Um ano após mudança da embaixada dos EUA, apenas um país cumpriu promessa em Jerusalém

A influência dos evangélicos e tentativas de se aproximar dos EUA inspirou países a mudarem suas embaixadas para Jerusalém. No entanto, apenas a Guatemala colocou a promessa em prática.

Fonte: Guiame, com informações do HaaretzAtualizado: terça-feira, 14 de maio de 2019 às 21:39
Presidente dos EUA, Donald Trump, com a proclamação da transferência de sua embaixada para Jerusalém, em dezembro de 2017. (Foto: Kevin Lamarque/Reuters)
Presidente dos EUA, Donald Trump, com a proclamação da transferência de sua embaixada para Jerusalém, em dezembro de 2017. (Foto: Kevin Lamarque/Reuters)

No dia 14 de maio de 2018, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, quebrou um tabu diplomático de décadas e transferiu a embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém. A medida forçou toda a comunidade internacional a examinar sua política sobre a capital de Israel desde a década de 1980, quando uma resolução da ONU considerou que nenhuma missão diplomática deveria ser colocada na cidade.

No ano passado, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu assumiu a missão de aproveitar a maré diplomática em favor de Jerusalém, cortejando vários países — especialmente aqueles com grandes comunidades evangélicas. No entanto, um levantamento feito pelo jornal israelense Haaretz mostra que muitas promessas foram aplicadas por caminhos diferentes.

Mudar a embaixada dos EUA de Tel Aviv para Jerusalém foi uma das primeiras promessas de campanha de Trump. A comunidade evangélica encarou o movimento como cumprimento das profecias bíblicas.

Até mesmo Netanyahu reconheceu e citou um versículo de Zacarias 8:2, que diz: “Assim diz o Senhor dos Exércitos: Zelei por Sião com grande zelo e com grande indignação zelei por ela.”

Mesmo antes de Trump reconhecer a soberania israelense sobre Jerusalém no final de 2017, Netanyahu havia trabalhado por muito tempo em para criar uma onda diplomática favorável à Israel.

Em um evento para diplomatas estrangeiros durante o 70º aniversário de Israel, Netanyahu chegou a oferecer ajuda especial aos primeiros países que mudarem suas embaixadas para Jerusalém. Netanyahu chegou a afirmar que Israel estava “em negociações com meia dúzia de países que estavam considerando seriamente mudar suas embaixadas para Jerusalém”.

No entanto, o anúncio de Trump teve a resposta oposta ao que Netanyahu esperava. As Nações Unidas e a União Europeia rejeitaram o movimento e colocaram o status de Jerusalém como condição de um acordo de paz com os palestinos.

Passo certo da Guatemala

O único país a seguir os EUA desde o início foi a Guatemala, liderada por Jimmy Morales. Apenas dois dias depois da embaixada americana ser movida para Jerusalém, o país fez o mesmo.

A Guatemala abriga uma crescente comunidade evangélica — atualmente cerca de 40% da população, incluindo seu presidente. Morales, no entanto, esperava que o movimento o ajudasse a ganhar popularidade em Washington.

No início, parecia ter funcionado. Recentemente, porém, Trump tem acusado o país, juntamente com Honduras e El Salvador, de não fazer sua parte em reprimir a imigração ilegal, apesar de receber ajuda dos EUA.


Homem caminhando ao lado de uma placa de trânsito para a Embaixada dos EUA em Jerusalém. (Foto: Ammar Awad/Reuters)

A ameaça de corte da ajuda norte-americana à Guatemala, mesmo depois de transferir sua embaixada para Jerusalém, pode ter influenciado o presidente hondurenho, Juan Orlando Hernández, que  decidiu não seguir os passos dos norte-americanos.

O país é 37% evangélico, com a comunidade crescendo e apoiando seu líder conservador. Hernández estava disposto a transferir a embaixada, mas ele tinha um preço: que Netanyahu o ajudasse a negociar com os americanos.

Durante a posse de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil, uma reunião foi realizada entre Netanyahu, Hernández e o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo. Houve até conversas sobre a abertura do mercado de Israel ao café hondurenho — a maior exportação do país. Apesar de tudo, a reunião não aliviou as tensões entre os EUA e Honduras e, durante a última conferência do AIPAC, o país anunciou que não iria transferir sua embaixada. Em vez disso, só abriria um escritório comercial.

Solução comercial do Brasil

A abertura de escritórios comerciais ou culturais tornou-se a saída preferida para os países que se viram incapazes de acompanhar suas promessas iniciais — como foi o caso do Brasil.

Com a maior comunidade evangélica em crescimento da América Latina — cerca de 50 milhões de pessoas, representando 22% da população — o grupo constitui uma parte fundamental da força política que levou Bolsonaro ao poder. Assim como Trump, mover a embaixada para Jerusalém foi uma de suas promessas de campanha.

