshila Santos e o missionário R. R. Soares.
Também foram convidados o casal fundador da Igreja Renascer em Cristo, apóstolo Estevam e bispa Sônia Hernandes, o bispo Robson Rodovalho, da Sara Nossa Terra, o apóstolo Luiz Hermínio, do MEVAM, o padre Reginaldo Manzotti, o bispo católico dom Fernando Antônio Figueiredo, o rabino Leib Rojtenberg, entre outros.
A Atea argumentou que a exibição da live religiosa pela TV Brasil se somou à “sistemática violação da laicidade do Estado” por Bolsonaro. “A utilização da emissora para atender a interesses privados do presidente e de segmentos religiosos fere, indiscutivelmente, o interesse público. Está na hora de o Poder Judiciário frear isso”, diz a entidade.
“Além de uma violação frontal à Constituição, houve uma manifestação de preferência e favorecimento da Presidência por determinadas crença”, afirma Thales Bouchaton, advogado da Atea que ingressou com a ação civil pública.
Fé de maioria
Para estudiosos como Jean Marques Regina, que é especialista em direito religioso e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião, a live de Páscoa não fere a Constituição, porque ela contemplou “a diversidade religiosa cristã” e “a fé é bem conceituada” pela maior parte da população brasileira.
“A laicidade do Estado não é um conceito fechado. Cada país, de acordo com sua história do relacionamento entre poder político e religião, molda institucionalmente as interações. Foi um bate-papo informal, não uma cerimônia religiosa propriamente dita. O presidente se reuniu com líderes para uma palavra de ânimo e encorajamento”, disse Jean.
A Atea foi fundada em 2008 e afirma ter hoje 14 mil membros em todo o país. O grupo defende bandeiras como a preservação do Estado laico e o combate à discriminação contra ateus e agnósticos.