Uma das perguntas mais corriqueiras da vida é: o que é que você faz? As nossas respostas – professor, engenheiro, empresário – não contêm a totalidade da nossa identidade, mas são atalhos para começar uma conversa.
Depois que me mudei para Roma para começar uma igreja evangélica, a minha vocação se tornou difícil de explicar. Foi uma dificuldade do trabalho missionário que eu não esperava – e que produziu mais de uma atrapalhada.
Quando as pessoas me perguntavam o que fazia, minha resposta, “Sou um pastor”, por vezes produzia uma encarada confusa.
— Mas você está na cidade!
— Isso mesmo, moro aqui.
— Você mora em Roma?
Por um momento, parecia que a pessoa estava surpresa de encontrar um pastor protestante em uma cidade historicamente católica. Mas aí percebi que a confusão dizia respeito à criação de animais.
— Quero dizer, pastor de uma igreja! Não pastor de ovelhas.
— Ah! Não estava entendendo, como um pastor podia morar na cidade!
Aprendi a adicionar que era um pastor de uma igreja, mas a explicitação muitas vezes mais atrapalhava do que ajudava. Foi o que aconteceu quando uma aluna do curso de dança que a minha esposa e eu frequentamos perguntou o que eu fazia. Senti o contraste entre minha profissão e o ambiente em que estávamos, mas não consegui pensar num modo de mudar o rumo da conversa. A melhor resposta era mesmo dizer a verdade.
— Sou pastor… de uma igreja.
Aquela breve frase era mais do que a Bianca podia processar. Ela inclinou a cabeça, franziu as sobrancelhas e ficou olhando para mim. Eu quase podia seguir seu raciocínio: pastor… igreja… sacerdote, e aí esposa… filho… salsa… O sacro e o profano eram misturados de um tal jeito que ela entrou em curto-circuito.
— Ah! — foi tudo o que conseguiu dizer. Ela tinha vindo a um ambiente secular (aula de salsa) com um objetivo secular (encontrar um namorado), mas a presença de alguém vinculado à igreja, e que misturava as bolas porque tinha uma esposa e um filho, era demais para ela.
E havia ocasiões em que a confusão a respeito de minha vocação era toda culpa minha, mesmo. Meu objetivo de ser um representante respeitável da fé desmoronou quando eu encontrei a Pina, uma outra aluna das aulas de salsa, enquanto saboreava um cappuccino no bar pela manhã. Eu não tinha feito a barba, não tinha tomado banho e tinha colocado a coisa mais fácil depois de uma noite de pouco sono: chinelos, bermuda e uma camiseta que usava já fazia uns dez anos. Indo para o bar, tive a sensação de que algo daria errado, de que tinha colocado roupas inapropriadas, mas aí pensei: Ah, que nada, estou de boa.
A Pina me perguntou o que eu fazia. Apoiei meu cappuccino no balcão, tentando lembrar se havia escovado os dentes, e respondi:
— Eu sou pastor… de uma igreja.
O silêncio ficou no ar, enquanto a Pina tentava conciliar minha resposta espiritual com minha aparência maltrapilha. Então, ela graciosamente fingiu que não havia nenhum problema e tivemos uma conversa agradável. Mas naquele dia eu tomei uma decisão: precisava começar a me vestir melhor.
Mas a pessoa a quem eu mais tinha medo de me apresentar era o Padre Antonio, o sacerdote do bairro onde começamos a Igreja Hopera. Eu o via caminhar pelas ruas e pensava: Lá vai uma pessoa distinta. Não sei o que ele pensava de mim quando me via empurrar um carrinho de bebê com um polvo pirata pendurado. Ele falava italiano perfeitamente; eu ainda estava aprendendo. Tinha membros em sua igreja; eu não. Sua paróquia ocupava um quarteirão inteiro; a nossa igreja nem existia ainda. E ele se parecia com o Antonio Banderas.
Não que eu desejasse me parecer com um ator bonitão. Mas minha habilidade de inspirar confiança no Mundo Eclesiástico era prejudicada por um outro obstáculo: mesmo quando eu me vestia bem, não era o que as pessoas esperavam. Na Itália, o clero se apresenta em adoráveis estereótipos: freiras sorridentes, franciscanos em sandálias parecidas com as de Jesus, cardeais com o chapeuzinho, o papa acenando de branco. Eu usava roupas ordinárias em vez de hábitos religiosos e tinha 26 anos na época, muito embora as pessoas dissessem que eu parecia ter cinco ou até dez anos a menos. Elas franziam o rosto quando encontravam esse pastor jovenzinho com uma esposa e um filho. Eu não era velho; não era celibatário; chegava acompanhado de uma criança; a criança era barulhenta. Quem é esse cara?
Minha autoestima eclesiástica chegou ao fundo do poço quando, num sábado de manhã de verão, encontramos o Padre Antonio enquanto saíamos para a praia. Ele estava tomando um café com seu elegante uniforme: calça preta, sapatos pretos, camisa preta e colarinho sacerdotal. Eu estava usando chinelos, óculos de sol e roupa de praia. Sorrimos e acenamos, desejando um ao outro um bom dia. Mas conforme a Sarah empurrava o carrinho do Pietro e eu levava um guarda-sol e uma sacola com toalhas e protetor solar, pensei: Minha credibilidade cristã já era.
Como conto em Não É Fácil Ser Pai, depois de muita procrastinação tomei coragem e me apresentei ao Padre Antonio. Eu gaguejei e cometi erros de italiano, mas consegui explicar quem éramos, que havíamos nos mudado recentemente para o bairro e que eu planejava começar outra igreja lá. Parecia ser uma ideia nova para ele, que alguém pudesse chegar e simplesmente começar uma igreja. Mas sua reação me aliviou: ele estava genuinamente feliz de me conhecer. Tratou-me como um colega de ministério, me agradeceu por ter me apresentado e me saudou.
Que alívio. Me senti acolhido no bairro e empolgado de começar uma igreja para alcançar uma nova geração. Fiquei com menos receio de encontrar o Padre Antonio no bar também.
René Breuel é um escritor brasileiro que mora em Roma, na Itália. Autor da obra Não é fácil ser pai: Como domar os leõezinhos, não chatear sua esposa e recuperar (um pouco) a sanidade depois da paternidade, possui mestrado em Escrita Criativa pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e em Teologia pelo Regent College, no Canadá. É casado com Sarah e pai de dois meninos, Pietro e Matteo.
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