Jorge Camargo: "Há música religiosa ruim e música secular boa"

Jorge Camargo: "Há música religiosa ruim e música secular boa"

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:42

Antognoni Misael, colunista deste blog, entrevistou o cantor Jorge Camargo. Considerado como um dos maiores expoentes da música Cristã, Jorge esbanja uma trajetória com oito discos cheios de salmos, poesia, reflexão e imaginação, além de ser um compositor que dispensa comentários. Pra quem não conhece o Jorge, aconselho que se apresse em apreciá-lo.

O resultado da entrevista você confere à seguir:

Púlpito Cristão: Jorge, seu mais recente trabalho “Tudo Que É Bonito de Viver” traz uma mistura de simplicidade, sentimento e musicalidade. Diferente de todos os álbuns que já produziu, este mostra um Jorge Camargo mais intimista cuja odisséia da vida é mar de descobertas contínuas. Fale um pouco desse novo CD e de sua atual perspectiva quanto a sua música.

Jorge Camargo: Em Tudo que é bonito de viver volto diferente. Fiquei uma década buscando me redescobrir, reinventar talvez. Não porque o que era antes não tenha valido. Ao contrário, sou o resultado de meu passado, de uma trajetória que me fala ao coração. Mas, de fato, com os percalços e alegrias que a vida me apresentou, não sou mais quem era antes. Sou outro e minhas canções, com isso, também foram mudando.

O que chega até vocês é um retrato atual e mais nítido do Jorge que há tanto tempo tem estado por aí, em meio à vida de tanta gente. Esta é a minha vida. E essas canções expressam mais que a minha arte. Falam da minha realidade como pessoa, dos meus amores, dos meus medos, das minhas buscas, da minha coragem desafiada e exposta, da minha esperança de felicidade, de onde ainda quero chegar. Chegar tendo ao lado as pessoas que mais amo: as minhas Anas, a minha Vê. Em nenhum outro momento soube tão claramente que ninguém é nem jamais será mais importante nesta minha vida tão frágil e tão surpreendente.

PC: Diante de tanta novidade surgida na chamada música gospel, o louvor na igreja brasileira vive em estado de atualização constante em virtude dos sucessos do momento, no entanto, algumas canções suas como, “Muitos virão Te louvar”, “Ajuntamento”, “Bendize”, dentre tantas, ainda são bastante cantadas em cultos congregacionais. Como você avalia esse panorama musical no âmbito da igreja hoje? Pra você existe alguma lógica entre o essencial e o descartável na música cristã?

Jorge Camargo: Penso que há uma lógica sim, entre arte descartável e arte que se perpetua. E que isso também vale para a música chamada de cristã. Como dizia o Tom Jobim, só há dois tipos de música: a boa e a ruim. O fato de se fazer música religiosa não garante que ela seja boa. Há música religiosa ruim, como há música secular boa. Quanto ao panorama musical atual, vivemos algo semelhante ao que acontece na música popular: um hiato, uma carência de renovação a altura de nossa história e herança artística.

PC: Diferente de 20 anos atrás, hoje o método de gravaçao tem um grande facilitador para o resultado final: o computador. Porém, essa nova tecnologia acabou também alterando o processo de composição fazendo com que a música encomendada (presa a fórmula) ganhasse maior relevância no cenário evangélico, a exemplo das inúmeras canções de “chavões” e jingles comerciais. Como um compositor nato, como você conjectura ‘criatividade como reflexo de uma verdade’ e a ‘criatividade como capacidade de popularizar um produto’?

Jorge Camargo: Não creio que esse seja um fenômeno limitado ao meio religioso. Como disse na resposta anterior, essa mercantilização da arte tem ocorrido não apenas no meio cristão, mas com as iniciativas artísticas em geral. Penso que toda obra artística que tenha a vocação de se perpetuar esteja comprometida com a linguagem poética (da imaginação) e que, portanto, expressa beleza (não no sentido de boniteza), mas no sentido de verdade e de integridade, que se manifestam até mesmo na descrição de algo triste ou feio. Acho que isso faz distinção entre arte genuína e entre elementos artísticos utilizados para fins exclusivamente comerciais.

PC: Como você avalia a inserção da música evangélica na dinâmica da Indústria Cultural? Quais os pontos positivos e negativos?

Jorge Camargo: Penso que positivamente, poderia destacar a disponibilização da mensagem a um número maior de pessoas devido ao acesso à mídia. No entanto, a ênfase na questão comercial e na utilização da arte como instrumento de massificação e de doutrinação (e consequente alienação) tem prejudicado o caminho da música cristã.

PC: Qual a relação você faz entre arte cristã e arte secular? Há possibilidades do cristão convergí-las em sua vida comum?

Jorge Camargo: É o que tenho buscado fazer, inclusive. A linguagem de gueto da música religiosa a tem isolado. Eu acredito em uma integração entre a linguagem poética e a linguagem religiosa a partir de uma matriz comum: a imaginação. O relato bíblico da atuação dos profetas atesta o fato de que a voz divina se faz ouvir pela linguagem da arte e da imaginação, muitas vezes sem a simbologia religiosa.

PC: Desde já agradeço muito sua gentileza em ter aceitado ao nosso pedido, e que Deus continue preservando esse talento te dando mais Graça a cada dia. Alguma consideração final?

Jorge Camargo: Eu é que agradeço pelo contato e pela entrevista.

*Jorge Camargo é considerado um dos principais músicos cristãos da atualidade. É mestre em Ciências da Religião pela Universidade Mackenzie, compositor, tradutor e poeta. Possui 8 CDs individuais. Já fez shows no Brasil inteiro, EUA, Europa e África.

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