O guarda do meu irmão

Aquele que guarda alguém identifica um perigo ou uma ameaça, alerta esse alguém e, em paralelo, interpõe-se entre a ameaça e a pessoa a fim de protegê-la.

Fonte: Guiame, Getúlio CidadeAtualizado: sexta-feira, 28 de outubro de 2022 às 18:45
Caim, interpretado por Eduardo Speroni. (Foto: RecordTV)
Caim, interpretado por Eduardo Speroni. (Foto: RecordTV)

“Perguntou, pois, o Senhor a Caim: Onde está Abel, teu irmão? Respondeu ele: Não sei; sou eu o guarda do meu irmão?” 
Gênesis 4:9

Ao ser confrontado por Deus, logo após assassinar seu irmão, Caim usa uma palavra bem conhecida tanto no hebraico bíblico quanto no hebraico moderno: shomer (שומר) Seu significado — guarda — tem sua raiz no verbo lishmor que quer dizer guardar, preservar, manter, vigiar. Não significa vigiar no sentido de bisbilhotar, mas de proteger contra qualquer ameaça. É a mesma palavra usada no belo Salmo 121 para se referir a Deus como o Protetor ou Guarda de Israel — Shomer Israel (שומר ישראל).

Aquele que guarda alguém identifica um perigo ou uma ameaça, alerta esse alguém e, em paralelo, interpõe-se entre a ameaça e a pessoa a fim de protegê-la. Ao ser questionado por Deus sobre o paradeiro de Abel, Caim responde com ironia, como se exercer a função de guarda de seu irmão fosse uma ideia totalmente esdrúxula ou absurda.

O ORGULHO DE CAIM

Esse diálogo travado entre Deus e Caim mostra sua natureza ciumenta e egoísta; um coração rancoroso e automutilado por ter tido sua oferta recusada pelo Senhor. Não quero entrar no mérito do porquê da oferta ter sido recusada, mas pôr o foco sobre a reação de Caim. Ficar triste por isso seria algo natural e, caso fosse somado a uma atitude de humildade, teria sido uma grande oportunidade de crescimento espiritual para Caim. Se tão somente ele tivesse se quebrantado, tudo poderia ter sido diferente. Como disse o Senhor, “se procederes bem, não serás aceito?” (v. 7). Mas Caim preferiu dar lugar à ira (que jamais opera a glória de Deus) e matar seu irmão, cuja oferta havia sido aceita perante Deus.

Por que é tão fácil nos identificarmos com as pessoas necessitadas, alquebradas, miseráveis e feridas do que com as que alcançam alguma vitória, algum êxito, alguma honra ou atingem algum nível maior de prosperidade? E quando se trata de irmãos na fé, não deveria ser isso motivo de maior alegria?

Talvez a resposta esteja no comportamento de Caim que é o mesmo da natureza humana desde a Criação. O sentimento de orgulho por ter visto o irmão prosperar em sua oferta e ele mesmo ter sido preterido, em vez de despertar em Caim um sentimento de alegria pelo irmão, produziu efeito reverso, gerando inveja e ciúme, culminando com o ato homicida. Eu me pergunto quantos cristãos hoje matam seus irmãos em seu interior com o mesmo sentimento. Não o podendo fazer fisicamente, matam-nos com palavras e atitudes, riscando seus nomes de seus corações.

GUARDANDO NOSSO PRÓXIMO

Por ocasião do juízo iminente de Deus sobre Jerusalém devido aos pecados de seus habitantes, Deus se queixa ao profeta de não achar ninguém que se interpusesse entre Ele e a cidade para que não fosse destruída (Ezequiel 22:30). Ele buscava por um guarda, um vigia da cidade. Alguém que veria a ameaça, o juízo a caminho, e avisaria seus moradores a fim de se arrependerem e mudarem suas atitudes, preservando-os diante de Deus.

Esse é o real papel do intercessor, aquele que vigia e guarda, orando e alertando o próximo sobre os perigos do caminho, e também se alegrando com suas vitórias. Deus busca ainda hoje tais intercessores que se ponham de guarda para protegerem pessoas, famílias, cidades, povos e nações.

Fosse Caim um intercessor e um guarda, o assassinato de Abel jamais teria ocorrido. Ao contrário de se tornar inimigo, teria se juntado a seu irmão para dar graças a Deus por sua oferta que fora aceita. E, por esse ato de humildade, teria aprendido como ofertar de modo a agradar ao Senhor, juntamente com Abel. No lugar de morte, teria havido vida e edificação para ambos, e o nome do Senhor teria sido glorificado.

O chamado de Deus para nós é para termos uma atitude contrária à de Caim em relação ao nosso próximo: guardá-lo em oração e intercessão, vigiar contra os ataques do inimigo, ajudá-lo quando preciso e, por fim, regozijar-se em suas conquistas. Se assim agirmos, entregaremos ao Senhor uma oferta tão suave e tão agradável como foi a de Abel, ambos serão abençoados e, mais importante, o nome do Senhor será exaltado.

É interessante que, na sequência do texto de Gênesis, o Senhor não responde à pergunta de Caim. E nem precisava. A resposta está implícita nas páginas de toda a Bíblia: Sim, eu sou o guarda de meu irmão!

Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor do livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog de mesmo nome.

* O conteúdo do texto acima é de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

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