O teólogo e escritor Gutierres Siqueira fez um alerta sobre o Projeto de Lei 4606/19, que prevê a proibição de alterações ou edições dos textos na Bíblia.
O PL já foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 2022, e hoje está em discussão no Senado Federal.
Em publicações compartilhadas no Instagram nesta semana, Gutierres afirmou que a proposta tem boa intenção, porém pode colocar em risco a liberdade religiosa dos evangélicos.
“A liberdade de religião está em risco no Brasil. O projeto proíbe qualquer alteração no texto bíblico. E aí você vai dizer: ‘Mas qual o problema? Isso é maravilhoso, estão preservando a pureza do texto bíblico contra influências ideológicas, contra influências malignas que querem adulterar a Palavra de Deus’. Não é maravilhoso, isso é perigoso”, ponderou.
Traduções bíblicas em risco
O teólogo, que é especialista em Interpretação Bíblica e editor-assistente da Sociedade Bíblica do Brasil, explicou que o PL 4606/19 vai prejudicar o trabalho de traduções bíblicas e de melhoramento de versões.
Além disso, se a proposta for aprovada, pode ameaçar projetos missionários que tornam a Bíblia acessível a povos indígenas.
“No Brasil, existem cerca de 180 línguas indígenas com traduções da Bíblia (ou parte dela). Se qualquer edição ou adaptação for proibida, isso pode impedir que as Escrituras sejam traduzidas numa linguagem culturalmente adequada, e adaptadas para gramática ou alfabeto novo”, afirmou Gutierres.
“Pode dificultar traduções que exigem glossário, notas ou adaptações para línguas que até então não tinham textos escritos e nem gramática, porque o PL não faz distinção entre ‘tradução legítima’ e ‘tradução indevida’”, observou.
Ver essa foto no Instagram
Segundo o especialista, a legislação também impedirá qualquer nova edição da Bíblia, como versões de estudo e para crianças. Além disso, irá afetar estudos acadêmicos e traduções modernas, que acompanham novas descobertas textuais e avanços linguísticos.
Bíblia nas mãos do Estado
Gutierres ainda alertou para o perigo de dar ao Estado o poder de decidir o que é ou não a Bíblia.
“Se a lei for aprovada, quem vai preservar o texto bíblico será o Estado brasileiro. Uma missão da Igreja será delegada ao Estado, vamos criar a Bíblia estatal?”, questionou.
“O governo teria que decidir qual Bíblia é a verdadeira: a protestante com 66 livros ou a católica com 73? O Antigo Testamento seguiria o Texto Massorético hebraico ou a Septuaginta grega? E o Novo Testamento, o Texto Receptus ou o Texto Crítico Moderno?”.
E ressaltou: “Quem guarda a fé, a Palavra e a doutrina não é o Estado, é a Igreja. A Palavra de Deus foi entregue aos santos e não aos governos. O projeto de lei é vago, um completo absurdo, nós cristãos não deveríamos comemorar esse tipo de coisa, pelo contrário, isso põe em ameaça a nossa liberdade de religião”.
Ver essa foto no Instagram
Teólogos e pastores refutam o PL
O PL 4.606/2019, de autoria do deputado Pastor Sargento Isidório (Avante), já foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos do Senado, sob relatoria do senador Magno Malta (PL). Atualmente, o texto está em análise na Comissão de Educação.
No dia 30 de outubro, a Comissão de Educação do Senado realizou uma audiência pública sobre o PL, convocada pela senadora Damares Alves (Republicanos) após instituições religiosas solicitarem a discussão antes da deliberação final.
Na audiência, pastores, teólogos e juristas criticaram a proposta e enfatizaram a inviabilidade prática da medida.
O diretor-executivo da Sociedade Bíblica do Brasil, Erní Walter Seibert, afirmou que a lei poderia gerar impasses acadêmicos, uma vez que os textos originais da Bíblia passaram por adaptações históricas, como a inclusão de vogais no hebraico e a numeração de capítulos e versículos.
Já o pastor Paulo Nunes, do Conselho Nacional de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas (Conplei), expressou preocupação que a medida afete as traduções em línguas indígenas. "Se a Bíblia é a Palavra de Deus, não precisa da proteção do projeto", defendeu o pastor.
O advogado Renato Gugliano Herani, representante da Igreja Universal, apontou que o PL "tornaria o Estado guardião oficial de um texto sagrado", contrariando o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que o poder público não pode interferir em questões de fé.
