Todo dia ele faz tudo sempre igual. Acorda, se alimenta, treina e fica com a família. Foge das noitadas porque diz não aguentar ficar acordado depois das 23h. Mesmo que o treinador o deixe no banco ou o escale em uma posição que não é a sua, não reclama. Fahel segue a cartilha que todo técnico sonha que seus jogadores cumpram. Por isso, desde que chegou ao Botafogo, levado por Ney Franco, caiu nas graças de todos os comandantes alvinegros. Mesmo assim, é alvo constante da fúria de torcedores, que o consideram um dos marcos da má fase do clube.
Fahel brinca com o filho na varanda de sua casa: menino aponta para símbolo do Botafogo e diz "papai" (Foto: Thiago Fernandes/Globoesporte.com) A perseguição é grande. Em alguns jogos, Fahel nem precisa errar um passe para ser vaiado. Aliás, não precisa sequer entrar em campo. Basta o nome do volante aparecer na escalação, que lá vêm as vaias. Por isso, Joel Santana decidiu tirar o jogador da equipe para poupá-lo durante um tempo. Mesma postura adotou Caio Júnior em sua chegada. Fahel não concordou. Preferia continuar jogando. Mas, com o profissionalismo tão admirado em General Severiano, continuou treinando com a mesma dedicação. Como suportar isso? Pensando na família.
- Eu acho que Joel e Caio tiveram seus motivos para me tirar. Eles conversaram comigo e foram muito honestos. Gosto de ser justo e que os outros sejam assim comigo também. Por isso, mesmo preferindo jogar, aceitei a decisão deles. Claro que às vezes você fica triste, desmotivado. Mas, todo dia que eu vou treinar, penso na minha família. É por eles que eu me dedico. É por eles que eu trabalho. Por isso, faço questão de cumprir tudo que é necessário para poder estar bem. No futebol, a chance aparece. E, quando ela aparece, você tem que estar bem.
Fahel, com a esposa grávida e o filho João Victor. Volante se preocupa com mudanças na vida deles
(Foto: Thiago Fernandes/Globoesporte.com)
A chance realmente apareceu, mas em uma situação complicada. Com Antônio Carlos suspenso, Fábio Ferreira machucado e Márcio Rosário dispensado pelo clube, Caio Júnior tinha apenas um zagueiro (João Filipe) para o jogo decisivo contra o Avaí, pela Copa do Brasil. O treinador recorreu então a Fahel. O volante aceitou jogar improvisado, mesmo sabendo que uma falha sua poderia ocasionar ainda mais pressão sobre seus ombros.
- Eu procurei não pensar muito nisso. Sabia que havia esse risco, mas queria ajudar. Se você pensa nas coisas negativas, elas acabam acontecendo. Então, eu pensava só que eu ia jogar, que não íamos sofrer gols e que íamos nos classificar. Infelizmente, isso não aconteceu por causa daquele pênalti, mas acho que pelo menos pude mostrar meu trabalho ao Caio.
Mas nem o esforço de atuar improvisado em um jogo tão importante diminuiu a ira da torcida. No amistoso contra o Friburguense, o volante sequer estava relacionado, mas torcedores gritaram Fora, Fahel nas arquibancadas. Uma situação que incomoda, mas não preocupa o jogador.
- Nas ruas, as pessoas que param para falar comigo são sempre muito atenciosas e me dão força, pedem para eu continuar treinando e me esforçando. Acho que é uma minoria que fica me vaiando. Aí, lógico, quando o jogo está tenso, o resto do estádio acaba vaiando junto. Eu estou vacinado contra isso. Então, nem me incomoda muito. O que me preocupa é a minha família. Minha esposa fica muito chateada e meu filho acaba sentindo que os pais não estão bem.
As duas faces no Bota: vaiado pela torcida e querido no time (Thiago Fernandes/Globoesporte.com)
Mesmo assim, Fahel diz que as vaias da torcida não o farão deixar o clube. Contudo, o jogador está com uma proposta do Bahia em mãos e estuda se vai aceitá-la ou não.
- Eu estou pensando muito e converso muito com minha esposa. Temos um filho pequeno (João Victor, de um ano e seis meses) e já já serei pai de novo (Ingrid está grávida de nove meses, e a filha se chamará Camila). Tem que ser uma coisa bem pensada. Teríamos que mudar de estado e mudar a vida toda. Também não quero deixar o Botafogo parecendo que estou fugindo. Só penso em sair porque teria mais chances de jogar, e o projeto do Bahia é muito bom. O clube tem uma torcida apaixonada que apoia muito. Isso me motiva.
Técnicos defendem Fahel
Se depender de Caio Júnior, Fahel não sai. Em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM, na semana passada, o treinador elogiou bastante a postura do jogador e lamentou a perseguição da torcida. Na opinião dele, o jogador pode ser uma boa peça para o Brasileiro por atuar tanto como zagueiro quanto como volante.
- O desgaste não é só dele. É de alguns jogadores que estão há muito no clube e estiveram presentes em algumas derrotas que marcaram. Na minha opinião, o Fahel joga em qualquer clube do Brasil. Não o conhecia e fiquei impressionado com a personalidade, o caráter e o comportamento dele. Desde que cheguei, é de enaltecer e valorizar. Se todos os jogadores tivessem metade do comportamento profissional do Fahel, seria muito fácil trabalhar no futebol. Tecnicamente, acho que ele pode jogar de volante ou como quarto zagueiro. Tem tudo para ser um grande jogador nesta posição. Acho que hoje ele é muito mais um quarto zagueiro do que um volante. Não sei se isso vai acontecer mais para frente, mas eu vejo assim.
Momento de carinho entre a família (Foto: Thiago Fernandes/Globoesporte.com)
Ex-comandante do clube, Joel foi taxativo: para ele, Fahel foi um dos grandes responsáveis pelo título estadual e pela boa campanha do clube no Brasileiro de 2010. O treinador diz que o volante sofre por ter mais tempo de casa.
- Cinco jogadores foram essenciais para a boa campanha do ano passado: Jefferson, Alessandro, Fahel, Guerreiro e Lucio Flavio. Esses jogadores com mais tempo de casa fecharam comigo e me ajudaram a implementar um sistema vencedor. O que estão fazendo com ele é uma tremenda injustiça. Ele é um exemplo de profissional. Por isso, todo mundo gosta dele no clube. A torcida só faz isso porque não conhece a índole dele e não vê a dedicação dele ao time. Ele foi um dos grandes jogadores do título carioca do ano passado.
A resposta de Fahel ao Bahia sairá nos próximos dias. A decisão ainda mexe com a cabeça do jogador. Se sair, ele sabe que deixará muitos amigos em General Severiano. Se ficar, sabe que dependerá deles para superar o mau momento com a torcida.