A necessidade de um posicionamento eficaz da igreja cristã frente aos ataques do comunismo

Uma análise teológica e estratégica.

Fonte: Guiame, Daniel RamosAtualizado: quinta-feira, 11 de setembro de 2025 às 17:52
(Foto: Unsplash/Jonathan Wells)
(Foto: Unsplash/Jonathan Wells)

Introdução: Definindo o Campo de Batalha

A relação entre a Igreja Cristã e o comunismo constitui um dos grandes embates ideológicos dos séculos XX e XXI. Longe de ser uma mera disputa política, este conflito arraiga-se em cosmovisões antagônicas sobre a natureza do homem, a origem da dignidade, a estrutura da sociedade e a própria transcendência. Um posicionamento eclesial eficaz, portanto, não pode ser meramente reativo ou reduzido a um manifesto político-partidário.

Ele deve emergir de uma compreensão profunda das incompatibilidades doutrinárias, da memória histórica dos martírios sob regimes marxistas-leninistas e de uma estratégia positiva que articule uma antropologia robusta e uma prática social distintamente cristã. Argumenta-se que a resposta da Igreja deve ser tríplice:

1) apologética, confrontando os pressupostos materialistas;

2) profética, denunciando a opressão e defendendo a liberdade religiosa; e

3) diaconal, demonstrando na prática a superioridade da caridade e da subsidiaridade cristãs sobre o coletivismo estatal coercitivo.

1. O Núcleo do Conflito: Incompatibilidade de Fundamentos Antropológicos e Teleológicos

O primeiro e mais fundamental nível de embate é o filosófico-teológico. O comunismo, em sua expressão clássica marxista, assenta-se no materialismo dialético, que nega qualquer dimensão transcendente da realidade. O homem é produto exclusivo de relações materiais e econômicas, um homo economicus cuja consciência e cultura são meros reflexos de sua base material (superestrutura). Sua teleologia é imanente: a realização humana ocorre na utopia terrena de uma sociedade sem classes, alcançada através da luta de classes e da revolução.

A antropologia cristã, por sua vez, declara que o homem é Imago Dei (Imagem de Deus), portador de uma dignidade intrínseca e inalienável, derivada de seu Criador. A sua identidade não é reduzível às suas condições materiais; ele é um ser espiritual, moral e relacional, com um destino eterno que transcende a história. A teleologia cristã aponta para o Reino de Deus, uma realidade escatológica que se inaugura, mas não se esgota, na história.

Essa divergência radical torna o conflito inevitável. Para o Estado comunista, a lealdade última do indivíduo deve ser para com o coletivo (o Partido e o Estado). A Igreja, ao proclamar uma autoridade transcendente (Deus) e uma comunidade transnacional (o Corpo de Cristo), representa uma ameaça direta ao monopólio totalitário da lealdade.

A história demonstra isso eloquentemente, desde os mártires dos gulags soviéticos e das laogai chinesas até os padres perseguidos em Cuba e na Coreia do Norte. Um posicionamento eficaz da Igreja deve começar por desmascarar este reducionismo antropológico, afirmando com clareza que qualquer sistema que negue a dimensão espiritual do homem está, ipso facto, negando a plenitude de sua humanidade e abrindo caminho para a sua opressão.

2. Para Além da Crítica: A Resposta Profética e Diaconal da Igreja

Uma postura meramente crítica, no entanto, é insuficiente e pode cair no mesmo espírito de confronto que se pretende combater. A eficácia do posicionamento eclesial reside em sua capacidade de oferecer uma alternativa positiva e concretamente visível. Esta alternativa opera em duas frentes:

a) A Frente Profética: A Igreja é chamada a ser a voz dos que não têm voz (Provérbios 31:8-9), o que inclui denunciar as violações de liberdade religiosa, de consciência e de expressão perpetradas por regimes comunistas. Este não é um ato de intervenção política partidária, mas um cumprimento de sua missão divina. Significa advocacia internacional, documentação de perseguições e suporte pastoral às comunidades subterrâneas. A profecia, porém, também é dirigida internamente, alertando as sociedades livres sobre a erosão de valores que abrem espaço para ideologias totalitárias, como o secularismo agressivo e o relativismo moral que nega qualquer verdade absoluta.

b) A Frente Diaconal (de Serviço): O comunismo promete resolver a questão social através da estatização dos meios de produção e da imposição de uma igualdade material coerciva. A Igreja deve e pode demonstrar um caminho superior. A Doutrina Social da Igreja, com seus princípios de dignidade da pessoa humana, bem comum, subsidiariedade e solidariedade, oferece um modelo alternativo. A subsidiariedade, particularmente, é um antídoto direto ao coletivismo: ela defende que as questões devem ser resolvidas no nível mais local possível, empowering comunidades e indivíduos, em oposição à concentração de poder no Estado.

A Igreja eficaz é aquela que, através de suas escolas, hospitais, bancos de alimento e agências de caridade, demonstra uma caridade inteligente que promove a pessoa em sua integralidade, resgatando-a da miséria material sem roubar-lhe a agência e a dignidade. Este testemunho prático desarma a crítica marxista de que a religião é "o ópio do povo", mostrando-a, pelo contrário, como o fermento de uma verdadeira transformação social baseada no amor e no serviço, e não no ódio de classe e na revolução.

Considerações Finais: Por uma Estratégia de Resistência Cultural e Esperança Transcendente

Portanto, a necessidade de um posicionamento eficaz da Igreja frente ao comunismo é mais premente do que nunca. Este posicionamento, contudo, deve evitar as armadilhas do simplismo e do reacionarismo. Não se trata de abraçar uma agenda de direita ou de esquerda, mas de afirmar uma soberania que está além de todas elas: a soberania de Cristo sobre toda a criação.

A estratégia deve ser multifacetada: intelectual, para desafiar os pressupostos materialistas; profética, para defender a liberdade e denunciar a injustiça; e diaconal, para oferecer um modelo tangible de sociedade fraterna. Acima de tudo, a resposta da Igreja deve estar fundada na esperança escatológica.

Enquanto o comunismo oferece uma utopia terrena inevitavelmente falível e construída sobre cadáveres, a Igreja anuncia um Reino que já está presente, mas que se consumará além da história.

Esta esperança não é um refúgio piedoso, mas a fonte de uma resistência indestrutível, capaz de suportar a perseguição e de oferecer, mesmo perante a opressão, um testemunho de amor e verdade que nenhum aparato estatal jamais poderá silenciar completamente. A eficácia final da Igreja não reside em vencer uma batalha política, mas em permanecer fiel à sua identidade e missão, confiando que, no fim, a verdade de Cristo prevalece sobre todas as ideologias.

 

Daniel Santos Ramos (@profdanielramos) é professor, possui Licenciatura em Letras Português-Inglês (UNICV, 2024) e bacharelado em Teologia (PUC MINAS, 2013). Pós-graduado em Docência em Letras e Práticas Pedagógicas (FACULESTE, 2023). Mestre em Teologia (FAJE, 2015). Atualmente é colunista do Portal Guia-me, professor de Língua Portuguesa no Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e Ensino Médio e de Língua Inglesa no Ensino Fundamental (ll) da SEE-MG, professor de Teologia no IETEB e professor de Português Instrumental do IE São Camilo. Escreveu dois livros, "Curso de Teologia: Vida com Propósito" (AMOB, 2023) e "Novo Curso de Teologia: Vida com Propósito (IETEB, 2025). Além de possuir mais de 20 anos de experiência na ministração da Palavra. É membro da Assembleia de Deus em Belo Horizonte (desde sempre), congrega no Templo Central.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

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