Depois da visita de Netanyahu ao Brasil em dezembro, o compromisso do Brasil se tornou menos urgente. O governo garante que o movimento ainda está em andamento, mas tem que lidar com a pressão dos exportadores que fazem negócios com o mundo árabe.

Fontes diplomáticas que conversaram com o Haaretz disseram que o escritório de negócios brasileiro será estabelecido por um empresário e não será considerado um representante diplomático completo.

Outro caso interessante é o do Paraguai, que abriu e depois fechou sua embaixada em Jerusalém. Seguindo os passos dos EUA e da Guatemala, o então presidente do Paraguai, Horacio Cartes, viajou para Israel em maio de 2018 para inaugurar a embaixada de seu país na cidade.

O Paraguai tem uma comunidade católica grande e devota, enquanto evangélicos formam um pequeno grupo de cerca de 10% da população. No entanto, eles são ativos na política.

Cartes perdeu a eleição presidencial no ano passado e seu sucessor, Mario Abdo Benítez, foi rápido em anunciar que iria reconsiderar a localização da nova embaixada. Em setembro do ano passado, o país anunciou que sua embaixada estaria retornando a Tel Aviv, o que levou Israel a fechar sua própria embaixada no Paraguai em resposta.

Na Austrália, onde outra comunidade evangélica também exerce influência política, o primeiro-ministro Scott Morrison ligou para Netanyahu em outubro de 2018 para dizer que estava considerando reconhecer Jerusalém como a capital de Israel e transferir a embaixada de seu país para Jerusalém. Os evangélicos compreendem cerca de 15% da população da Austrália, sendo a segunda maior religião do país.

O novo primeiro-ministro, que também é evangélico, disse que continuaria apoiando uma solução de dois Estados, mas que Jerusalém era “a verdadeira capital de Israel”, mas consideraria reconhecer Jerusalém Oriental como a capital de um futuro Estado palestino.

Não muito longe da Austrália, nas Filipinas, outro presidente conservador, o presidente Rodrigo Duterte, também expressou algum apoio inicial para transferir a embaixada do seu país para Jerusalém. As Filipinas são um país cristão, mas os evangélicos são superados em número pelos católicos (números não oficiais dizem que eles compreendem entre 5 e 10% da população). Este movimento nunca aconteceu, mas desta vez nenhum escritório de negócios foi aberto como compromisso.


Presidente Jair Bolsonaro e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, em Jerusalém. (Foto: Pool/Reuters)

Influência dos evangélicos

O denominador comum dos países cujos líderes expressaram forte apoio à mudança de suas embaixadas para Jerusalém — Estados Unidos, Guatemala, Paraguai, Honduras, Brasil, Austrália e Filipinas — é a influência exercida pelos cristãos, especificamente evangélicos.

No entanto, existem outros países com uma proporção similarmente alta de evangélicos que não apoiaram a transferência de suas embaixadas para Jerusalém. Há também outro grupo de países na Europa, por exemplo, que declararam publicamente seu apoio em transferir sua embaixada (embora nenhum ainda o tenha feito), onde não há influência evangélica significativa.

Três fatores tornam um país mais aberto para considerar tal movimento: uma comunidade evangélica influente, um líder conservador de direita e o desejo de se aproximar de Trump e dos Estados Unidos ou, inversamente, gerar oposição à União Europeia.

Apesar das tentativas de Netanyahu, a chefe de relações exteriores da UE, Federica Mogherini, disse que os países da União Europeia não seguiriam o exemplo dos EUA. Até agora ela tem razão, embora alguns Estados tenham se inclinado a violar a decisão da UE.

Um desses países foi a República Tcheca, que flertou com a ideia por meses — até que declarou que reconhecia Jerusalém Ocidental como a capital de Israel e estava abrindo um centro cultural na cidade. Viu Jerusalém como a capital futura dos dois Estados.

O tema também provocou um conflito interno na Romênia entre o presidente e o governo. A primeira-ministra, Viorica Dancila, foi a favor da mudança da embaixada, mas o presidente Klaus Iohannis — que tem autoridade — foi fortemente contra a medida. Na última reunião da AIPAC em Washington, Dancila novamente prometeu transferir a embaixada, mas Iohannis a chamou de equivocada.

Uma fonte diplomática em Jerusalém disse que essas disputas permitiram que os países tivessem uma jogada dupla: aproximar-se de Trump e Israel sem aborrecer a UE, da qual dependem economicamente.

Na Hungria, sugestões anteriores do primeiro-ministro Viktor Orbán — líder de extrema direita da Europa — foram postas de lado com a abertura de um escritório comercial em Jerusalém em março. O ministro das Relações Exteriores da Hungria disse que o país não tinha a intenção de mudar sua embaixada, aderindo ao consenso internacional e às resoluções da UE.

A Eslováquia também abriu um escritório em Jerusalém e disse que vai afixar um diplomata na cidade, mas a Áustria e a Geórgia — que deixaram indícios de que mudariam suas embaixadas — ainda não o fizeram.

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